Em 2018, a Blumhouse adquiriu os direitos da franquia Halloween, dando à luz a uma sequência-legado que iniciaria uma trilogia dirigida por David Gordon Green. O resultado do projeto, apesar de não ter sido unanimidade com o público, parece ter agradado o produtor Jason Blum o suficiente para ele aceitar bancar exatamente o mesmo plano com outra propriedade intelectual conhecida do Horror. Desta vez, a franquia escolhida para passar pelo tratamento Blumhouse foi O Exorcista. O considerável investimento de 400 milhões de dólares apenas pelos direitos de distribuição da nova trilogia demonstra a confiança da Universal Pictures no potencial lucrativo da empreitada. Servindo como sequência direta ao assombroso filme de 1973 dirigido por William Friedkin, O Exorcista: O Devoto ignora todas as demais continuações da franquia e inicia uma nova cronologia exatamente 50 anos depois do lançamento do filme original nos cinemas, se propondo à ambiciosa missão de carregar o legado do que é considerado O Filme Mais Assustador de Todos os Tempos.
Victor Fielding (Leslie Odom Jr.) é um viúvo que se divide entre a profissão de fotógrafo e a criação de sua filha, Angela (Lidya Jewett). 13 anos após a morte de sua esposa Sorenne (Tracey Graves), um novo drama marca a vida de Victor: Angela e sua amiga Katherine (Olivia O’Neill) são dadas como desaparecidas. 3 dias depois, são encontradas no celeiro de uma fazenda, com queimaduras nos pés e alheias a como chegaram lá ou quanto tempo ficaram sumidas. O alívio pelo resgate das garotas logo é substituído por desespero quando ambas começam a agir fora do seu normal, dizendo frases sem sentido, convulsionando e adotando um comportamento agressivo. Aos poucos, vão se avolumando indícios de que Angela e Katherine estão possuídas por algum tipo de força demoníaca, o que leva Victor a pedir ajuda a Chris MacNeal (Ellen Burstyn), renomada pesquisadora que estudou diversos rituais de exorcismo pelo mundo após sua própria filha sofrer uma possessão meio século antes.
Créditos: © 2023 Universal Studios. All Rights Reserved.
A expectativa sobre O Devoto era, para dizer o mínimo, infernal. O longa de 1973 não é apenas um excelente filme: é um clássico icônico do Cinema, uma obra seminal do Horror. Por décadas, O Exorcista foi adorado, temido, referenciado, parodiado e copiado. Foi uma espécie de pesadelo compartilhado por gerações de pessoas (até mesmo por aquelas que sequer assistiram), como uma lenda urbana. Poucas obras cinematográficas podem se gabar de tamanho impacto cultural. Provavelmente por isso suas continuações, mesmo tomando algumas escolhas ousadas, nunca conseguiram sair da sombra do original. Eram filmes amaldiçoados pelo peso de seu DNA e pela falta de um senso de progressão narrativa entre eles. De certa forma, a continuação mais bem-sucedida que O Exorcista teve foi uma série de TV(2016-2017),que, dentro de sua proposta e suas limitações, conseguiu desenvolver uma narrativa coesa e satisfatória por 2 temporadas. Talvez a mudança de mídia tenha livrado a série de grandes expectativas. Mas, desde então, nenhuma outra sequência para o Cinema foi cogitada até agora. A intenção da Blumhouse é justamente usar a estrutura de uma trilogia para construir uma trama que possa se desenrolar de forma estendida a fim de contar uma história completa (e ganhar rios de dinheiro no processo). Porém há um pequeno problema.
O Exorcista: O Devoto falha tanto em estabelecer uma trama suficientemente concreta para iniciar uma trilogia quanto em executar algo que faça jus ao filme de William Friedkin. Ao se propor usar como base diretamente o filme original, O Devoto se coloca numa armadilha perigosa de comparações, talvez de forma até mais explícita e imprudente do que as sequências anteriores. Esta poderia ser apenas mais uma continuação sem grandes pretensões, mas a Blumhouse optou por ousar dar continuidade ao legado do filme original, sem sucesso. Este 1º capítulo da trilogia passa a impressão de que houve mais foco em construir um plano mercadológico do que uma boa ideia. Os elementos familiares estão presentes, mas com cara de cansados, após 50 anos sendo diluídos nesta água da qual o Cinema tanto bebeu. Falta aqui algum fator que soe original, transgressor ou genuinamente ousado, algo que o filme de Friedkin tinha de sobra.
Trailer
Ficha Técnica
- Título Original e Ano: The Exorcist - Believer, 2023. Direção: David Gordon Green. Roteiro: Peter Sattler, David Gordon Green, Scott Teems, Danny McBride - baseado nos personagens criados por William Peter Blatty. Elenco: Linda Blair, Ellen Burstyn, Jennifer Nettles, Leslie Odom Jr., Olivia O'Neill, Ann Dowd, Lidya Jewett, Raphael Sbarge, Norbert Leo Butz, Ben Bladon, Chloe Traicos, E.J. Bonilla. Gênero: Terror. Nacionalidade: EUA. Trilha Sonora Original: Amman Abbasi e David Wingo. Fotografia: Michael Simmonds. Edição: Timothy Alverson. Design de Produção: Brandon Tonner-Connolly. Figurino: Lizz Wolf e Barbara Vazquez. Distribuição: Universal Pictures Brasil. Duração: 01h51min.
A produção apresenta um drama sólido focado numa família cuja relação é, de fato, bem construída. As atuações de Leslie Odom Jr. e Lidya Jewett como pai e filha são o ponto alto do longa, oferecendo a profundidade necessária para o público se importar. Contudo, os demais personagens do longa soam muito menos desenvolvidos e interessantes para a trama, faltando a eles tempo de tela e a mesma relevância narrativa. Não se trata necessariamente de um filme ruim. Na verdade, talvez seja o filme mais bem dirigido por David Gordon Green, nesta fase do Horror do cineasta na Blumhouse. Porém, a sensação de que ''falta alguma coisa'' não desaparece. E aquele gostinho de desesperança e blasfêmia do Exorcista original estão super ausentes aqui. Também se sente falta do ultraje sem-vergonha que, para o bem ou para o mal, tanto mexeu com o público em Halloween Kills e Halloween Ends. É como se, diante da responsabilidade de lidar com um brinquedo tão caro, Gordon Green tivesse optado por ficar no seguro. Ciente de que é impossível replicar o impacto do filme original, O Devoto aparentemente nem se permitiu tentar. Contudo, isso não significa que não existam novidades. Uma das intervenções na mitologia da franquia que O Devoto propõe, por exemplo, é a de olhar a fé além do Cristianismo, inserindo práticas ritualísticas de exorcismo de outras religiões, mesmo que a integração deste conceito na história acabe não sendo satisfatória. Mas abre as portas para que estes conceitos sejam mais bem trabalhados nas outras duas sequências. Contudo, o resultado final infelizmente fica muito aquém das expectativas criadas pela própria Blumhouse. O Exorcista: O Devoto acaba por ser um filme regular que deixa um gostinho amargo de oportunidade perdida.
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