Nosso Sonho, de Eduardo Albergaria | Assista nos Cinemas


O sonho de conquistar o pais cantando e dançando nem sempre é algo conquistado por qualquer artista. Mas dois meninos pobres de uma comunidade no Rio de Janeiro transformaram suas vidas quando aos poucos se jogaram na vida artística durante os anos 90, uma época na qual ''vídeos musicais'' já vendiam bem as bandas e músicos, mas não tanto quanto o poder de tocar nas rádios. Claudinho & Buchecha se mostraram ao público fazendo passinhos fofos e engraçados ao mesmo tempo que compuseram canções que abordavam a origem humilde, os relacionamentos de amor e de amizade de maneira sincera e sem firulas. Regravaram canções, apareceram em todos os programas globais possíveis, sendo figurinha carimbada, principalmente, nos programas apresentados pela apresentadora Xuxa Meneghel. Entre 1996 e o início dos anos 2000, a dupla lançou cerca de seis álbuns de estúdio, um disco ao vivo e ,durante os anos, chegaram a mercado três compilações. Foram um estouro e conquistaram os mais diversos públicos, desde as crianças, aos adolescentes até os mais velhos. Foram ao Japão, Portugal, Estados Unidos e etc e levaram sua arte com doçura e leveza.

O começo simples da dupla rainha do ''funk melody'', vinda de São Gonçalo, virou filme com direção de Eduardo Albergaria e apresenta a trajetória de Cláudio Rodrigues de Mattos (Claudinho) e Claucirley Jovêncio de Sousa (Buchecha), sob a ótica deste último. Claudinho, falecido em julho de 2002, é reverenciado pelo amigo e parceiro Buchecha e ganha uma baita homenagem pela pessoa fora de série que foi. A sinergia entre os dois, aqui interpretados por Juan Paiva como Buchecha e Lucas Penteado como Claudinho, é preciosa e capturada para as telas de forma singela, logo, consegue emocionar e fazer lindas homenagens. Mais que isso, joga ao espectador temáticas relevantes como a toxidade de familiares, um pai ausente que demora a desenvolver laços de amor com seu filho é um dos conflitos principais em ''Nosso Sonho''.  A produção conta com roteiro de Eduardo Albergaria, Daniel Dias, Maurício Lissovsky, Fernando Velasco e Junior Vieira e tem distribuição da Manequim Filmes. Também estão no elenco, Gustavo Coelho, Boca de 09, Nando Cunha,  Isabela Garcia e muitos outros.

Trailer 

Ficha Técnica
Título original e ano: Nosso Sonho, 2023. Direção: Eduardo Albergaria.  RoteiroElenco: Eduardo Albergaria, Daniel Dias, Maurício Lissovsky, Fernando Velasco, Junior Vieira. Elenco: Juan Paiva, Lucas Penteado, Gustavo Coelho, Boca de 09, Marcio Vito, Nando Cunha, Gabriel do Borel, Lellê, Tatiana Tibur, Flavio Souza, Fp do Trem Balla. Gênero: Biografia, Musica, Drama. Nacionalidade: Brasil. Trilha Sonora Original: Plinio Profeta. Fotografia: Joao Atala. Edição: Felipe Bibian. Assistente de Arte: Patrícia Ramos Pinto. Distribuição: Manequim Filmes. Duração: 01h57min.
O longa tem por todo ele narração do personagem de Buchecha (Juan Paiva). O seu início, na verdade, é uma cena que voltará a tela pouco antes dos atos finais. Vemos um homem caminhar na chuva rumo a um posto de gasolina e logo se entende que aquele pode ser o momento que transformará o caminho dos dois para sempre. Minutos depois, voltamos no tempo para ver o encontro marcante entre Claudinho (Boca de 09) e Buchecha (Gustavo Coelho) ainda pequenos brincando. Se aproximaram porquê o primeiro salvou o segundo de se afogar durante um momento de descontração da turma do bairro. Depois estão ali soltando pipa e conversando de responsabilidades. Não entramos inteiramente na vida de Claudinho, mas sabemos como Dona Etelma (Tatiana Tibur), a mãe de Buchecha, o cria praticamente só e ainda precisa aturar Souza (Nando Cunha) que vez ou outra volta para casa bêbado. Criança, Buchecha ainda tentava ter um relacionamento com o seu velho, já adolescente, bate de frente com as atitudes do homem e quase apanha dele. É quando a mãe o manda para casa da tia Natalina (Flavia Souza) e ali ele reencontra o seu anjo da guarda Claudinho (Lucas Penteado). Claudinho sempre positivo, dá ideia para que se inscrevam em um concurso de rap e aos poucos o Buchecha começa a escrever músicas e toda a empolgação com o mundo artístico vai tomando forma no universo deles. Sempre com muito incentivo de Claudinho. Os dois iniciam relacionamentos com meninas da comunidade e, talvez, este seja o único resquício familiar a aparecer sobre Claudinho na história. Todo o resto é voltado para a relação que este tem com o amigo e do amigo com o pai. 

                                                                                                         Créditos: Manequim Filmes/ VitrineFilmes                
O longa foi rodado em meados de 2022 e apareceu na lista de filmes selecionados pela ABC para concorrer a uma indicação na categoria e ''Melhor Filme Internacional'' no Oscar 2024.

A beleza de ''Nosso Sonho'' está em reverenciar o talento e a amizade de dois brasileiros que possuíam um vontade maior e que correram atrás e trabalharam para que as coisas acontecessem. E elas se deram de forma natural, ainda que rotineiramente lembradas pelo intuito de que ''quem tem talento, não tem chefe'', frase tão falada pelos familiares dos dois. Claudinho e as ''coincidências misteriosas'' de passagens em que pede a Buchecha que o amigo ''entregue os cd's deles para a filha do rapaz num futuro próximo'' ou a atitude de sair do palco e deixar o parceiro sozinho lá em cima dão a trama a camada ultra especial de que o cantor pressentia que o mundo poderia mudar e ele não estar mais ali. Portanto, sempre motivava o amigo a continuar e até a perdoar quem o machuca. Uma positividade impressionante, apesar das situações controversas que se dão. O filme não trás o contexto politico do Brasil dos aos 90, mas pela situação precária em que os dois se encontram é possível ver que tudo se passou na era pré-Lula. Um momento conturbado em que o pobre e ''favelado'' precisava encontrar gente disposta de verdade a estender a mão e abrir um caminho de oportunidades. 

Outro ponto crucial da película de Albergaria é o tocante da relações entre pai e filho. Temática que merece muita relevância pela questão do ''aborto e abandono paternal'' que incide imensamente no número de mães solteiras no pais criando seus filhos e batalhando sozinhas. Relacionamentos que se fazem nulos ou muitas vezes tóxicos por conta de progenitores que não pensam na paternidade como um estilo de vida. Apenas o iniciam deliberadamente sem intenções de o dar continuidade ou fazer por onde ser um exemplo a criança. O papel do pai de Buchecha é vivido pelo ator Nando Cunha e as nuances que a personagem ganha vão crescendo a cada passo que o filho dá. O homem se evidencia com traços violentos, vícios, manias e meio a tudo isso até tenta incentivar que o garoto busque a arte, mas não cria um espaço de acolhimento para que a relação tenha menos atrito. Deixa seus próprios dilemas se sobressaírem ao que poderia ser um aprendizado. Mas o tempo e as os ocorridos vão mudando os dois, o que é bom para ambos.

A narrativa toma uma rumo muito bonito e tocante sem cair no melodrama. Sentimos a força da amizade da dupla e toda a jornada é muito bem representada pelo quarteto de atores que interpreta as fases de criança e da vida adulta. O figurino emblemático dos anos 90 é visto nos bonés, nas blusa de time, nos óculos coloridos, nas jaquetas gigantes e a edição combina cenas de bailes da época para demonstrar como eram super cheios e o sucesso todo que os festivais de rap conseguiram trazer aos dois.

Eduardo Albergaria tem no currículo inúmeros trabalhos em séries para tevê e dirigiu, em 2017, o filme ''Happy Hour: Verdades e Consequência''. Nosso Sonho dá a ele a segurança para continuar crescendo no cenário e no cinema brasileiro, pois é uma película lindíssima e deve emocionar não só os fãs e quem viu Claudinho & Buchecha ascender ao sucesso como também aos jovenzinhos que conhecem as músicas apenas por ''osmose''.

Avaliação: Quatro canções de amor & amizade e meio passinho engraçado (4,5/5).

HOJE NOS CINEMAS

revisado em 21.09.23, às 13:18.

Escrito por Bárbara Kruczyński

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