Em defesa da produção, constatamos que esse constrangimento, evidente em diversos momentos, é um componente essencial do roteiro, inclusive na diegese: é como se o diretor, advindo de uma conjuntura mais experimental de abordagem cinematográfica, se sentisse, ele próprio, mui desconfortável ao narrar uma trama tão linear e convencional, atravessada por valores institucionais retrógrados, não obstante eles serem justificados pela inspiração biográfica em pauta.
Outrora conhecido por suas atividades no coletivo Alumbramento e pela colaboração com o diretor Guto Parente, que rendeu o excelente “Inferninho” (2018), Pedro Diógenes lançou-se na direção ‘solo’ com um trabalho extraordinário, o semidocumental “Pajeú” (2020). Neste novo longa-metragem, “A Filha do Palhaço” (2022), baseado em um argumento de sua autoria, o realizador cearense abre espaço para uma reflexão paralela sobre as diversas atuações que exercemos em nosso cotidiano: além de cumprir o papel repentino de pai, o protagonista precisa atuar em múltiplas instâncias, seja nas suas lembranças de juventude como intérprete teatral, seja na sua ocupação de sobrevivência enquanto humorista de ‘stand-up’…
Ficha Técnica
- Título Original e Ano: A Filha do Palhaço, 2022. Direção: Pedro Diogenes. Roteiro: Amanda Pontes, Michelline Helena, Pedro Diogenes. Elenco: Lis Sutter, Demick Lopes, Jesuíta Barbora, Jupyra Carvalho, Ana Luiza Rios, Valéria Vitoriano, Patrícia Dawson, Luiza Nobel, David Santos, Rafael Martins, Mateus Honori, Vic Servente, Jennifer Joingley, Patricia Nassi. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil. Trilha sonora original: Cozilos Vitor, João Victor Barroso. Som direto, edição de som e mixagem: Lucas Coelho. Colorista: Pedro Dulci. Direção de fotografia: Victor de Melo. Direção de arte: Thaís de Campos. Figurino: Lia Damasceno. Som direto, edição de som e mixagem: Lucas Coelho. Montagem: Victor Costa Lopes. Empresa produtora: Marrevolto Filmes. Produtora associada: Pique-Bandeira Filmes. Produção executiva: Amanda Pontes, Caroline Louise. Distribuição: Embaúba Filmes. Duração: 104min.
Conforme sói acontecer nesse tipo de enredo, pouco a pouco pai e filha descobrirão alguns interesses em comum, o que desemboca na maravilhosa seqüência em que descobrimos a origem do nome de Joana: quando ela, ao vasculhar alguns discos de vinil, encontra aquele que talvez seja o favorito de seu pai, “Tô Fazendo Falta (ao Vivo)”, da cantora Joanna. Emocionado, como sempre fica ao ouvir a canção-título, Renato cantarola os versos para a filha, num plano demorado e emocionante, no qual constatamos que a letra da canção tem muito a ver com o que a garota sentia naquele instante, pois acabara de sofrer uma decepção relacional…
Nas conversas de aproximação, Renato confessa à filha Joana que construiu a personagem Silvanelly para acalmá-la, numa crise de choro, quando ela ainda era um bebê. Por mais que Renato não seja presente em sua vida, Joana é onipresente na dele, em evocações. É a deixa para que a garota aceite descobrir mais sobre o seu progenitor, incluindo as razões para ele abandonar a mãe dela, ao se apaixonar por outro homem: o diálogo em que ele narra as separações que marcaram o seu amadurecimento individual confirmam a habilidade do diretor ao valorizar situações tão corriqueiras quanto peremptórias. Para isso, contribui também uma ótima trilha musical, a cargo de músicos como Getúlio Abelha, Vitor Colares e Luíza Nobel, além dos temas originais compostos por Cozilos Vitor e João Victor Barroso, deveras aplaudíveis!
Quando a narrativa se deixa levar pelos instantes banais e maravilhosos do cotidiano, pelas epifanias diuturnas, o filme cresce legitimamente, em âmbito afetivo. Porém, o diretor, quiçá buscando a aproximação com um público acostumado às fórmulas dramáticas excessivamente elaboradas, erige algumas tentativas vexatórias de clímaces, como: a cena do hospital, quando Joana tem uma reação alérgica a uma comida que Renato prepara; a discussão na praia, em que ele repreende a filha, de maneira rude, por ela ter saído do apartamento sem avisar; e a chegada revoltosa de Cristina (Ana Luíza Rios), mãe de Joana, na residência de Renato. Poderíamos acrescentar a este rol as aparições de Jesuíta Barbosa (como um ator teatral que se apresenta ao lado de Jupyra Carvalho), que demoram a se demonstrar orgânicas, e a apresentação frustrada de Silvanelly, no já referido desfecho. É como se, em suas inúmeras fraquezas, Renato não conseguisse se redimir efetivamente, nas diversas performances de sua vida. Indiretamente, isso também serve para o próprio filme, de modo que, em seu cabedal de erros, ele merece, sim, uma chance. Façamos a nossa parte enquanto espectadores e apoiadores, portanto!
HOJE NOS CINEMAS