“Dizem que o calor faz as pessoas enlouquecerem”…
Na esteira de várias produções japonesas de aventuras – em especial, os ‘tokusatsus’ -, a série animada “Digimon”, surgida no final da década de 1990, era protagonizada por alguns adolescentes – chamados “digiescolhidos” – que possuíam a capacidade de fazer com que os seus monstros digitais (daí a origem abreviada do título) brigassem entre si, em disputas orquestradas e cada vez mais competitivas. Por mais que, nos episódios, conheçamos um pouco mais sobre o cotidiano dos personagens, o grande chamariz da série é a repetição das lutas, acompanhadas por efeitos visuais sobremaneira luminosos.
Após diversos longas-metragens e séries derivadas, chega aos cinemas “Digimon Adventure 02: O Início” (2023, de Tomohisa Taguchi), que pode ser apreciado até mesmo por quem não assistiu a nenhum episódio da série. No letreiro de abertura, há uma explicação para a coexistência entre os digiescolhidos e os monstros digitais, a partir da lógica de universos paralelos. No contexto tramático, os monstrinhos convivem em harmonia com os humanos, eventualmente os auxiliando em tarefas domésticas e/ou profissionais. Até que um enorme ovo Digimon – chamado DigiTama – aparece no céu da cidade de Tóquio, irradiando sinais eletrônicos, que apregoam de maneira entusiástica a harmonia relacional entre as pessoas e os monstrinhos. Algo estranho acontecerá a partir daí, com certeza!
É quando surge Lui, um garoto taciturno, que escala uma torre elétrica, aparentemente querendo destruir o DigiTama. E, ao justificar os motivos para este intento, o subtítulo faz sentido, já que ele se declara como o primeiro digiescolhido, e começa a narrar os traumas de sua infância, antes de conhecer Ukkomon: negligenciado por sua mãe, em razão de ela estar perenemente preocupada com o seu marido em coma, Lui é também maltratado no colégio e por todas as pessoas com quem convive. Quando percebe que Ukkomon é dotado de poderes especiais, Lui fica encantado. E, pouco a pouco, as situações circundantes passam a melhorar: seu pai desperta, Ukkomon o defende das agressões escolares e até mesmo a sua mãe começa a lhe tratar com afeição. Mas algo esquisito parece estar na gênese desse bem-estar intensificado…
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: Digimon Adventure 2.0 - The Beginning. Direção: Tomohisa Taguchi. Roteiro: Akatsuki Yammtoya e Akiyoshi Hongo. Elenco: Fukujuro Katayama, Junko Noda, Lounsbery Arthur, Naozumi Takahashi, Ayaka Asai, Koichi Tochika, Yoshitaka Yamaya, Ayaka Asai, Megumi Urawa, Junya Enoki, Mao Ichimichi e Kôichi Tôchika. Gênero: Animação ação e aventura. Nacionalidade: Japão. Trilha Sonora Original: Harumi Fuuki. Fotografia: Shinya Kuwabara. Edição: Kentaro Tsubone. Direção de Arte: Ayu Kiyoki. Design de Personagem: Katsuyoshi Nakatsuro. Diretor de Animação: Rie Nishimura. Distribuição: Paris Filmes. Duração:
Conforme se pode perceber nesse intróito, os confrontos divertidos e infantilizados são substituídos por um relato melodramático, fazendo com que este filme tenha muito em comum com o ótimo “CJ7 – O Brinquedo Mágico” (2008, de Stephen Chow), além de emular o caráter um tanto melancólico por detrás da mitologia da clássica série “Jaspion”, exibida originalmente entre 1985 e 1986. A construção do personagem Lui é marcada por passagens tormentosas, como quando a sua mãe o deixa trancado no frio, depois que ele urina em si mesmo por acidente, nas questões referentes ao aniversário bissexto do personagem (que nasceu em 29 de fevereiro) e nas conseqüências quase vilanazes de sua solidão crônica, que dificulta a necessidade de conversar com Ukkomon, depois que ele digivolui, após desaparecer por alguns anos.
Créditos: Paris Filmes / Toei Animation e Yumeta Company
A produção contou com premiere em 05 de outubro no Japão e só foi chegar oficialmente aos cinemas em 27/10. Neste 30 de Novembro, a produçao está estreando praticamente em toda a América do Sul.
Em meio a este enredo delicado – que, na verdade, traz à tona questões freqüentes na cinematografia japonesa, no que tange ao ‘bullying’ sofrido pelas crianças e adolescentes daquele país –, surgem breves relances das disputas entre digimons, quando vários monstrinhos evoluem e se fundem, a fim de enfrentarem a mutação violenta e gigantesca de Ukkomon, que ameaça multiplicar a quantidade de digiescolhidos ao redor do mundo, o que pode desencadear um desequilíbrio progressivo na relação entre os digimons e seus tutores. Para piorar, o atormentado Lui passa por muitas dificuldades, na hora de enfrentar os seus rancores acumulados e tentar compreender a necessidade perene de Ukkomon em não apenas agradá-lo, mas também realizar todos os seus desejos. Há algo de muito reflexivo nessa temática, portanto.
Ainda que o desfecho seja um tanto brusco, como se fosse um episódio estendido da telessérie, este roteiro, por vezes, soa autocrítico em relação à dependência que algumas crianças nutrem por invenções como os antigos ‘tamagotchis’, dedicando muita energia emocional a conjunturas fantasiosas e tendo dificuldades em enfrentar os problemas (alguns deles, contornáveis) de suas vidas reais. O ritmo é inconstante, pois os supracitados traços melodramáticos são recorrentemente interrompidos pelos cacoetes do seriado, mas o saldo geral é surpreendente, principalmente no que diz respeito aos arroubos merencórios do roteiro. Quem diria?
Avaliação:
HOJE NOS CINEMAS
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