Moneyboys, de C. B. Yi | Assista nos Cinemas


 “O povo da cidade pensa muito diferente do povo da aldeia”… 

Os fãs do cinema asiático ficaram recentemente aturdidos com a notícia de que, em razão do prolongamento de uma demência, o cineasta Hou Hsiao-Hsien precisará abandonar as suas atividades cinematográficas. Se, em âmbito pessoal, a notícia é tristíssima, em verve espectatorial, há ao menos um consolo: ele treinou com excelência a geração de diretores que o seguiu. Basta conferir o magnífico trabalho do taiwanês C. B. Yi e seu ótimo “Moneyboys” (2021): logo no começo, encontramos Liang Fei (Kai Ko), recém-chegado à cidade grande, ainda acostumando-se à idéia que tornar-se-á garoto de programa. É convidado para participar de uma relação sexual a três, por um prostituto mais experiente, por quem se apaixona. Encantando pela beleza física e desenvoltura de Xiaolai (J. C. Lin), Fei fica obcecado por ele e é correspondido. Saem juntos, muitas vezes, e, pouco a pouco, ele começa a se soltar – sendo um karaokê definitivo para tal. Um ato de violência extrema interromperá este idílio… 


Surge o crédito titular. Cinco anos depois, Fei já está consolidado como garoto de programa, enquanto Xiaolai despareceu. Há boatos de que ele tenha ficado manco, mas Fei não está disposto a confirmar. Prefere seguir o seu itinerário de atividades eróticas remuneradas, a fim de juntar dinheiro para auxiliar a sua família, que mora no interior. Amargurado, ele costuma repetir que “a vida é só comer, beber, cagar, dormir e conseguir dinheiro”. Mas talvez isso seja questionado com a chegada de um protegido… 

Os enquadramentos mui elaborados deste filme evocam os grandes títulos da Nouvelle Vague Taiwanesa, sendo vários os momentos em que metaenquadramentos enfatizam o deslocamento que Fei sente em relação ao mundo promíscuo que freqüenta: espelhos, divisões internas nos cômodos e janelas servem como metáforas imagéticas para a confirmação desta impressão de despertencimento, seja quando Fei se recusa a gozar, imediatamente, durante uma relação sexual, seja quando a polícia invade o seu apartamento, acusando-o de tráfico de drogas. E isso pode ser aplicado aos diversos instantes em que a câmera segue o protagonista por vielas ou escadarias apetradas… 


Nas seqüências passadas em sua aldeia natal, as brigas com parentes irrompem em meio a conversas inicialmente brandas, de modo que posicionamentos exordiais dos atores são radicalmente modificados, enquanto os enquadramentos são mantidos, em planos tão longos e fascinantes quanto aqueles de “A Cidade das Tristezas” (1989) ou “Adeus ao Sul” (1996), ambos de Hou Hsiao-Hsien. A homenagem é evidente, e a direção é maravilhosa! 

                                                        Créditos: KGP Filmproduktion, Zorba. Flash Foward Entertainment e Panache
Moneyboys é uma co-produção entre Taiwan, Austria, França e Bélgica e circulou em mais de vinte festivais de cinema ao redor do globo. Entre eles, o Festival de Cannes, em 2021.

Após ser confrontado por um de seus tios, que suspeita das conseqüências pervertidas de sua solteirice temporã, Fei encontra um amigo de infância, que resolve nadar ao seu lado. Alguns meses depois, este rapaz, Long (Yufan Bai), também migrará para a cidade, e interessar-se-á pela maneira “fácil” como Fei consegue obter dinheiro. Arredio e tímido, Long parece inapto a deixar aflorar as suas tendências homossexuais e fazer sexo com outros homens por dinheiro. E, para piorar, ele demonstra-se apaixonado por Fei. Será que há possibilidade de seu amigo ressentido retribuir a este amor? 


Tudo isso ocorre numa narrativa sobremaneira elíptica, em que, da mesma maneira que caracteriza os filmes supracitados, interessa muito mais a maneira de contar que o que está sendo efetivamente contado. O requinte estilístico deste filme é impressionante, evocando também as produções de Edward Yang [1947-2007], sobretudo na cerimônia matrimonial, beberrã, em que um valorizado garoto de programa aceita casar-se com uma mulher, de maneira interesseira, para apaziguar a sua família, que não concorda com as suas práticas comportamentais. É a deixa para que Fei reencontre Xiaolai, e fique em dúvida acerca de como reagirá à sua nova vida, agora que é emotivamente perseguido por Long… 


O enfoque realista de MONEYBOYS parece com tantos outros, em verdade. Mais uma vez, o grande diferencial está na maneira como C. B. Yi desenvolve os seus personagens, monta os seus encontros e desencontros, fascina-nos através de contagiantes entregas musicais: em mais de um momento, quando os personagens estão desanimados, é numa boate que eles recuperarão a verve lúbrica exigida pelo trabalho que executam. Um trabalho infelizmente criminalizado, incompreendido e perseguido até mesmo por quem se beneficia dele. Por isso, a angústia e os arrependimentos afligem tanto Fei, em sua intimidade, a ponto de ele, às vezes, queimar dinheiro, com a intenção espiritual de destinar as cédulas queimadas à sua falecida mãe, “para que ela possa usar onde quer que esteja”. É isso o que importa, em verdade? Long deseja uma casa com piscina e um quintal. Temos direito de aguardar um final feliz, numa trama como esta? Eis o segredo: o que acontece é puro fluxo. Basta aceitar! 


Trailer


Ficha Técnica
Título original e ano: Moneyboys, 2021. Direção e Roteiro: C.B. Yi. Roteiro: C.B. Yi. Elenco: Kai Ko, Chloe Maayan, Yufan Bai, J.C. Lin, Qiheng Sun, Yan-Ze Lu, Daphne Low, Mu Chen, Teng-Hui Huang, I-Hsiung Lin. Gênero: Drama. Nacionalidade: Áustria, França, Bélgica,Taiwan. Trilha Sonora Original: Yun Xie-Loussignan. Direção de Fotografia: Jean-Louis Vialard. Montagem: Dieter Pichler. Produção: Gabriele Kranzelbinder, André Logie, Barbara Pichler, Guillaume de la Boulaye. Distribuição: Pandora Filmes. Duração: 120 minutos. Classificação Indicativa: 16 anos.
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Escrito por Wesley Pereira de Castro

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