Diário de Uma Onça, de Fábio Nascimento, Mário Haberfeld & Joe Stevens

 
“Pros homens, minha história pode servir de exemplo de que a nossa vida importa”! 

Por mais aplaudíveis que sejam as motivações deste filme – enquanto publicidade audiovisual para a associação não-governamental Onçafari –, diversas contradições estilísticas e discursivas prejudicam a imersão do espectador, no sentido de que as intenções dos realizadores aderem a um exibicionismo que vai na contramão do que apregoa a personagem titular, fascinante em sua beleza animalesca. 

Um dos maiores problemas da obra está justamente no oportunismo midiático para a escolha da narradora Alanis Guillen, que interpretou uma mulher que se transforma em um felino na regravação da telenovela “Pantanal”, exibida pela TV Globo em 2022. Para quem não assistiu a esta produção, o sotaque forçosamente carregado da atriz dificulta a assunção da onça-pintada Leventina, enquanto narradora de sua própria vida. Mas esse é apenas o ponto de partida para um rol de inconsistências… 
No início, uma reportagem da própria TV Globo apresenta-nos a um resgate ocorrido quando o Pantanal mato-grossense estava inundado, em 2014. Graças às ações de uma equipe de veterinários e biólogos, algumas onças que estavam acossadas em galhos de árvores são cuidadas, até que possam ser reinseridas na natureza, sendo uma delas a avó da protagonista felina, batizada como Fera. Tendo a sua localização acompanhada graças a um colar eletrônico, os membros da Onçafari descobrem que Fera dá a luz à onça Ferinha, que tornar-se-á a mãe de Leventina, que passa por muitas dificuldades até aprender a sobreviver por si mesma. 

É quando se instaura uma segunda contradição dificultosa: a narração atribuída a Leventina declara que o maior oponente à sua configuração enquanto principal predador florestal é o progresso – sobretudo, relacionado à implantação de áreas pecuaristas nas cercanias do Pantanal –, mas não há nenhuma problematização acerca do consumo de carne bovina, além de vários elogios pragmáticos serem direcionados aos aparatos tecnológicos que permitem a localização das onças convertidas em personagens. Que “progresso” é esse que oprime e maltrata a fauna, mas traz outros benefícios aos seres humanos (e, por extensão, aos espectadores do filme)? 

Trailer


Ficha Técnica

  • Título original e ano: Diário de Uma Onça, 2023. DireçãoJoe Stevens, Fábio Nascimento e Mario Haberfeld. Roteiro: Bea Monteiro e Giuliano Cedroni. Argumento original: Bea Monteiro, Giuliano Cedroni, Monika Buhrke. Assistência de Roteiro: Amanda Moraes, Ana Herman, Luiz Filipe Noé e Luiza Aron. Com a voz deAlanis Guillen. Locução Guia: Bruna Pazinato. Com a participação de: Adalto de Souza Ferreira, Ailton Alves de Lara, Antonio Wendel Leite Ribeiro, Beatriz Araujo Couto, Beatriz Lopes Monteiro, Edu Fragoso, Emilio Santiago Correa da Silva, Fabio Souza da Silva, Joares Adenilson May jr, Laura Castro A. Gonçalves, Leonardo Rodrigues Sartorello, Lilian Elaine Rampim, Lucas Nascimento Morgado, Marcio Marques, Marcos Fernandes Arantes de Ávilam Mario Nelson Cleto Rodrigues, Marlon Marques Moreno, Mauricio Copetti, Pedro Henrique Reali Pozzi, Pedro Lima Luiz, Rodrigo Falcão Ventura, Rogerio Cunha de Paula. Gênero: Documentário. Nacionalidade: Brasil. Trilha Sonora Original: Binho Feffer. Direção de Produção: Carolina Ribas. Edição: Melissa Cunha. Montagem: Pedro Bronz. Direção de Produção: Carolina Ribas. Edição: Melissa Cunha. Produzido por: Mario Haberfeld, Paula Cosenza e Joe Stevens. Produção Executiva: Celso Loducca, Giuliano Cedroni, João Queiroz, Justine Otondo, Marcus Buaiz e Maurício Ramos. Produtores Executivos: Marina Pessoa e Priscila Santos. Disponível: Globoplay. Duração: 01h01min.

Em continuidade à falta de clareza desse tipo de questionamento, as frases de efeito direcionadas a Leventina parecem esvaziadas em sua generalidade, como quando é insistido que “todas as vidas são iguais”, no que tange à importância para o equilíbrio da natureza, mas os animais que servem como presa para as onças são reduzidos à mera condição de “carcaças”, não recebendo a mesma condição personalizada da protagonista. E, se formos observar cuidadosamente, a antropomorfização excessiva desta narração é contestável, visto que os instintos familiares dos mamíferos silvestres diferem bastante dos seres racionais que eventualmente se emocionam com os riscos enfrentados pelos filhotes: a seqüência em que é encontrada a patinha amputada de um deles é deveras triste!

Diário de Uma Onça é produzido pela WCP em coprodução com a Ventre Studio e o Globoplay.

Em sua curta duração (pouco mais de uma hora), o filme possui imagens magníficas da paisagem local e conta com a eficiente trilha musical de Binho Feffer. Porém, suas características conferem-lhe o aspecto de especial televisivo, e não de um longa-metragem cinematográfico. A montagem, por exemplo, poderia permitir que os planos durassem mais, e que Leventina fosse a legítima protagonista de sua história, ao invés do resgatador Edu. Seja como for, é uma produção esforçada, que cumpre o seu afã didático e não se furta a exibir cenas delicadas da vida natural (como o acasalamento das onças e a caçada às capivaras). Ao término, desejamos contribuir para organizações como a Onçafari, que, conforme vemos nas derradeiras imagens, está se reproduzindo em diversas cidades brasileiras. Sendo assim, a obra cumpre bem uma quota de mercado: que atinja o seu público, portanto! 

Ainda que o nome do filme seja “Diário de uma Onça” (2023, de Fábio Nascimento, Mário Haberfeld & Joe Stevens), as suas divagações – inspiradas em eventos reais – são terceirizadas pela sondagem recorrente dos biólogos que zelam por seu bem-estar. O abnegado trabalho de Edu Fragoso destaca-se positivamente, sendo inevitável a vontade de querer saber mais acerca de suas atividades, após a sessão. 


Escrito por Wesley Pereira de Castro

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