“Uma sociedade funciona quando cada indivíduo sabe o seu lugar: incompetência é não saber este lugar”!
Baseado num clássico cômico de 1976, dirigido pelo “politicamente incorreto” francês Francis Veber – e que já fôra regravado, homonimamente, como “O Brinquedo”, em 1982, por Richard Donner [1930-2021] –, “Meu Novo Brinquedo” (2022, de James Huth) parte da mesma sinopse para refletir superficialmente sobre questões integrativas da sociedade contemporânea, sobretudo na perspectiva européia. Entretanto, esta nova adaptação enredística não decide a contento o seu ponto de vista…
No início, somos apresentados ao camelô Sami Chérif (Jamel Debbouze, co-roteirista), que comemora a sua invenção do bule com dois bicos. Após ser enquadrado por um policial, que o multa, além de confiscar toda a sua mercadoria, ele precisa desesperadamente encontrar um novo emprego, em razão de sua esposa Alice (Alice Belaïdi) estar grávida de oito meses. Para piorar, ela também é demitida, e junta-se aos seus vizinhos para protestar contra os desmandos do dono da empresa para a qual trabalhava, Philippe Étienne (Daniel Auteuil).
É quando, após ser flagrado dormindo, num serviço como segurança de loja, Sami é percebido por um garoto mimado, Alexandre (Simon Faliu), justamente o filho do magnata supracitado, que exige que ele seja embalado para presente, como se fosse um brinquedo. E, assim, o que parecia uma comédia predominante física, embasada nas ‘gags’ protagonizadas por Jamel Debbouze, converte-se numa trama com chavões dramáticos, a fim de redimir os personagens enlutados, depois que a esposa do Sr. Étienne falecera, conforme percebemos no prólogo do filme.
Não obstante as seqüências passadas no bairro popular onde Sami vive serem muito divertidas, emulando o frenesi visual dos filmes de Jean-Pierre Jeunet, a direção de James Huth demonstra-se sobremaneira convencional, desperdiçando as benesses da direção de arte acachapante. As situações envolvendo os vizinhos intrometendo-se nas brigas do casal Chérif são ótimas, mas o roteiro investe numa previsível reconciliação entre classes, que se torna deveras problemática quando o sindicalismo de alguns personagens resvala no oportunismo concorrencial: em dado momento, mais de uma pessoa deseja tornar-se o novo brinquedo de Alexandre. E, se este reclama que “quando uma pessoa é rica, não tem amigos, pois desconfia de todo mundo que se aproxima dela”, não seria justamente o interesse financeiro o motivo da aproximação contratual de Sami?
Título original e ano: Le Nouveau Jouet, 2022. Direção: James Huth. Roteiro: Jamel Debbouze, James Huth, Sonj Shillito e Francis Veber. Elenco: Jamel Debbouze, Daniel Auteuil, Simon Faliu, Alice Belaïdi, Anna Cervinka, Aton, Laurent Saint-Gérard, Salim Kissari, Lucia Sanchez, Dorylia Calmel, Redouanne Harjane, Gilles Cohen. Gênero: Comédia. Nacionalidade: França. Trilha Sonora Original: Goodwing & Foltz. Fotografia: Stéphane Le Parc. Edição: Monica Coleman. . Distribuidora: A2 Filmes. Duração: 01h52min. Classificação: 12 anos.
Créditos: A2 Filmes / Festival Varilux
Um dos principais fatores para a constatação da falta de ritmo do filme é a trilha cancional, composta por várias regravações de músicas estadunidenses. Pouco a pouco, o enredo obtém êxitos semelhantes às suas versões anteriores, quando investe na temática mais óbvia, que é a restauração da harmonia familiar. Isso acontece de maneira simétrica, visto que as decisões do Sr. Étienne, no afã por recuperar a simpatia de seu filho, afetarão positivamente as vidas (leia-se: a estabilidade econômica) das pessoas que convivem com Sami. Porém, o desfecho do filme é tão abrupto quanto o término de um episódio de TV, como se o diretor não soubesse o que fazer com os personagens, depois que aquilo que parece moralmente reprovável na sinopse (e/ou no título do filme) é resolvido…
Seja como for, com todos os seus problemas e desperdícios, “Meu Novo Brinquedo” é um filme que diverte e possui substanciais chamarizes de público, em decorrência do bom entrosamento entre o seu elenco e a habilidade imorrível de Francis Veber, roteirista do filme original, para criar situações que não perdem a graça mesmo após a infinitésima revisão. E, por mais que não seja a intenção do filme, há algo de sociologicamente válido em seus interstícios – bem como no conselho redirecionado ao espectador, oriundo de um diálogo interno, nos créditos finais!
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