terça-feira, 31 de outubro de 2023

Como Você se Atreve a Desejar Algo Tão Terrível, de Mania Akbari | 47ª Mostra SP


PERSPECTIVA INTERNACIONAL

“Isso não é cinema, era violação”! 

Demonstrando uma capacidade mui aplaudível de enfrentamento feminista, a cineasta iraniana Mania Akbari parte de um questionamento julgamental, no intertítulo de um filme mudo de seu país, para converter em investigação o (ab)uso da nudez feminina em produções realizadas antes da Revolução Islâmica de 1979. Enquanto tal, as diversas seqüências que compõem o documentário “Como Você se Atreve a Desejar Algo Tão Terrível” (2022) têm muito em comum com as pornochanchadas brasileiras setentistas, no que tange à estereotipização das “mulheres de vida fácil”. Mas logo o melodrama substituirá este espaço de exposição física mercantilizada, antes de as imagens de mulheres no cinema serem amplamente excluídas das telas, com a instituição da religião muçulmana enquanto parâmetro constitucional… 


Ao optar por um percurso ensaístico, em que interpela diretamente quem a assiste, a diretora mostra-se despida, logo no início, tatuando flores sob os seus seios. Na narração que atravessa toda a duração do filme (72 minutos), Mania Akbari fala por todas as mulheres iranianas, convertidas metonimicamente numa única entidade de reivindicação discursiva: “por que tu invades a minha solitude?”, pergunta ela, direcionando as suas inquietações para um espectador generalizado, fetichizado e obviamente masculino. E as imagens que ela exibe chocam pela licenciosidade! 


Para quem está acostumado aos filmes iranianos estetizados, a diretora apresenta situações quase pornográficas, de obras em que mulheres dançam de maneira sensualizada ou representam caricaturas adúlteras e/ou prostituídas. Nalguns dos trechos que ela resgata, em seu percuciente trabalho de montagem, personagens questionam o porquê de serem continuamente assediadas e/ou seduzidas, mas, como sói acontecer também no Ocidente, o direcionamento do olhar fílmico visa apenas ao prazer do público masculino heterossexual, de modo que elas quase sempre ficam seminuas. Tem-se aqui, portanto, um filme que problematiza veementemente a naturalização do ‘male gaze’… 


Créditos: Divulgação 47ª Mostra SP

O longa de Mania Akbari recebeu indicação na categoria de melhor filme no ''Black Movie Film Festival'' de 2022

Para quem não reconhece o nome, Mania Akbari é a protagonista do longa-metragem “Dez” (2002, de Abbas Kiarostami), envolto em uma polêmica tardia, por causa de questões envolvendo o tratamento concedido à sua filha transexual Amina Maher, que aparece no filme, ainda criança. É uma diretora amplamente envolvida com a militância de gênero e que recapitula a história cinematográfica de seu país de maneira deveras corajosa. Entretanto, o fato de ser um filme com enfoque crítico-subjetivo, e não necessariamente informativo, faz com que queiramos saber mais sobre aqueles filmes, nem que sejam enquanto contraexemplos: infelizmente, eles são listados apenas nos créditos finais, sem que consigamos identificar a quais títulos pertencem as cenas mostradas. 


Trailer Internacional



Ficha Técnica
Titulo original e ano: How Dare You Have Such a Rubbish Wish, 2022. Direção: Mania Akbari. Roteiro: Mania Akbari e Ehsan Khoshbakht. Gênero: Documentário. Nacionalidade: Irã, Canada e Reino Unido. Trilha Sonora Original: Mania Akbari. Design de Som: Mania Akbari. Fotografia: Mania Akbari, Mahshad Afshar, Karima Jamili e Hosein Shirzad. Edição: Mania Akbari. Screening Copy: Cryptofiction. Produção: Mania Behdad Esfahbod. Duração: 01h12min.

Ao término da sessão, constatamos que a cineasta transcende a lógica taxonômica, no que diz respeito à qualidade questionável de vários daqueles títulos. Para ela, foi terrível o que é definido como “privatização do farsi-cinema”, que não permitia sequer que as mulheres usando xador fossem filmadas, enquanto protagonistas de suas histórias de vida, comumente trágicas. “Seguiu-se um cinema poético, mas feito apenas por homens”, reclama, enquanto uma dançarina enceta alguns passos vigorosos, numa situação captada no presente. A reflexão nos é direcionada de maneira combatente, exigindo que nos posicionemos quanto ao que é comprovado como apagamento das pulsões femininas. Trata-se de um documentário irregular, mas que se revela como um ensaio combatente, justificando a necessidade de revisão e debate: pior que as más imagens seria nenhuma imagem? 

 

Vinheta da Mostra

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