Ao registrar, por quinze anos – mais precisamente, de 2007 a 2022 –, as diversas fases do relacionamento entre o garoto autista Lorenzo Barreto e a musicoterapeuta Clarisse Prestes, esposa do realizador, o diretor mostra-se também diante da câmera, reassumindo os seus dotes como músico e compositor. Como tal, o pronome contido no título do filme demonstra que a obra é tangencialmente sobre ele.
Convencional em sua abertura, quando encontramos o personagem-título num palco, prestes a executar um concerto, pensamos de imediato em “Shine – Brilhante” (1996, de Scott Hicks), visto que o protagonista também superou um transtorno psicológico através das aptidões musicais. Entretanto, passadas as apresentações dos personagens reais, a montagem francamente não-linear detém-se por mais de uma hora no relacionamento entre o diretor e o garoto. Até que, no desfecho, volta-se para a situação inicial, numa apresentação deveras emocionante!
Depois que o pai de Lorenzo comenta que, quando ele era um bebê, a única maneira de fazê-lo parar de chorar era reproduzindo um CD com músicas indianas, sua mãe, em conjunção com uma amiga que também possui um filho autista, decide matriculá-lo num turma individual de musicoterapia. É quando ele desenvolve uma eficaz comunicação através dos instrumentos musicais e das letras de algumas canções…
Carismático e talentoso, acompanhamos o crescimento e o desenvolvimento de Lorenzo através da edição de imagens levada a cabo pelo próprio diretor. E esta não segue uma ordem preestabelecida: o garoto é mostrado na infância, na adolescência e no começo da idade adulta de maneira quase aleatória, circular, às vezes em velocidade acelerada e, na maior parte das interações, confundindo-se com a cadência das canções que ele e André executam através de vários instrumentos musicais. Inclusive recebendo visitas célebres, como a de Moraes Moreira [1947-2020] e de Gilberto Gil, cujas composições são algumas das favoritas da dupla!
Ao longo de uma hora e trinta e cinco minutos, verificamos a eficácia da metodologia musicoterapêutica, testemunhamos o prolongamento de uma amizade inaudita e notamos o envelhecimento de um grande artista, que, em sua maturidade, opta por imersões cinematográficas radicalmente distintas de sua juventude: no filme, André Luiz Oliveira apresenta-se (e é apresentado) muito mais como músico que como cineasta, não sendo casual que, numa das gravações em que Lorenzo assume a função de locutor, ele pergunte: “tu queres filmar ou vai tocar?”. Na prática, opta-se por ambos.
Se, por vezes, o documentário parece investir numa única nota (os momentos em que André e Lorenzo tocam juntos), isso possui uma importante função interna na terapia, visto que a detecção de acordes encetados persistentemente por Lorenzo permite que uma canção autoral seja extraída dessa tendência repetitiva, utilizada como aporte comunicacional – justamente aquela que nos emociona quando cantarolada por Lorenzo, nos créditos finais. Foi graças a esta composição que ele pôde dizer “oi” e “eu estou aqui”, o que a torna mui significativa. Para quem lida pessoalmente com algum familiar ou conhecido autista, o filme é obrigatório; para quem não desfrutou desta oportunidade, trata-se da reinvenção de um artista que merece ser ainda mais valorizado pelos cinéfilos brasileiros. Um título simpático e acalentador, portanto.
Título Original e Ano: Meu Amigo Lorenzo, 2024. Direção e Roteiro: André Luiz Oliveira. Com André Luiz Oliveira, Clarice Prestes e Lorenzo Barreto, Ana. Gênero: Documentário. Nacionalidade: Brasil. Sem Distribuidor. Produção: Carina Bini. Duração: 01h36min. Classificação Livre.
São Paulo: 15h20 - Estaço Itaú de Cinema, Frei Caneca;
Porto Alegre: 15h50 - Espaço Itaú de Cinema, Bourbon;
Rio de Janeiro: Espaço Itáu de Cinema Botafogo (Horário das sessões regulares a confirmar)
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