Chama A Bebel, de Paulo Nascimento | Assista nos Cinemas


“Não dispomos de um planeta B: se não cuidarmos do lugar onde vivemos, poderemos ficar sem ter onde morar”!

Para que sejamos justos com a análise de algumas produções destinadas ao público infantil, é mister submetermo-nos a concessões “contratuais”, no sentido de que as tramas carecem de uma larga parcela de ingenuidade, a fim de parecerem atrativas para as crianças e pré-adolescentes. O problema é quando os roteiristas são inábeis em justificar esta ingenuidade, fazendo com que algumas reviravoltas permaneçam inverossímeis até mesmo para quem não sabe o que esta palavra significa…

É o caso deste filme, problemático inclusive em seu sobejo de boas intenções: na narração de abertura, a personagem-título, Bebel (interpretada por Giulia Benite, que, aos quinze anos de idade, é também produtora associada), explica que falará sobre o fato de ser cadeirante apenas naquele momento, enfatizando que este não é o tema do enredo. Demonstrando-se bastante independente e inteligente, Bebel precisa sair da cidade rural em que vive, pois não há escolas de Ensino Médio ali. Consegue uma bolsa de estudos num requintado colégio particular, mas precisa morar com uma tia rabugenta, Marieta (Flávia Garrafa), que não se dá bem com o filho Beto (Antônio Zeni).

Como Giulia Benite – famosa por interpretar a personagem principal das adaptações cinematográficas da “Turma da Mônica” – não é uma pessoa com deficiência, alguns críticos podem estabelecer objeções à sua caracterização, já que os diálogos sobre inclusão – algo que ela alega conhecer bem – são pronunciados como se fossem modismos, por mais que Bebel insista em explicitar o seu fascínio pela ativista sueca Greta Thunberg. E, dessa maneira, uma contradição elementar de várias posturas militantes é escancarada: a inassunção dos privilégios de classe.

Ainda que evite qualquer tendência à vitimização – o que também surge como problema, já que a extroversão da personagem é exacerbada –, Bebel só pode efetivar os seus planos de sustentabilidade porque goza de inúmeros benefícios. Por exemplo, sua mãe (Larissa Maciel) e seu avô (José Rubens Chachá) deslocam-se com facilidade do interior para a cidade em que ela está vivendo, mesmo que esta fique a duas horas de distância e eles precisem cuidar da lanchonete que gerenciam.

                                                                          Créditos: Divulgação / Paris Filmes / Accorde Filmes
O título do filme faz referência ao momento em que Bebel é chamada ao palco de um evento para ser humilhada, ao mesmo tempo que se reflete no seu ativismo transparente e a única a ter idéias para combater maus tratos e o pouco cuidado das grandes empresas com o meio ambiente


Em razão de estudar num colégio elitizado, o círculo de amizades e interações de Bebel limita-se a este ambiente luxuoso, não tendo contato com eventuais desfavorecidos, por mais que a filha do homem mais rico daquele local reitere, em público, que ela é caipira e pobre. Os diálogos, portanto, aderem a um deslumbramento que, por vezes, resvala na idiotia, sobretudo quando Bebel aproxima-se da esnobe Roxanne (Sofia Cordeiro), sendo evidente que esta última a odeia. O pretenso clímax vingativo oriundo desta aproximação chega a ser tolo, na pressa por denunciar o impacto destrutivo das notícias falsas, abundantes durante o período eleitoral recente. E, quando Marcos Breda aparece como vilão, notamos nas entrelinhas o seu esforço por emular características que permitam identificar a sua tendência ao bolsonarismo…

Por mais apressados que sejam os eventos e atividades heróicas dos adolescentes da turma de Bebel, as frases de efeito e as lições pró-sustentabilidade mantêm a nossa curiosidade em relação à narrativa, que envolve uma empresa de cosméticos que faz testes em cachorros de rua. Quando os animaizinhos dos colegas de Bebel são seqüestrados, a malevolência do dono da empresa – e financiador do colégio em que ela estuda, entre outras instituições – vem à tona. Mas ele não é punido: é provisoriamente desmascarado, mas revela para a câmera que não se arrependeu de seus atos e que pretende dar prolongamento a eles. A impunidade envolvendo os poderosos, no Brasil, infelizmente é uma realidade desagradável, que faz com que, ao menos neste aspecto, o desfecho do filme não seja inverossímil. Pelo contrário: os exemplos verídicos de experiências com reciclagem e extinção de experiências químicas com animais fazem com que as esperanças de “encontrar uma Bebel em todas as cidades” não sejam vãs. Oxalá o filme possa inspirar as crianças a levar atitudes similares à frente!

Em paralelo ao lançamento de “Chama a Bebel” (2024, de Paulo Nascimento) nos cinemas, chega às lojas especializadas um livro homônimo, adaptado pelo diretor, a partir de seu próprio roteiro. Mais uma vez, as concessões são indispensáveis para se apreciar esse tipo de estória, em que os personagens de bom coração possuem uma abnegação inextinguível e as pessoas ressentidas demonstram-se irremediáveis. É um filme crente na transformação social, mas não necessariamente nas conversões de caráter, não permitidas pelo capitalismo, conforme ressaltado por mais de um personagem corporativo. Os problemas são abundantes, mas há algo de gracioso em seus clichês motivacionais. Na pior das hipóteses, é um consolo!

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Ficha Técnica
Título original e ano: Chama A Bebel, 2023. Direção e Roteiro: Paulo Nascimento. Elenco: Giulia Benite, Pedro Motta, Sofia Cordeiro, Antônio Zeni, Gustavo Coelho, Flor Gil, José Rubens Chachá, Flavia Garrafa, Larissa Maciel, Evandro Soldatelli, Marcos Breda, Bele Rezzadori, Laura Souza, Luisa Sayuri e Rafa Muller. Gênero: Aventura, Familia. Nacionalidade: Brasil. Direção de Fotografia: Renato Falcão. Direção de Arte: Eduardo Antunes. Direção de Arte Assistente: Cristobal Alvarez. Figurino: Carol Scortegagna. Caracterização: Val Oliveira. Edição de Som: Marcelo Armani, Walther Neto. Montagem: Marcio Papel. Produção Executiva: Marilaine Castro da Costa, Flavio Barboza. Produtores Associados: Giulia Benite. Produção: Accorde Filmes. Distribuição: Paris Filmes. Duração: 01h35min.
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Escrito por Wesley Pereira de Castro

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