O Sequestro do Voo 375, de Marcus Baldini | Assista nos Cinemas


É fato que a História brasileira é cheia de causos e situações reais que beiram (e em alguns casos até ultrapassam) o absurdo. Nosso folclore midiático moderno é envolto por exemplos de especulação, com episódios que são trazidos à tona de tempos em tempos com um gostinho de familiaridade distante misturado com uma pitada de “isso não é verdade, é?”. Parte deste lore nacional foi revisitado nos últimos anos com o boom do True Crime na famigerada Cultura Pop, mas outras histórias menos apelativas e sanguinolentas ainda estão por aí aguardando serem relembradas pelo público. Um destes causos singulares, porém já semi-digeridos no imaginário coletivo pelo passar dos anos, tem elementos de política e conflito social, mas também manifesta uma escala muito humana de drama e tragédia.

O ano é 1988, a economia brasileira está em queda-livre durante o Plano Sarney. Desempregado e frustrado com a pobreza de sua realidade, Nonato (Jorge Paz) toma uma medida desesperada para protestar contra a situação econômica do país: a bordo do voo 375 da Vasp, ele anuncia o sequestro da aeronave com o intuito de derrubá-la sobre o Palácio do Planalto e matar o presidente. Sob a mira de um revólver e com o futuro da política brasileira e de dezenas de passageiros nas mãos, o Comandante Murilo (Danilo Grangheia) se vê obrigado a improvisar estratégias e manobras arriscadas a fim de frustrar o plano do sequestrador e pousar o avião em segurança. 

O Sequestro do Voo 375 se inicia com uma narração didática ilustrada por imagens de arquivo que contextualizam a situação do país à época da história, relembrando (ou apresentando) para o público o necessário para embarcar na trama e tirando do caminho a necessidade de incluir tais exposições dentro da dramatização do ocorrido, indo direto ao ponto. As escolhas do longa focam na construção da narrativa e apresentação dos personagens que seguimos na trama. Algumas mudanças pontuais na história são tomadas, ora pra simplificar e agilizar certas passagens, ora para aumentar o potencial dramático do filme. 

Trailer

Ficha Técnica
Título original e ano: O Sequestro do Voo 375, 2023. Direção: Marcus Baldini. Roteiro: Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque - supervisores de texto Rafael Leal e Laura Malim. Elenco: Danilo Grangheia, Jorge Paz, Roberta Gualda, Gabriel Godoy, César Mello, Juliana Alves, Wagner Santisteban, Arianne Botelho, Diego Montez, Claudio Jaborandy, Johnnas Oliva, Adriano Garib. Gênero: Ação, Drama, Biografia. Preparação de elenco: Emílio de Mello. Nacionalidade: Brasil. Diretor de Fotografia: Rhebling Jr.. Efeitos Especiais: Black House. Diretor de Arte: Rafael Ronconi. Figurino: Letícia Barbieri. Caracterização: Simone Batata. Trilha Original: Plínio Profeta. Som: Miriam Biderman. Montagem: Lucas Gonzaga e Gustavo Vasconcelos. Produção: Estúdio Escarlate. Produtora: Joana Henning. Coprodução: LTC Produções e Star Original Productions. Produtora Executiva: Paula Torres. Coprodutor: Constâncio Viana. Distribuição: Star Distribution. Duração: 01h47min.


O cineasta Marcus Baldini começou sua carreira na direção já adaptando para as telonas uma história real bem ousada em Bruna Surfistinha [2011]. Desde então, seu trabalho se resumiu a comédias para o Cinema (Uma Quase Dupla, é a predileta da editora, aliás) e episódios esporádicos de séries, tudo no campo do ficcional. Apenas em 2021 Baldini se reencontrou com tramas que bebem da realidade brasileira com a série O Rei da TV [STAR+], que retrata a vida e carreira do apresentador Silvio Santos. 
O trunfo de O Sequestro do Voo 375 reside em seu esmero técnico. O orçamento de cerca de 15 milhões de reais da produção (modesto comparado a blockbusters internacionais, mas bastante expressivo para o mercado brasileiro) é muito bem investido e distribuído em três pilares que sustentam a proposta do projeto: efeitos, ambientação e som. As cenas dependentes de computação gráfica são no geral bem competentes e convincentes, em especial combinadas aos excelentes efeitos práticos que colocam elenco e equipe (e consequentemente também o público) dentro de um Boeing real que gira e balança a fim de trazer veracidade às arriscadas e vertiginosas manobras simuladas no filme. O set era real; a tensão resultada da concepção audaciosa, também. A reconstituição da época consegue transportar o público para o período retratado, seja pelo enorme avião cuja fuselagem é ilustrada com o logotipo de uma empresa aérea falida há 15 anos, seja pelo figurino oitentista do elenco, seja pelos anúncios da revista Manchete vistos no aeroporto onde o filme se inicia. Por fim, o longa conquista o público também pelos ouvidos, com uma caprichada captação e mixagem de som, casando muito bem os constantes diálogos dos personagens com os sons que dão vida à tensão aérea e a atmosférica trilha sonora de Plínio Profeta. O sucesso da combinação destes eixos resulta em impressionantes cenas imersivas e de escala grandiosa que não costumam ser vistas no cinema brasileiro.

A produção fez parte da seleção da Mostra Brasil durante a última edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
As atuações protocolares, porém efetivas, servem à narrativa sem roubar os holofotes da tensão crescente vista em tela. Do elenco, destacam-se Jorge Paz como Nonato, representando com muita potência e vulnerabilidade a revolta coletiva e confusão de um país recém-saído de uma Ditadura Militar, e Danilo Grangheia como o piloto Murilo, que enfrenta com frieza e perícia a situação dramática que tem sob seu comando enquanto precisa lidar com o assassinato de seu amigo e copiloto, Salvador Evangelista (interpretado por César Mello, também muito bem no papel), única vítima fatal do atentado. Ótima surpresa do elenco é a atriz Roberta Gualda, como uma agente da Força Aérea responsável por negociar com o sequestrador.

Este ambicioso thriller à brasileira não chega a acertar em tudo que se arrisca, mas é bastante eficaz dentro de sua proposta, apresentando grande potencial para conquistar o público e (tomara) fazer com que outros casos reais da nossa História cheguem a parar na tela grande com tanta pompa e circunstância.


HOJE NOS CINEMAS

Escrito por Petterson Costa

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