Alex Garland é um roteirista fantástico. À sua filmografia já somam-se mais de quinze trabalhos e muitos deles têm amplo significado cinematográfico e diria ainda, filosófico. Dirigiu e produziu quatro destes filmes, entre eles, ''Ex-Machina'' (2014), ''Aniquilação'' (2018), ''Men'' (2022) e agora o corpulento ''Guerra Civil'', estrelado por Kirsten Dunst, Cailee Spaeny e ator brasileiro Wagner Moura. Garland adentra a distopia novamente e traz o futuro caótico vivido por estado-unidenses e imigrantes onde o governo está contra o seu povo e o seu povo está contra si mesmo em uma luta armada viabilizada pelo embate de ideologias, questões culturais e religiosas, entre outros. Neste intenso fogo cruzado e de muita polarização, a trama escolhe focar no papel de jornalistas que cobrem os conflitos civis e como estes colocam em risco não só a saúde física, mas mental, estando diariamente de frente com o perigo. A produção, que custou cerca de $50 milhões, têm assinatura da A24 com a DNA Films em associação a IPR.VC e chega aos cinemas 163 anos depois do real ocorrido de guerra em solo norte-americano que ficou conhecido como ''Guerra da Secessão''.
O enredo é daqueles cheios de camadas e nenhuma delas é rasa. Pelo contrário, o realizador instiga visualmente a sua audiência a se localizar na história e tomar rumos chocantes com personagens cheios de dilemas e muito a entregar. Ao passo que os jornais exibem os conflitos demarcados por toda a terra do Tio Sam e um governo fascista está tirando a vida de inocentes a qualquer custo, conhecemos a Fotógrafa Lee, vivida por Kirsten Dunst, ajudando uma jovem colega de profissão, Jessie, papel de Cailee Spaeny (Priscilla, 2023), quando esta última toma uma porretada no rosto ao tentar fotografar os conflitos de muito perto. Lee está acompanhada do jornalista e amigo Joel, interpretado por Wagner Moura, e juntos a dupla tenta se manter ativa e buscar os principais detalhes de tudo a volta deles. Percebendo cada vez mais que os enfrentamentos estão por um fio de derrubar a maior voz do pais, o presidente (Nick Offerman), decidem traçar um plano de ir a Washington D.C. em um trajeto de carro muito perigoso, visto que precisam passar por zonas de conflitos tomadas por rebeldes fascistas ou soldados altamente armados e sem escrúpulos. A idéia do duo chega aos ouvidos do renomado Sammy, papel de Stephen McKinley Henderson, voz importante no New York Times, e este pede aos dois para aderir a aventura de alto risco. Além dele, Jessie acaba também entrando no embalo e se juntando ao grupo, ainda que contra a vontade de Lee.
A partida rumo a casa branca não é nada fácil e o quarteto é assombrado por tiroteios no meio da estrada, em prédios abandonados, na busca por gasolina e até em encontros com outros colegas de profissão. O ideal armamentista do país e o ''american way of life'' é visto de forma extrema durante a viagem, a ponto, aliás, do grupo presenciar mortes e mais mortes, inclusive, dos próprios colegas. Em paralelo, assiste-se a fotojornalista mais velha e arrebentada das muitas coberturas de guerra se tornar empática com o crescimento da colega em inicio de carreira, ainda que muito crítica a escolha desta última por seguir este caminho tão conturbado. A camaradagem meio a tempos obscuros ultrapassa o necessário e torna estes guerreiros midiáticos muito protetivos um do outro, até mesmo quando não se sabe quem sairá vivo e/ou quem conseguirá ter a melhor foto do confronto ou a sonhada entrevista com a maior autoridade da nação.
Créditos: A24, DNA FILMS, IPR.VC | Diamond Films Brasil
Guerra Civil foi rodado entre maio e junho de 2022 em Atlanta e Pensilvânia, nos Estados Unidos, e também nos famosos estúdios londrinos.
Em um mundo contemporâneo onde uma das maiores nações do mundo auxilia conflitos armados acontecerem em outro continentes de forma que seus interesses políticos e econômicos ditam as relações dos ''atores internacionais'', é demasiado intrigante se assistir ''uma guerra civil'' perturbar a sociedade norte-americana. A polarização de ideologias e questões diversas que vem ocorrendo em todo o globo chega ao seu ápice no roteiro apresentando por Garland e performa a extremidade das lutas armadas e o impacto reflexivo que tais conflitos podem causar a sociedade como um todo. Jornalistas cansados e frustrados de um horror dilacerante que assistem e precisam evidenciar a população apenas com energia de seguir em frente. O medo é tão grande quanto a vontade de estar ali presenciando o caos odioso dos embates. Prosseguindo com um trabalho que leve informação e denuncie táticas covardes e torturas locais. Ainda que choque, o foco voltado a mídia, traz esse nosso olhar para o próprio umbigo, pois no dia a dia passamos por situações que muitas vezes nos deixam paralisados e refletir para o que pode ser feito nos atordoa e desgasta mentalmente.
Garland que já escreveu distopias (o livro A Praia, publicado no Brasil em 1999, é de sua autoria e deu origem ao filme com Leonardo DiCaprio) e tem inúmeros roteiros que repensam o futuro (Não Me Abandone Jamais, 2010), sempre presenteia o espectador com temáticas relevantes e que o fazem pensar. Seu trabalho em Guerra Civil é magnânimo e joga um ótimo filme nas telonas fora das grandes temporadas como o verão ou a época das premiações. O longa ganha uma edição sem firulas e que se garante por não se enrolar. Sua direção de arte é impecável e dá luz a um palco de guerra horroroso e altamente surreal. A trilha sonora não se afugenta e tem momentos pop's e de muita tensão. A fotografia ganha um ar mais documental, ainda que a película não seja deste gênero. As cores mais pálidas e sólidas estão nos personagens atordoados pelos ocorridos enquanto os que guerreiam se vestem de sangue.
Wagner Moura tem um papel central e importantíssimo na história. O ator que tem um ativismo político evidente, desde sempre, se mostra aqui muito centrado no papel de um jornalista que vai a linha de frente. Mantêm seus aliados, tem seus momentos de descontração, mas também fica enraivecido dos ataques decorrentes. Kirsten Dunst está estupenda no que diz respeito ''ao cansaço de tudo''. A caracterização e o posicionamento frente as câmeras nos exibe uma atriz forte e certeira no que quer passar - ainda que esta tenha sentido o baque das gravações e revelado em entrevistas que precisou de um tempo para aliviar as dores da personagem. Cailee Spaeny tem sido escalada para ótimos papéis e aqui tem mais um destaque fervoroso, logo depois de ter vivido o bibelô de Elvis Presley em ''Priscila'', de Sofia Coppola. Sua Jessie chega inexperiente e talentosa, mas vai se moldando e ficando mais esperta. Ao final, faz o que ela mesmo questiona. Stephen McKinley Henderson e Nelson Lee vivem dois jornalistas queridos pelo trio e suas jornadas em tela são reflexivas ao passo que um soldado patriota não está para papo com imigrantes ou jornalistas mais velhos. As cenas em que estes acabam sendo abatidos são de extrema emoção e frustação.
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Ficha Técnica
Título Original e Ano: Civil War, 2024. Direção e Roteiro: Alex Garland. Elenco: Wagner Moura, Kirsten Dunst, Cailee Spaeny, Stephen McKinley Henderson, Jesse Plemons, Nick Offerman, Jefferson White, Nelson Lee, Greg Hill, Vince Pisani, Justin James Boykin, Edmund Donovan, Jesse Matney, Evan Lai, Tim James. Gênero: Ação, Thriller. Nacionalidade: Reino Unido e EUA. Trilha Sonora Original: Geoff Barrow e Ben Salisbury. Fotografia: Rob Hardy. Edição: Jake Roberts. Figurino: Meghan Karpelik. Direção de Arte: Mark Dillon e Jason Vigdor. Produção: A24, DNA Films e IPR.VC. Distribuição: Diamond Films Brasil. Duração: 01h42min.
Guerra Civil causou um ótimo impacto na bilheteria norte-americana em sua estreia (25 milhões arrecadados) e tem de tudo para fazer o mesmo ao redor do mundo. Talvez cause também muito estrago na cabeça de quem se diz ser ''cidadão de bem, religioso e anti-debates progressistas''.
Avaliação: Cinco tiros no alvo (5/5).
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