“Eles não vão olhar para mim e pensar em tomar Sprite”!
Quando, nos créditos finais, descobrimos que Ari Aster foi um dos produtores de “O Homem dos Sonhos” (2023, de Kristoffer Borgli), faz completo sentido: há diversos pontos de contato entre este filme e o incompreendido “Beau Tem Medo” (2023). A diferença é que, se este último investe explicitamente na imersão psicanalítica, o primeiro não define adequadamente o seu tom cômico, redundando num pasticho pouco expressivo dos roteiros que costumam ser escritos pelo genial Charlie Kaufman…
Aproveitando a mesma verve hiperexpositiva que Nicolas Cage já demonstrara em “O Peso do Talento” (2022, de Tom Gormican), “O Homem dos Sonhos”, conforme o título brasileiro escancara, conta a estória de Paul Matthews, um professor de Biologia que, repentinamente, passa a aparecer nos sonhos de inúmeras pessoas. No início, tal qual anunciado por uma de suas filhas, ele é uma figura passiva que observa situações periculosas envolvendo aqueles que estão a sonhar, sem se dispor a ajudá-las. Pouco a pouco, entretanto, Paul converter-se-á num estuprador e/ou agressor onírico. O que desencadeará reações injustas por parte de uma leva de individuos.
Utilizando cacoetes neogeracionais – exemplos: a “cultura do cancelamento”, a necessidade de pesquisar no Google quem é Freddy Krueger e a tendência hipertraumática da juventude – enquanto motes enredísticos, este filme brinca com uma tendência crescente da publicidade, que é a assimilação da bizarrice como algo vendável. Por isso, em determinado momento, o protagonista é convidado para ser garoto-propaganda de uma marca de refrigerante. Por motivos éticos, ele declina. Mas seus problemas e dilemas estão apenas começando!
Não obstante, o homem possui doutorado e trabalha como professor titular de uma universidade há mais de vinte anos. Paul é inseguro e não muito querido pelos alunos. Para piorar, uma de suas pesquisas, envolvendo a inteligência das formigas, foi plagiada por uma ex-colega de faculdade, que o encontra casualmente e também declara que está sonhando com ele. Como tal, é fácil compreender o porquê da presença inane do personagem no subconsciente dos familiares e companheiros de trabalho. Quando pessoas que ele sequer conhece passam a sonhar com o dito cujo é que a situação se complica!
Créditos: A24 e Square Peg
O centésimo filme de Nicolas Cage foi rodado no Canadá e tem inspiração no longa ''Adaptação'' (2002), o qual também é protagonista. O convite para estrelar ''O Homem dos Sonhos'', aliás, partiu do diretor Ari Aster, que aparece aqui como produtor. Cage já confirmou em diversas entrevistas que gostaria de trabalhar com Aster em alguma produção.
Nalguns aspectos, o filme reaproveita idéias que foram abordadas, sob as convenções do suspense, em “A Morte nos Sonhos” (1984, de Joseph Ruben), como quando é cogitado que Paul pudesse penetrar os sonhos do ex-presidente Barack Obama ou quando surgem os influenciadores digitais contratados para vender produtos enquanto os consumidores dormem. Os interesses do realizador e roteirista norueguês, entretanto, são mais “alternativos”, ao menos no que diz respeito ao que podemos identificar como uma espécie de etiqueta conteudística da produtora A24.
A montagem do filme emula a confusão situacional associada aos sonhos ou pesadelos, de maneira que há cortes rápidos (‘jump cuts’) e elipses. Porém, nos instantes em que os atores podem delinear os seus talentos dramáticos, em cenas mais demoradas, a trama fica interessante e afetiva, como na seqüência em que a esposa de Paul, Janet (Julianne Nicholson) passeia com ele, que veste o terno agigantado utilizado pelo cantor David Byrne em concertos. A execução de “City of Dreams”, da banda Talking Heads, no desfecho, coroa uma benfazeja homenagem ao poder transformador dos sonhos. Para além da melancolia irrevogável das situações progressivamente aflitivas que atormentam o protagonista…
Trailer
Ficha Técnica
Título Original e Ano: Dreamscenario, 2023. Direção e Roteiro: Kristoffer Borgli. Elenco: Nicolas Cage, Julianne Nicholson, Michael Cera, Tim Meadows, Dylan Gelula, Dylan Baker. Gênero: comédia, terror. Nacionalidade: Eua. Trilha Sonora Original: Owen Pallett. Direção de Fotografia: Benjamin Loeb. Desenho de Produção: Zosia Mackenzie. Montagem: Kristoffer Borgli. Produção: Ari Aster, Tyler Campellone, Jacob Jaffke, Lars Knudsen. Distribuidora: Califórnia Filmes. Duração: 102 min.
Nicolas Cage consegue transmitir as nuanças emocionais de seu personagem de maneira elogiável, transitando entre o intencionalmente ridículo e o merecimento de piedade, incluindo uma situação hilária, em que, ao ser seduzido por uma jovem que alegara ter sonhos eróticos com ele, Paul não consegue reter uma ejaculação precoce nem uma crise de flatulências. Envergonhado, ele tenta justificar isso através do elogio às condições fisiológicas que ministra em sala de aula, fazendo com que nós simpatizemos com o desamparo de seu personagem. Não o suficiente para que desejemos sonhar com ele após a sessão, claro!
O filme chegou a ter sessões com horários de pré-estreias no último fim de semana e chega oficialmente hoje aos cinemas de todo o Brasil.
HOJE NOS CINEMAS!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Pode falar. Nós retribuímos os comentários e respondemos qualquer dúvida. :)