O dom da escrita vem pincelado a criatividade e um pouco de inspiração na vida pessoal para muitos escritores. Youssef Salem (Ramzy Bedia), um muçulmano de origem Argeliana que está no trajeto para finalmente publicar o seu primeiro livro, tem essa premissa como lema. Com um pai preocupadíssimo em revisar o material do filho, uma mãe faceira e três irmãos, um homem e duas mulheres, que são a cara da diversidade, o escritor coloca dentro de seu primeiro trabalho um conjunto de inspirações de seu clã, de suas jornadas sexuais, com inúmeras alterações da realidade, e ainda como é ser quem se é e com as origens que tem falando de tudo isto abertamente.
O homem precisa viajar para visitar os pais e irmãos quase sempre e retornar a Paris. Inicia sua história falando de como, ainda adolescente, imaginava o encontro de dois jovens cheios de desejo a ponto de morrer no ápice deste encontro carnal, o que ele nomeia "Choque Tóxico'' - e expressão que será o título de seu livro. Descreve então seus desejos pela filha do médico que o consultava, re-imagina a mãe traindo o pai e este gostando de se travestir vez ou outra e também um dos irmãos sendo homossexual e escondendo dos pais ou ainda os detalhando como pessoas que não seguem padrões da sociedade. Mais a frente, se descobre como ele altera a realidade de forma divertida e crítica e como a trama criada enaltece a imperfeição de uma família que adora assistir reality shows de sobrevivência em companhia um do outro e torcer pelo único representante árabe no elenco. Por mais idiota que este seja.
Não somente, mas o texto também toma tempo para falar da mídia e de como o sucesso pode ser algo assustador quando não se quer. Muito menos quando o seu trabalho pode ter o poder de machucar seus entes queridos devido a leituras errôneas do mesmo. Neste espaço, o espectador acaba assistindo a editora de Youssef ficar maravilhada com a fama, o mesmo indo a um programa de debate sobre literatura e saindo de lá aclamado até por críticos que odiaram o livro, ou ainda pessoas o parando na rua para o dizer que ''se identificam com o livro'', mas que não são árabes e tudo soando muito mal para elas.
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: Youseff Salem à du succès, 2022. Direção: Baya Kasmi. Roteiro: Baya Kasmi, Michel Leclerc e Olivier Adam. Elenco: Ramzy Bedia, Noémie Lvovsky, Abbes Zahmani, Tassadit Mandi, Vimala Pons, Lyès Salem, Melha Bedia, Caroline Guiela Nguyen, Oussama Kheddam, Alexandra Roth, Arnaud Viviant. Gênero: Comédia. Nacionalidade: França. Trilha Sonora Original: Alexandre Saada. Fotografia: Julien Roux. Edição: Monica Coleman. Design de Produção: Damien Rondeau. Figurino: Elfie Carlier. Distribuição: Bonfilm. Duração: 01h37min.
O segundo longa de Baya Kasmi é um primor de crítica a xenofobia e ao racismo e impactante por abrir a pauta de conversas que para a cultura mulçumana e famílias mais conservadoras é um tabu, o falar de sexo. A diretora nos entrega uma comédia extremamente divertida e perspicaz com personagens cheios de detalhes e camadas que os destacam. Seja o escritor com libido aflorado, a irmã gordinha cheia de marra, o irmão padeiro sem tanta voz ou ainda a irmã lésbica que não conta a família que a amiga e a criança que vivem com ela são sua mulher e filho. E os pais tem ainda aquela leitura dos filhos de que eles precisam seguir os ditos da religião e serem pessoas do bem, porém mal sabem esses homens e mulheres crescidos que seus progenitores também os enxergam e conseguem os amar como são e se orgulham ainda mais deles por seus talentos.
Divulgação: Festival Varilux/ Bonfilm / Domino Films
''O Livro da Discórdia'' teve sua estréia no Film Francophone d'Angoulême, em agosto de 2022 e chegou aos cinemas franceses em janeiro deste ano.
Baya Kasmi é atriz, roteirista e diretora. Iniciou sua carreira em 2002 roteirizando séries e logo partiu para atuação (quatro anos mais tarde). Seu primeiro trabalho como diretora foi ocorrer em 2011 com o curta ''J'aurais pu être une pute'' e seu primeiro longa em 2015, o filme ''À Sua Completa Disposição''. Demonstra total controle de escrita e condução e transita muito bem entre os gêneros da comédia e drama. A diretora é de uma preciosidade necessária ao audiovisual mundial e muito mais ao cinema francês. Kasmi está no país com a delegação francesa que veio apresentar os filmes do Festival e seu filme abre muito bem o evento. Principalmente por tocar em temáticas que na França ainda são muito complicadas como o racismo e a xenofobia com os muçulmanos e também imigrantes.
Ao elenco, um bravo extasiante pela ótima performance. Ramzy Bedia é um tipão e seu jeitão em cena é contagiante, pois dá ao personagem um formato cru e cheio de horror as hipocrisias vista em sociedade. Outro ótimo destaque é para o núcleo da família. Todos extremamente espetaculares.
Avaliação: Três livros proibidos e meio olhar de pudor (3,5/5).
Vinheta
Serviço:
Festival Varilux de Cinema Francês
De 09 a 22 de Novembro
Em cinemas de 47 cidades
Visite: https://variluxcinefrances.com/2023/
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