“Qual o nome que se dá para quem perde um filho? Não é órfão, nem viúvo… O que é que eu sou?!”
Nos créditos de encerramento de “A Metade de Nós” (2023, de Flávio Botelho), há uma dedicatória para “todas as pessoas que já perderam um filho”. De fato, como questiona um pai enlutado, enquanto chora copiosamente, não há sequer um nome específico para esta condição: é uma perda atroz, que, neste filme, é abordada através da perspectiva sensível de um casal já idoso, cujos membros se redescobrem individualmente, após a ausência de um ente querido. Eis a explicação para o título.
A mulher, Cristina (Denise Weinberg), é professora universitária. De caráter rígido, ela não se dispõe a chorar. Prefere voltar ao trabalho o quanto antes, evita sequer falar sobre Felipe, o filho que se suicidara, rejeitando presentes ou lembranças que evoquem o período em que ele esteve vivo – incluindo as memórias de infância. Aparentemente, ela deseja seguir em frente; O marido, Carlos (Cacá Amaral), por sua vez, fica emocionalmente dilacerado. Tenta insistentemente conversar com a esposa, mas é involuntariamente rechaçado por ela, que sequer consente em lhe direcionar o olhar…
Em determinado momento, as circunstâncias dolorosas da situação (o fato de que não conheciam suficientemente o filho que acabara com a própria vida) fazem com que ambos se separem: Cristina passa a cuidar da cadela de Felipe, enquanto Carlos vai morar em seu apartamento. Lá, aceita a proximidade e a companhia de um vizinho, Hugo (Kelner Macêdo), em relação a quem chega até a permitir um flerte homossexual. “Tu queres descobrir se Felipe era gay?”, pergunta Hugo. Nem mesmo isso Carlos sabe!
Trailer
Ficha Técnica
Título Original e Ano: A Metade de Nós, 2023. Direção: Flavio Botelho. Roteiro: Bruno H. Castro, Daniela Capelato, Flavio Botelho. Elenco: Denise Weinberg, Cacá Amaral, Kelner Macêdo, Clarice Niskier, Henrique Schafer, Justine Otondo. Gênero: Drama. Trilha Sonora: Edson Secco. Fotografia: Leo Resende Ferreira. Edição: Tina Hardy. Design de Produção: Marcos Pedroso. Figurino: Anne Cerutti. Designer de Som: Rubén Valdes. Produção: Caio Gullane, Claudia Büschel, Fabiano Gullane, Flavio Botelho. Empresas Produtoras e Co-Produtoras: Gullanes, Trailer Filmes e Canal Brasil. Distribuição: Pandora Filmes. Duração: 89 minutos. Classificação Indicativa: 14 anos.
Na primeira seqüência do filme, Cristina e Carlos estão diante do psiquiatra do filho, Sérgio (Henrique Schafer), em seu consultório. Ela o encara de maneira firme, agressiva, recusa-se a sentar. Por não saber que o filho era depressivo, Cristina responsabiliza o médico pelo que aconteceu. Mais à frente, esta seqüência se repetirá, e sabemos que Cristina possui uma arma em sua bolsa. O pior ocorrerá? Tem como ficar ainda pior?
Em pouco menos de uma hora e meia de duração, este filme acompanha o esfacelamento emocional de ambos os personagens: enquanto Carlos, que é explicitamente afetado pela dor, permite-se descobrir novas experiências, freqüentando inclusive festas juvenis, Cristina vigia o cotidiano de Sérgio, de maneira quase psicótica, crente de que o suicídio de seu filho foi induzido pelos efeitos colaterais dos remédios que lhe foram receitados pelo profissional da saúde. O desparecimento súbito da cadela, numa noite, permitirá que o casal de idosos una forças novamente, em busca de algo comum. A reconciliação definitiva ocorrerá numa cachoeira, numa cena belíssima, que lhes permitem também reconciliar simbolicamente com o filho morto.
Crédito de imagens: Gullane / Pandora Filmes
A produção esteve na seleção da Mostra Internacional de São Paulo em 2023
Quando Felipe surge em tela, é através de lembranças gravadas em vídeos antigos: desde pequeno, se interessara por pintura, algo bastante valorizado por Carlos, que ainda exerce as suas funções como fonoaudiólogo, apesar da idade avançada. Ele esmera-se por manter a memória do filho viva, pendurando e presentando parentes com os quadros que ele pintava, mas Cristina opõe-se a isso, terminantemente. Repetimos o questionamento: qual o nome que se dá para alguém que perdeu o filho?
O roteiro do filme é escrito pelo próprio diretor, em parceria com Bruno H. Castro. Seus dois protagonistas estão excelentes, revelando-se complementares em reações tão opostas. A trilha musical é delicada e os diálogos são compassados. Na maior parte deles, Carlos tenta conversar com Cristina, preparando-lhe comida, esforçando-se para interagir matrimonialmente. Ela recusa, quase sempre, e, ao fazer isso, não percebe que está ainda mais obcecada pela perda que seu marido, rendendo-se a equivocados sentimentos de vingança. O desfecho do filme, neste sentido, é balsâmico. É um filme modesto, mas sincero e carinhoso. Para quem enfrentou situações semelhantes, a identificação dramática é certeira!
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