sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Propriedade, de Daniel Bandeira | Assista nos Cinemas


Tereza (Malu Galli) é o eixo do filme brasileiro Propriedade, longa com condução do diretor nordestino Daniel Bandeira. Mulher sensível das classes altas recifenses, a personagem privilegiada da Casa Grande desenvolveu síndrome de pânico devido ter sido sequestrada e coagida com uma arma na cabeça por um representante da Senzala. O meliante foi baleado pela polícia, os Capitães de Mato, exalando seu último suspiro de vida no ouvido de Tereza.
Nesse mundo de extrema violência, as referências à obra imortal de Gilberto Freyre ''Casa Grande'' e Senzala, desmentem a cordialidade das lutas de classe que se desenrolam nas terras deste Brasil. Os opressores e oprimidos estão em guerra constante, com mortes cruéis em ambos os lados. 

Refém deste pânico intenso, desenvolvido devido ao trauma do sequestro, a mulher, em um carro blindado, viaja com o marido à fazenda da família. Eles vão comemorar a venda do latifúndio improdutivo para uma rede de hotéis. O planejamento é de se construir um hotel fazenda, a despeito dos trabalhadores rurais que ali vivem há décadas e que precisarão abandonar suas casas. Os peões, porém, não aceitam a situação de bom grado e uma onda de violência sanguinária explode, o que se torna uma verdadeira luta de classes, cheia de reviravoltas e muitas mortes.

Créditos: Vitrine Filmes
Em território nacional, o filme passou por mais de cinco festivais de cinema, entre eles as últimas edições do Festival do Rio também pela Mostra SP.

Os atores do filme são magníficos, mas a atriz Malu Galli se destaca com uma interpretação magnífica. Mesmo fragilizada por seu medo paralisante, a personagem, ao mesmo tempo, é forte e inteligente, no seu afã de sobreviver aos seus antigos empregados, agora algozes. O carro blindado é seu único refúgio. Conseguir escapar da fazenda é a única chance de sobrevivência e Tereza faz de tudo para conseguir seu intento. Todos querem sobreviver e, para isso, todos vão matar!
Um paralelo fascinante a este filme é a obra Bacurau, do diretor premiado Kleber Mendonça Filho. Os oprimidos não são indefesos e os opressores vão sentir na pele toda a violência desta resistência. Essa “quebra de braço” eterna é a causa de várias guerras (por exemplo, israelenses e palestinos) e a característica principal das lutas de classe, que são o motor das conquistas humanas, desde os tempos primevos.
Propriedade é cinema político e de gênero. A narrativa não se explica, num enunciado tedioso de ideias, mas se expõe em sequências de muita ação e suspense. O trabalho da direção cria um ritmo alucinante de golpes e contragolpes, onde ninguém é inocente. Personagens, aparentemente indefesos, são capazes de atos terríveis para sobreviver e destruir o oponente.
A produção é o segundo lançamento da Sessão Vitrine Petrobrás, após o seu retorno efetivo, e conta com exibição em cinemas de todo o país por preços módicos. É a chance de assistir um filme nacional maravilhoso sem pesar no bolso. Daqueles de enervar qualquer um a partir da ótica de ''Casa Grande e Senzala ao contrário''. Nada de doçura, só violência!
Trailer

Ficha Técnica
Título Original e ano: Propriedade, 2022. Direção e Roteiro: Daniel Bandeira. Elenco: Malu Galli, Zuleika Ferreira, Tavinho Teixeira, Sandro Guerra, Roberta Lúcia, Amara Rita Magalhães, Marcílio Moraes, Nivaldo Nascimento, Clebia Sousa, Marília Souto, Chris Veras, Carlos Amorim, Anderson Cleber, Aruandhê Pereira, Andala Quituche, Natureza Rodrigues, Maria José Sales, Ângelo Fàbio, Ane Oliva, Samuel Santos, Edilson Silva, Erick Silva. Gênero: Thriller/Drama. Nacionalidade: Brasil. Direção de Fotografia: Pedro Sotero. Direção de Arte: Maira Mesquita. Figurino: Andréa Monteiro. Montagem: Matheus Farias. Maquiagem e Caracterização: Tayce Vale. Trilha Sonora Original: Caio Domingues, Nicolau Domingues. Som Direto: Lucas Caminha. Desenho de Som: Nicolau Domingues. Colorista: Pablo Nóbrega. Direção de Produção: Juliana Calles e Tiago Melo. Produtora: Símio Filmes, Vilarejo Filmes. Produção: Kika Latache, Livia de Melo. Distribuidora: Vitrine Filmes. Duração: 100 minutos
Nota: 8,5/10.

EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS!

A Menina Silenciosa, de Colm Bairéad | Assista nos Cinemas


Baseado no livro “Foster” de Claire Keegan,A Garota Silenciosa” é o primeiro filme em língua irlandesa a ser indicado ao Oscar para a categoria de melhor filme internacional. Certamente, o público entenderá o porquê desta indicação ao assisti-lo.

Falado em gaélico e inglês, a película tem roteiro e direção de Colm Bairéad. O elenco é encabeçado pela jovem estreante Catarina Clinch que dá um show de interpretação encarnando a pequena Cáit. Catarina entrega todas as nuances que uma personagem com tanto apelo psicológico pedia e o faz de maneira natural e espontânea. A jovem atriz conquista o público com seu olhar tímido e profundo e seu jeito inocente de encarar as adversidades da vida. Ao seu lado teremos Carrie Crowley, que vive Eibhlin e Andrew Bennet, interprete de personagem Seán, entre outros. Cáit é apenas mais um número entre os muitos filhos de um casal problemático e sem recursos financeiros, que sobrevive na zona rural da Irlanda nos anos 80. A mãe, grávida novamente, às vésperas de dar à luz, encontra-se cansada e sobrecarregada. O pai, típico macho grosseiro, insensível, só pensa em beber, jogar e procriar. Não há qualquer demonstração de carinho e afeto para com sua família.
Créditos: Imovision / Divulgação
O último lançamento oficial do filme nas telas é no Brasil. A película iniciou sua caminhada pelo mundo em Maio de 2022, tendo passado em fevereiro pelo Festival de Berlim e pelo Festival Irlandês de Cinema.

Cáit nitidamente apresenta questões psicológicas não resolvidas. Seu semblante é tristonho e apático, olhar distante, comportamento calado. Incontinência noturna e problemas de desenvolvimento escolar completam o quadro. A família decide passar o problema adiante, afastando a garotinha de casa por um período de tempo, até o novo bebê nascer. Ela é levada apenas com a roupa do corpo para a casa de um casal de meia idade e sem filhos. Tudo é muito novo e desconhecido para ela. Aos poucos, a menina silenciosa vai conhecendo uma nova dinâmica familiar, onde receberá atenção, carinho e cuidados básicos. Ela irá aprender a cooperar e ser valorizada.

Sua presença também irá despertar sentimentos adormecidos no casal adotivo, trazendo à tona sentimentos adormecidos e traumas do passado. Juntos irão trabalhar a dor da perda e o luto em todas as suas nuances. Eibhlin transfere para a pequena todo amor tão duramente encerrado em seu coração. Enquanto Seán procura manter-se distante como forma de defesa, mas aos poucos acaba sendo conquistado pela hóspede. Um vínculo que começa com um gesto singelo e um biscoito em um cena doce e comovente.

Trailer


Ficha Técnica
  • Título Original e Ano: An Cailín Ciúin. Direção: Colm Bairéad. Roteiro: Colm Bairéad - baseado no livro ''Foster'', de Claire Keegan. Elenco: Catherine Clinch, Carrie Crowley, Andrew Bennett, Michael Patric, Kate Nic Chonaonaigh, Joan Sheehy. Gênero: Drama. Nacionalidade: Irlanda. Direção de fotografia: Kate McCullough. Direção de arte: Neill Treacy. Edição: John Murphy. Trilha Sonora Original: Stephen Rennicks. Produção: Cleona Ni Chrualaoi. Distribuição: Imovision. Duração: 96 min. Classificação: 14 anos.

A trilha sonora traz uma curiosidade, o filme se passa em 1981 e a canção “Grace”, de Jim McCann, que toca no rádio só seria escrita em 1985. O cenário é belíssimo e consegue transmitir toda sensibilidade necessária a trama. O próprio ritmo da narrativa é lento e suave, propício para simbolizar a vida pacata do campo onde a rotina segue mais devagar.

Impossível não se envolver e verter algumas lágrimas. Ao final ainda fica a questão: o que o futuro reserva para aquela garotinha?

Um drama comovente e delicado, perfeito para essa época sensível do Natal. 

 EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS!

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

56º Edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro - 1º Dia de Mostra Competitiva Nacional


Título Original: Cidade by Motoboy
Direção: Mariana Vita
Ficção/São Paulo/2023/15min.
Não recomendado para menores de 10 anos

Numa noite comum em seu cotidiano como entregador de aplicativo no interior paulista, o motoboy interpretado por Jorge Neto enfrenta a hostilidade imprevisível do trânsito e da segregação social. Apenas o poder do afeto e do acolhimento podem aplacar as frustrações. A magia em meio ao caos.

                                                                      Créditos: Divulgação / 56º FBCB

O filme usa de tomadas over the shoulder e planos de drone para inserir o público no contexto de constante movimento e incerteza do personagem que representa a categoria, sempre no corre e sempre à mercê das políticas arbitrárias dos aplicativos às quais se sujeitam. Um dos destaques do curta é o caprichado trabalho de som, que traz camadas interessantes que alimentam o universo do personagem com o barulho habitual das ruas, mas também com um crescendo desorientador devido à pressão angustiante de sua profissão. Apesar de soar um tanto didático, Cidade by Motoboy é efetivo em abordar a temática a qual se propõe, simulando de forma sincera uma história tão representativa do Brasil atual.


Título Original: Pastrana
Direção: Gabriel Motta e Melissa Brogni
Documentário/Rio Grande do Sul/2023/15min.
Classificação indicativa: livre

Trailer


O curta co-dirigido por Gabriel Motta e Melissa Brogni homenageia a memória do skatista Alysson Pastrana, falecido aos 18 anos durante uma competição esportiva. Amiga pessoal de Pastrana, Brogni compartilha relatos e imagens de arquivo que contemplam a curta carreira do skatista promissor e o impacto que sua perda acarretou na vida de suas amizades. A escala pessoal e intimista dos desabafos se confronta com filmagens das manobras radicais realizadas por praticantes do esporte e pelo próprio atleta, além da impotência do luto ameaçando paralizar pessoas que têm como paixão justamente a velocidade e o perigo que vitimaram fatalmente seu amigo. Estética e sentimento coexistem em uníssono neste filme tão bonito e sensível.


No Céu da Pátria Nesse Instante
                                                 
                                                                                                         Créditos: Divulgação / 56º FBCB

O documentário de Sandra Kogut recapitula período recente da Política Brasileira, cobrindo desde o 1º turno da acirrada campanha eleitoral presidencial de 2022 até os infames ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. O diferencial do filme é mostrar tal recorte histórico através da perspectiva de pessoas comuns, como eleitores, mesários, cabos eleitorais e até vendedores de itens partidários, ainda que a obra ofereça algum espaço para registrar também um pouco do frisson da disputa eleitoral da campanha eleitoral estadual do Rio de Janeiro onde o então candidato Marcelo Freixo concorria ao cargo principal. 

Sem se preocupar em criar grandes firulas visuais, o doc opta por uma estética que preza pelo realismo ao inserir a câmera na vivência de seus personagens, mostrando em 1ª pessoa a inegável divisão do país no 2º turno das eleições, além da presença da religião em palanques eleitorais, do sentimento de paranóia de possíveis interferências políticas no processo eleitoral e do medo de ataques violentos por pessoas portando armas de fogo. Sem grandes intervenções gráficas ou narrações roteirizadas, ''No Céu da Pátria Nesse Instante'' consegue evitar a armadilha de se tornar uma reportagem jornalística de quase 2 horas de duração. 

Pôster

Ficha Técnica
Título original e ano: No Céu da Pátria Nesse Instante, 2023. Direção e roteiro: Sandra Kogut. Diretor assistente: Henrique Landulfo. Elenco: Adenilson Ferreira, Antonia Pellegrino, Edivan Santos, Estela Maria de Oliveira, Juliano Maderada, Milena Batista, Neli Belem, Osvaldo Pires e Rute Sardinha. Gênero: Documentário. Nacionalidade: Brasil. Trilha sonora: O Grivo. Som: Bruno Armelin. Montagem: Renata Baldi e Sandra Kogut. Produção Executiva: Desirée Portela. Direção de Produção: Ligia Turl. Produtores: Henrique Landulfo, João Roni e Sandra Kogut. Produção: Ocean Films, Marola Filmes, Kiwi Produções. Co-Produção:  Globo News, Globo Filmes e Canal Brasil. Distribuição: O2 Play Filmes. Duração: 105min.
Registro protocolar, porém bem ritmado, o longa acaba soando um tanto indeciso em sua conclusão, se encerrando com um tom animado e até debochado, aparentemente se recusando a dar o devido peso aos ataques à Praça dos Três Poderes. A escolha da diretora, contudo, parece ter funcionado: com bastante empolgação, o público presente na exibição no Cine Brasília cantou e aplaudiu junto do hit "Tá na Hora do Jair Já Ir Embora", tocado nos créditos finais e que dá sobrevida ao sentimento de alívio vivido por metade da população brasileira em 2022, público-alvo deste documentário.


SERVIÇO
56º FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO
Data: 9 a 16 de dezembro de 2023
Locais: Cine Brasília (106/107 Sul), Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul), Complexo Cultural de Planaltina, Complexo Cultural Samambaia, Hotel Hplus Vision e Auditório II do Museu Nacional da República.
Ingressos da Mostra Competitiva Nacional a R$ 20,00 e R$ 10,00, à venda na bilheteria do Cine Brasília a partir de duas horas antes de cada sessão. 
Ingressos da Mostra Competitiva Nacional no Complexo Cultural Samambaia tem entrada gratuita e retirada de ingresso uma hora antes da sessão.
Demais exibições com entrada franca.
Programação completa: festcinebrasilia.com.br

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

O Malvado: Horror no Natal, de Steven LaMorte


 “É melhor perdoar o Mal que se deixar levar por ele”… 

Nos Estados Unidos da América, dentre as múltiplas tradições invernais de final de ano, está a leitura do clássico infantil “Como o Grinch Roubou o Natal”, publicado em 1957 por Dr. Seuss, pseudônimo do cartunista Theodor Seuss Geisel [1904-1991]. Na trama, uma criatura peluda e esverdeada rouba a indumentária de Papai Noel e, por detestar esta comemoração, esforça-se por estragar completamente a mesma, até ser conquistado pela simpatia da garotinha Cindy. No livro, o desfecho é feliz. Será que isso ocorreria também numa versão assumidamente aterrorizante deste enredo? 

Sem poder citar diretamente esta referência, por questões de direitos autorais, o roteiro de “O Malvado: Horror no Natal” (2022, de Steven LaMorte) evita nomear o vilão titular. Mas utiliza diversos chistes para fazer com que o público reconheça os personagens literários, bem como o seu contexto de vivência. Inclusive, tal qual ocorre no livro, é adotada uma narração rimada, para demonstrar a superação de “Cindy Você-Sabe-Quem” (Krystle Martin), depois que ela testemunha o assassinato de ambos os pais pelo monstro peludo… 

Na primeira seqüência, apresentada como se fosse um ‘flahsback’, há uma emulação direta do livro em pauta, quando, ao tratar o visitante natalino inesperado com carinho, Cindy faz com que o seu coração triplique de tamanho e ele desista de sabotar as festividades alheias. A fim de validar os propósitos terroríficos deste novo enredo, o narrador apresenta uma outra ação, quando a mãe de Cindy (Tina Van Berk) adentra a sala aos berros e é atacada letalmente. Atemorizada, Cindy grita que a criatura é um monstro, afastando-a com olhar colérico. É o ponto de partida para que uma maldição se instale na cidade de Newville!

Passados muitos anos, Cindy é recomendada por seu psiquiatra para voltar à sua cidade-natal, que, agora, possui leis que impedem a colocação de pisca-piscas, presentes e enfeites de dezembro. Cindy e seu pai Lou (Flip Kobler) são intimados pelo jovem detetive Burke (Chase Mullins), pois há desenhos de renas em seu automóvel. Explicada a situação, Cindy demonstra-se atraída pelo rapaz, mas percebe que há algo muito diferente na região em que cresceu. Não será fácil lidar com os seus traumas de infância, portanto. 

Créditos: Divulgação / A2 Filmes
O longa tem assinatura da produtora norte-americana Sleight of Hand Productions

O fato de Lou e Cindy, no interior doméstico, desafiarem as leis locais, montando uma árvore de Natal, faz com que a criatura malévola (vivificada por David Howard Thornton) apareça novamente, assassinando o pai da protagonista, que é hospitalizada e desacreditada, quando insiste que quem cometeu o referido crime foi um ser peludo e verde. Para piorar, a prefeita da cidade (Amy Schumacher), ansiosa pela reeleição, fica irritada quando constata que os surtos reativos de Cindy estão prejudicando o turismo na região, famosa pela divulgação de trilhas montanhosas. Tem-se, aí, mais um reconhecível clichê pré-matança… 

Atraído pelas luzes e ruídos celebrativos, o monstrengo comete uma chacina numa lanchonete, onde estava havendo uma inesperada convenção de homens fantasiados de Papai Noel. O xerife da cidade (Erik Baker), mesmo a contragosto, passa a investigar essas mortes, temendo que os assassinatos ocorridos na época em que Cindy era criança voltem a acontecer. Por ser judeu, Burke talvez esteja protegido. Mas ele apaixona-se por Cindy e, como tal, a auxiliará a enfrentar o malvado do título, sobretudo depois que ouve o relato do alcoólatra Dr. Zeus (John Bigham), que perdeu a sua esposa em condições mui violentas, esquartejada pelo mesmo monstro verde que matou os pais de Cindy. Perceberam a referência nomenclatural?

Créditos: Divulgação / A2 Filmes
Um erro de continuidade bem óbvio que o filme apresenta é como a neve continua caindo e não se acumula nas roupas dos personagens, em carros ou até mesmo pelos espaços da cidade

Infelizmente, a maior parte dos motes tramáticos que tornam essa história minimamente entretenedora, enquanto sátira, não funcionam tanto para o público brasileiro, no sentido de que o Grinch é conhecido primordialmente por quem viu as versões cinematográficas sobre o personagem, a mais famosa delas dirigida por Ron Howard, em 2000, num interessante longa-metragem protagonizado por Jim Carrey. As seqüências de esfaqueamento, enforcamento e eletrocução são espalhafatosas, pouco convincentes e involuntariamente cômicas, bem como o rápido mas intenso treinamento de Cindy para tornar-se uma justiceira implacável. As justificativas para as situações fílmicas são deveras idiotizadas (vide a motivação para a raiva que a prefeita sente de Cindy, por exemplo), mas há algo de efetivamente divertido na inversão factual do desfecho: as rimas são bem inseridas e a possibilidade de final feliz é questionada, “ao menos, até o ano que vem”. Ou até que uma cabeça decepada seja encontrada por uma figurante, na embalagem de presente que ela recebe (risos)!

Trailer


Ficha Técnica
Título Original e Ano: The Mean One, 2022. Direção: Steven LaMorte. Roteiro: Steven LaMorte, Flip Kobler, Finn Kobler. Elenco: David Howard Thornton, Krystle Martin, Chase Mullins, John Bigham, Erik Baker, Flip Kobler, Amy Schumacher, Tina Van Berk, Saphina Chanadet. Gênero: Comédia,Terror. Nacionalidade: EUA. Trilha Sonora Original: Yael Benamour. Fotografia: Christopher Sheffield. Edição: Mathew Roscoe. Distribuição: A2 Filmes. Duração: 01h33min.
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A Linha, de Ursula Meier | Assista nos Cinemas

 

“Este é o primeiro Natal sem piano nesta casa. O amor nos ajudará a preencher o vazio”… 


Na abertura de “A Linha” (2022, de Ursula Meier), diversos objetos se espatifam numa parede, provavelmente atirados durante uma briga. Esta seqüência ocorre em câmera lenta, e notamos que muitos destes objetos correspondem ao universo musical, como LPs e partituras. Não escutamos os sons, mas sabemos que há muita animosidade entre os envolvidos. Até que o juiz interpretado por Jean Leclerc explica a situação-chave, à guisa de medida restritiva: a impulsiva Margaret (Stéphanie Blanchoud) está proibida de aproximar-se a menos de cem metros da residência de sua mãe, Christina (Valeria Bruni Tedeschi), em razão de tê-la estapeado. O pior: por causa da violência de sua filha, Christina perde a maior parte de sua audição!

O ponto de partida deste filme – co-escrito pela diretora e por sua protagonista, além de Antoine Jaccoud – é sobremaneira delicado, no sentido de que aborda o espancamento sofrido por uma mulher pelas mãos de sua própria filha, que parece não ter ocorrido pela primeira vez. Christina é uma mulher volúvel que, em sua juventude, fôra uma pianista bem-sucedida; Margaret, por sua vez, herdou este talento musical de sua mãe, mas, por causa de seu temperamento difícil, consegue ocupar-se apenas em atividades não registradas, o que talvez seja o motivo do desentendimento renitente entre as duas mulheres… 

Além de Margaret, Christina possui mais duas filhas: Louis (India Hair) possui “uma vida normal” e está grávida de gêmeas, enquanto a garotinha Marion (Elli Spagnolo), com apenas doze anos de idade, deseja ser cantora lírica, com forte tendência religiosa. Em razão das constantes brigas entre as suas familiares, ela volta-se cada vez para a adoração a Deus, agindo de uma maneira que, eventualmente, beira o fanatismo. Mas isso surge como sintoma de um problema comum a todas as mulheres da família: a histeria comportamental. 


Trailer



Ficha Técnica
Título Original e Ano: La Ligne, 2022. Direção: Ursula Meier. Roteiro: Ursula Meier, Stéphanie Blanchoud e Antoine Jaccoud - com colaborações de Robin Campillo e Nathalie Najem. Elenco: Stéphanie Blanchoud, Valeria Bruni Tedeschi, Elli Spagnolo, India Hair, Dali Benssalah, Benjamin Biolay, Eric Ruf, Thomas Wiesel, Gênero: Drama. Nacionalidade: Suiça, França e Bélgica. Trilha Sonora Original: Jean-François Assy, Benjamin Biolay e Stéphanie Blanchoud. Fotografia: Agnès Godard. Edição: Nelly Quettier. Distribuição: Imovision. Duração: 01h41min.

Não sabemos quem é o pai das filhas de Christine e, pela velocidade com que ela troca de amantes, isso talvez seja um dos motivos para explicar os conflitos que surgem entre elas: sobremaneira intensas em suas volições, elas discordam até mesmo em questões íntimas, como acerca da amamentação dos bebês. Serge (Eric Ruf), o namorado de Ruf que defende Christine dos tapas de Margaret, sai de casa após perceber o rancor instaurado entre elas. É quando a mãe apaixona-se repentinamente por Hervé (Dali Benssalah), que passa a morar com ela. E Marion, evidentemente, demonstra-se incomodada… 

A medida restritiva que impede Margaret de aproximar-se da casa de sua mãe dura três meses, mas como ela gosta muito de sua irmã mais nova, insiste em ajudá-la com suas aulas de canto. Entretanto, para impedir que Margaret tenha mais problemas com a Justiça, Marion pinta uma linha circundante, com tinta azul, em torno de sua residência, para delimitar o espaço no qual sua irmã pode se locomover. Isso causa alguma zombaria entre os coleguinhas de escola de Marion e, em reação, ela reza e canta com cada vez mais fervor. Haveria possibilidade de estas pessoas conseguirem se reconciliar? 


O longa recebeu cinco indicações ao total em Festivais Europeus. No ''Swiss Film Prize'', ganhou prêmio pelo roteiro assinado pelo trio  Ursula Meier, Stéphanie Blanchoud e Antoine Jaccoud .

Essa pergunta permeia o enredo de maneira ambígua, no sentido de Margaret é uma pessoa difícil de simpatizar, visto que ela é constantemente agressiva. Porém, ao percebermos que ela ama fervorosamente as suas irmãs, conseguimos nutrir empatia legítima em relação ao seu sofrimento. Impedida de alojar-se em sua casa, ela vive provisoriamente com um ex-namorado cantor, Julien (Benjamin Biolay), que consegue dirimir a sua resistência em voltar aos palcos. É quando descobrimos os talentos de Stéphanie Blanchoud: as canções intimistas que ela executa são belíssimas, inclusive por sintetizar os dramas que balizam o filme! 


Conduzido entre a histeria e o frenesi reativo, “A Linha” não desemboca numa perspectiva melodramática, mesmo quando as condições emocionais tornam isso quase inevitável (vide o contexto natalino, por exemplo): Christina tem ostensivas dificuldades em assumir o afeto que sente por suas três filhas, ainda que sinta orgulho por tudo que ensinou à elas. Não obstante brigar constantemente com Margaret, intuímos que esta seja a sua favorita, justamente por ter herdado os seus dotes musicais, que ela considera menosprezados, em razão da teimosia da rapariga. O desfecho do filme evita uma reconciliação previsível, prefere que continuemos imaginariamente o que acontece após o término do prazo restritivo que impede que Margaret visite a sua mãe. Em sua estranheza, portanto, este filme muitíssimo bem dirigido e interpretado nos conquista: quem não tiver uma família complicada, que quebre o primeiro CD!


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quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Uma Carta Para Papai Noel, de Gustavo Spolidoro | Assista nos Cinemas

 
“Apelemos para o TO-JUN-SO-FOR: Todos Juntos Somos Fortes!”

Quem conheceu o cineasta gaúcho Gustavo Spolidoro através de trabalhos como o curta-metragem “Outros” (2000), o longa-metragem em plano-seqüência único “Ainda Orangotangos” (2007) ou o semidocumentário “Morro do Céu” (2009) – todos eles interessantíssimos –, estranhará a sua propensão em dirigir um típico filme natalino, com todas as convenções genéricas deste subgênero hollywoodiano. Partindo de um argumento próprio, inspirado em uma situação familiar, ele consegue dotar essa trama simplista de uma inaudita simpatia. Ainda que os problemas eventualmente se sobressaiam, em relação aos acertos… 

Se as menções ao Rio Grande do Sul não fossem explícitas em mais de um momento, poder-se-ia dizer que “Uma Carta para Papai Noel” (2023) era um típico exemplar das produções norte-americanas que abundam em canais pagos de televisão, nos derradeiros meses do ano. Há problemas de ritmo e muitas firulas na construção dos personagens e acontecimentos, mas o diretor conseguiu dotar esta obra de um toque minimante pessoal, não obstante este não ser tão autoral quanto em seus exercícios directivos anteriores. 

Nesta sua caracterização brasileira, o mítico Papai Noel é interpretado pelo carismático José Rubens Chachá, e ele demonstra-se fatigado, após as tarefas executadas em dezembro. Ao lado de sua companheira Maria Noel (Totia Meireles), eles entregam presentes para todas as crianças do mundo, mas, por algum motivo, os moradores infantis de um lar de acolhimento reclamam que não recebem nada, há vários anos. E, a partir de determinado instante, eles investigarão o porquê disso.

O supracitado Lar de Acolhimento – na verdade, um orfanato – é regido pela austera Léia (Elisa Volpato), que, por algum motivo, não parece gostar do Natal. Ela justifica o fato de os garotos do orfanato não receberem presentes através do suposto mau comportamento dos mesmos, que, infelizmente, começam a acreditar nisso, o que intensifica a solidão e o abandono que eles experimentam. Até que o garotinho Jonas (Caetano Rostro Gomes) escreve uma carta para o Papai Noel, não apenas pedindo presentes, mas fazendo-lhe perguntas pessoais e demonstrando preocupação com o seu bem-estar, o que faz com que, imediatamente, o bom velhinho resolva perquirir em quais circunstâncias os presentes sumiram… 

Créditos: Divulgação / Pandora Filmes
O longa participou da 56० Edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro pela Mostra Paralela ''Outros Olhares''

Disfarçado de faz-tudo, Noel (agora rebatizado Leon) conta com o auxílio de sua assistente Tata (vivida pela competente mas histriônica Polly Marinho), e consegue penetrar o Lar do Acolhimento, mas sente-se vigiado por Léia, sempre que ele se aproxima de um quarto secreto, permanentemente fechado e cercado por placas, exigindo afastamento. Tudo indica, por extensão, que os presentes desaparecidos estão atrás dessas paredes, mas… Por quê? A resposta talvez esteja no caráter questionável do mantenedor do orfanato, o vilanaz Senhor Peabody (Adriano Basegio), situação que fica irrespondida até o desfecho, quando conhecemos os motivos da amargura de Léia.

Ao final, o filme consegue justificar de maneira graciosa a sua moral da história: “não existem crianças más, apenas situações ruins. Sempre temos a chance de consertar as coisas”. Há diversos problemas na sujeição do realizador a um enredo tão permeado por clichês e lacunas que prejudicam a lógica do “contrato” diegético: por mais que aceitemos as incompletudes do roteiro (aquilo que envolve o sumiço da cadela Amiga, por exemplo), as reações aos diálogos soam pouco credíveis, nalgumas oportunidades, sobretudo no que tange ao frenesi dos membros da UFA (União dos Famintos Ajudantes de Papai Noel) e aos pantins das crianças, que são mimadas, a despeito de suas condições de vida no orfanato (deveras privilegiadas, admitamos). 

Ostensivamente cinéfilo, o diretor destila várias homenagens a clássicos estadunidenses – em cenas-chave, ouvimos acordes que emulam trabalhos famosos de George Lucas ou Steven Spielberg – e conta com a animada trilha musical de Arthur de Faria e Fernanda Takai, sendo que esta última, além de compor a canção “Um Dia Especial”, também cantarola uma versão acústica de “Sobre o Tempo”, da banda Pato Fu, da qual é vocalista. No saldo geral, por mais que seja previsível em suas movimentações tramáticas, “Uma Carta para Papai Noel” conta com um humor inocente (vide a piada sobre o susto que quase faz Leon se “numerodoizar”) e com boas interpretações infantis (e caninas). Deve-se citar, neste sentido, a eloqüência da garotinha Lívia Borges Meinhardt, no papel da imperiosa Beca, em contraponto à inexpressividade de Theo Goulart, como o melindroso Cabeleira. Estando voltando para um nicho muito específico do mercado cinematográfico (reservado às crianças), este filme cumpre com habilidade os seus requisitos formulaicos!

Trailer

Ficha Técnica
Título original e ano: Uma Carta Para Papai Noel, 2023. Direção: Gustavo Spolidoro. Roteiro: Gibran Dipp e Gustavo Spolidoro. Elenco: José Rubens Chachá, Totia Meirelles, Polly Marinho, Elisa Volpatto, Caetano Rostro Gomes, Lívia Borges Meinhardt, Mariana Lopes, Cecilia Guedes, Theo Goulart Up. Preparação de Elenco: Adriano Basegio. Produção de Elenco Nacional: Andrea Imperatore. Gênero: Infantil, família. Nacionalidade: Brasil. Trilha Sonora: Arthur de Farias. Edição de Som e Mixagem e Mixagem: Kiko Ferraz, Ricardo Costa e Chrístian Vaisz. Direção de Fotografia: Bruno Polidoro. Direção de Arte: Tiago Retamal. Montagem: Pablo Riera. Supervisão de Efeitos Visuais: Pedro de Lima Marques. Produção: Aletéia Selonk. Produção Executiva: Aletéia Selonk, Graziella Ferst, Marlise Aúde e Gina O'Donnell. Direção de Produção: Tito Mateo. Distribuição: Pandora Filmes. Duração

EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS!