Filme outonal do grande diretor canadense Denys Arcand, este longa-metragem é a estória dos últimos anos de vida do arquivista aposentado Jean-Michel Bouchard (Rémy Girard) e suas reflexões sobre a contemporaneidade. Já tendo desistido de viver, os melhores passeios deste senhor intelectual branco de Quebec, província francófona do Canadá, são pelas alamedas do cemitério da região, onde encontra paz e tranquilidade.
Oscilando entre o doce e o amargo, essa comédia é um ataque irônico e inteligente aos ditames do politicamente correto na sociedade deste enorme país da América do Norte, famoso por sua agenda política de direitos humanos e sua defesa dos povos originários, nações indígenas que foram dizimadas pelos franceses colonizadores. Marca do trabalho genial deste diretor, essa visão suigeneris de oscilação entre momentos comovedores e sarcasmos implacáveis gerou obras-primas irretocáveis, como O Declínio do Império Americano (1986), Jesus de Montreal (1989) e principalmente As Invasões Bárbaras (2003), que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Roteiro e Melhor Atriz no Festival de Cannes.
O extenuado Bouchard vive em uma casa de repouso para idosos, financiada pelo governo canadense. Entre as aventuras dos excêntricos moradores e as perseguições da exigente diretora do estabelecimento Suzanne (Sophie Lorain), um terremoto se instala no sossegado rincão quando jovens acampam na frente da casa, em protesto a uma pintura centenária que tem no local, retratando os conquistadores europeus e os povos originários.
Créditos de Imagem: Divulgação / Imovision / Cinémaginaire Inc
''Testamento'' passou pelo Angoulême Francophone Film Festival, em agosto de 2023, ganhou lançamento limitado nos Estados Unidos e chega agora ao Brasil.
As indignações destes jovens defensores do politicamente correto desandam num crescendo tal que destrói por completo o sossego dos simpáticos velhinhos. Entre piadas e absurdos, o solitário Bouchard aproxima-se da diretora Suzanne, também uma alma perdida na melancolia de suas perdas. Aliado a uma prostituta amorosa e terna Flavie (Marie-Mai Bouchard), esses doces personagens criam situações comovedoras.
O lado satírico do filme, porém, compromete o resultado. Por que o mundo novo é tão ruim? Por que discussões decolonialistas, de gênero, de minorias, são tratadas com tanto sarcasmo? Dá a impressão de que esta peça artística não consegue dialogar com a contemporaneidade e despreza todas as preocupações atuais. Como esse caco de conservadorismo é repetido em várias sequências, obviamente esta é uma mensagem do diretor às plateias atuais, o testamento desse diretor de 83 anos.
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Ficha Técnica
Título original e ano: Testament, 20. Direção e Roteiro: Denys Arcand. Elenco: Rémy Girard, Sophie Lorain, Guylaine Tremblay, Caroline Néron, Charlotte Aubin, Robert Lepage, Denis Bouchard, René Richard Cyr, Clémence Desrochers, Guillaume Lambert, Danièle Lorain, Marie-Soleil Dion, Louis-José Houde, Gaston Lepage e Marie-Mai. Gênero: Comédia, Drama. Nacionalidade: Canadá. Direção de Fotografia: Claudine Sauvé. Direção de arte: François Séguin. Figurino: Anne-Karine Gauthier. Trilha Sonora Original: Martin Desmarais. Montagem: Arthur Tarnowski. Produção: Denise Robert, Cinémaginaire Inc. Distribuição: Imovision. COR. Duração: 1h 55 min. Classificação: 14 anos.
A boa arte sempre leva a reflexões. Sua função é provocar e criar conhecimento. Denys Arcand faz sua parte e expõe sua mensagem. Cabe ao espectador desenvolver seu raciocínio e chegar às suas conclusões. Pois, no final de tudo, precisamos ser um Bouchard e descobrir que a vida vale a pena ser desfrutada, que o outono ainda vai durar três meses, até que o inverno da morte chegue para todos. Numa bela conclusão, o filme fala que há espaço na vida para aventuras, para a descoberta do amor e para a correção de antigos erros!
O final inclusive é uma sequência estupenda do diretor. Cenas enternecedoras de um casal passeando com um bebê numa bela aleia arborizada substituídas por uma sequência satírica de chineses arqueólogos descobrindo uma pintura esquecida. Marca do diretor, esse paralelismo domina todo o filme, levando as plateias a um sorriso triste.
“Tu vais desistir do Doutorado para ficar lavando as cuecas do ‘boy’”?!
Quando lemos a sinopse deste filme, vem-nos à cabeça, imediatamente, “O Céu Sobre os Ombros” (2011, de Sérgio Borges), visto que, além de ser um documentário mineiro que também possui seqüências dramatizadas, uma das personagens reais, acompanhada pela equipe, era uma transexual mestranda. De fato, há algumas similaridades entre os projetos, mas “Tudo o que Você Podia Ser”, de Ricardo Alves Jr., investe numa modalidade mais homogênea em relação ao modo como as personagens interagem: no filme mais recente, as trajetórias são convergentes, pois conhecemos quatro amigas que resolvem passar a madrugada juntas, divertindo-se, a fim de comemorar a viagem de uma delas, aprovada num Vestibular – “em terceiro lugar”, enfatiza – para Ciências Sociais, na cidade de São Paulo. E se estamos utilizando os pronomes no feminino, nesse texto, é porque é assim que elas se tratam no cotidiano.
As filmagens ocorrem em Belo Horizonte: Aisha Brunno visita as suas amigas, oferecendo roupas que não conseguirá levar na viagem e confraternizando com elas, como vem fazendo há muito tempo. À medida que a trama avança, vamos conhecendo os dilemas e prazeres de cada uma delas, sendo que as peripécias festivas do quarteto são divertidíssimas. Sentimos como se elas fossem nossas companheiras, de tão íntimo que é o processo de captação daqueles instantes!
A película foi premiada na 25ª edição do Festival do Rio e venceu o prêmio de melhor filme segundo o público na edição mais recente do Festival MIXBRASIL
A melhor amiga de Aisha é Bramma Bremmer, uma atriz que, no filme, comemora o lançamento vindouro de um livro de poesias, escritas em meio à lisergia. Num registro dramático paralelo à alegria de Aisha, que afirma realizar um sonho, testemunhamos Bramma assumir que é soropositiva (indetectável) e ser menosprezada pela mãe (interpretada por Docy Moreira), que a expulsa de casa, ao declarar que ela não é “mais que o filho que eu tive”. Para piorar, Bramma protagoniza uma dolorosa seqüência de assédio moral, quando é ofendida e ameaçada por três homofóbicos, num ônibus. Apesar de tudo isso, ela faz questão de sorrir, sempre que possível!
Igui Leal, destacada por ser a ruiva do grupo, foi aprovada recentemente num Doutorado na Alemanha, mas ainda não sabe se terá direito a bolsa, o que serve como pretexto para que ela mencione os problemas que a CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – enfrentou durante o (des)governo bolsonarista. Ela é a motorista oficial do grupo e, numa cena divertidíssima, entra numa rodovia destinada apenas a veículos coletivos, contrariando os conselhos de Aisha. Ri-se bastante nesse momento, inclusive pela maneira cúmplice como elas lidam com as adversidades!
Completando o grupo, temos Will Soares, espirituosa ‘perfomer’ negra, que costuma se vestir de vampira nas festas e parodiar canções famosas, adicionando versos eróticos às letras. É aquela que possui os contatos com os fornecedores de cocaína, talvez por morar na região mais periférica da cidade. E, tanto quanto as suas amigas, não perde o rebolado no dia a dia, mesmo lidando com a falta de dinheiro, com as oportunidades escassas de trabalho ou com o racismo indisfarçado, conforme sofreu numa viagem que fez a Blumenau, em Santa Catarina. O modo como estas quatro pessoas se comportam é um exemplo benfazejo de alegria e de aceitação à vida, para além do que acontece rotineiramente…
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Ficha Técnica
Título Original e Ano: Tudo O Que Você Podia Ser, 2024. Direção: Ricardo Alves Jr.. Roteiro: Germano Melo. Elenco: Aisha Brunno, Bramma Bremmer, Igui Leal e Will Soares. Participações Especiais: Docy Moreira, Renata Rocha e Sitaram Custódio. Gênero: Comédia, Drama. Nacionalidade: Brasil. Direção de Fotografia: Ciro Thielmann.Direção de Arte: Luiza Palhares. Figurino: Luiza Palhares e Luiz Dias. Montagem: Lorena Ortiz. Som Direto: Fabricio Lins. Trilha Sonora Original: Barulhista. Canção-tema: Coral. Produção: Julia Alves.Direção de Produção: Nina Bittencourt. Empresas Produtoras: Entrefilmes e Sancho & Punta. Distribuição: Vitrine Filmes. Duração: 84min.
Numa das seqüências iniciais, quando Aisha caminha sozinha pelas ruas, conversando com as amigas através de ligações telefônicas, a canção titular, composta pelo grupo Clube da Esquina, tem os seus acordes executados, de maneira incidental, como se estivesse implantando a tônica do filme, no que tange à abordagem efusiva do relacionamento entre as pessoas retratadas. Nos créditos finais, a mesma canção irrompe, numa versão cantada pela artista baiana (radicada em Minas Gerais), transexual e não-binária Coral, reiterando aquilo que é praticado pelas quatro amigas, ao longo de deliciosos oitenta e três minutos: “Mas não importa, não faz mal/ Você ainda pensa e é melhor do que nada/ Tudo o que você consegue ser”!
Terminada a sessão, o espectador sente-se convocado a seguir os respetivos perfis das personagens reais no Instagram e pôr em prática o júbilo resistente levado a cabo por estas amigas tão expressivas, inteligentes e bem-humoradas. “Tudo o que Você Podia Ser” é um filme que faz jus à exortação de seu título, demonstrando que, a despeito dos maus tratos, perseguições e não-reconhecimento imediato de nossos talentos, anseios duradouros podem ser realizados e amizade é a melhor coisa que existe. Um filme-testemunho, deveras necessário nos dias atuais, em que precisamos explicar aos neofascistas infiltrados em nosso convívio situações tão óbvias, como o fato de que toda e qualquer pessoa deve ser livre para exercer a sua sexualidade. Dentre aquilo que aprendemos com as ações destas sobreviventes purpurinadas, descobrimos que vibradores de plástico são ótimos para movimentar o jogo de Verdade ou Conseqüência, por exemplo. Vamos pôr isso em prática?
Ann (Joanna Arnow) tem quase quarenta anos. Vive em um apartamento pequeno e sem personalidade, é o que dá para pagar. Não tem uma boa relação com os pais. Por mais que haja afeto envolvido entre ela e os progenitores, a comunicação passivo-agressiva domina a relação. Seus únicos amigos pouco têm a ver com ela. Seus afetos sexuais não têm real interesse em partilhar uma vida com ela. Gasta seus dias em um trabalho entediante que não a valoriza. Pelo contrário, dá provas constantes de que quer que ela se torne obsoleta. Não parece haver muito motivo pelo qual continuar. Ainda assim, Ann vive dia após dia a mesma rotina desprovida de emoções. A única fonte de algum prazer parece ser o sexo casual.
O título cai como uma luva. Dada essa situação, a sensação é a de impotência, de que realmente não há mais tempo para consertar essa existência. Não só para Ann. A expectativa é a de que o espectador se identifique com o sentimento. Pelo menos em determinado recorte geracional. O fato de que a diretora desta pérola indie seja também a intérprete da protagonista acrescenta um toque a mais de autenticidade à história.
Praticante ativa de BDSM na posição de submissa, Ann tem suas aventuras sexuais retratadas em tela com quatro parceiros diferentes ao longo da película. Parte da beleza da obra está em como a prática é retratada com honestidade, diferentemente da maioria de suas representações, que descambam ou para a caricatura ou para o male gaze. Neste filme, vemos Ann praticando ações degradantes sob lentes que não aumentam nem diminuem a crueza do que acontece e vemos também as conversas claras e expositivas que ela tem com seus companheiros, desnudando para o público geral que o BDSM é construído em cima de muito diálogo e compreensão.
Crédito de Imagens: Divulgação / Synapse Distribution / Magnetic Labs, Ravenser Odd e Nice Dissolve
''Aquela Sensação de que o Tempo de Fazer Algo Passou,'' é escrito, dirigido, estrelado e editado por Joanna Arnow
Quando Cris é adicionado à trama, parece por um momento que a narrativa vai se trair e mostrar o quanto a submissão de Ann na verdade era falta de amor próprio ou de alguém para amá-la, que o filme vai enveredar pelo caminho da defesa do amor romântico tradicional. Nada disso. Depois dos primeiros encontros do casal apaixonado, a vida real suplanta o arrebatamento e tudo volta aos seus trilhos.
Por incrível que possa parecer, dada essa descrição, o filme é uma comédia. Uma comédia não usual, é claro, aquela que provoca constrangimento e identificação ao invés de gargalhadas estrondosas. A expressão impassível das personagens frente a situações absurdas dá o tom. A divisão em capítulos, à primeira vista sem muito motivo, ajuda a criar a sensação de rotina, de passagem de tempo e de fases da vida.
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Ficha Técnica
Título Original e Ano: The Feeling That the Time for Doing Someting Has Passed, 2023. Direção e Roteiro: Joanna Arnow. Elenco: Scott Cohen, Babak Tifti, Joanna Arnow, Michael Cyril Creighton, Alysia Reiner, Peter Vack, Parish Bradley, Rushi Birudala. Gênero: Comédia. Nacionalidade: EUA. Trilha Sonora Original: Robinson Senpauroca. Fotografia: Barton Cortright. Edição: Joanna Arnow. Design de Produção: Grace Sloan. Direção de Arte: Tommy Mitchell. Figurino: Nell Simon. Empresas Produtoras: Magnetic Labs, Ravenser Odd e Nice Dissolve. Distribuição: Synapse Distribution. Duração: 01h27min.
Com distribuição pela Synapse no Brasil, Aquela Sensação de que o Tempo de Fazer Algo Passou é o primeiro filme de Joanna Arnow com estreia no país e deixa gostinho de quero mais. O longa chega primeiramente as telas de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife e deve ganhar outros Estados em Breve.
A nova produção da Paramount Pictures “Um Lugar Silencioso – Dia Um”, talvez a grande estréia deste final de mês no mundo todo, se passa um ano antes dos eventos narrados nos dois filmes anteriores sendo este um prequel para as narrativas já conhecidas pela audiência. Desta maneira, não é necessário parar tudo e ir assistir os outros longas para entender a sequência.
O roteiro, que não é nenhum candidato ao Oscar, foi baseado no roteiro original de John Krasinski e se estabelece como um spin-off. Inicialmente seria escrito e dirigido por Jeff Nichols que foi substituído por Michael Sarnoski. A intenção seria explicar como tudo começou, mas não há justificativa plausível para uma súbita invasão alienígena em Nova York. Todavia, quem espera lógica em um filme sobre monstros invasores, não é mesmo? O gênero terror pós apocalíptico destina-se a um público que já sabe o que esperar. E neste quesito, o longa cumpre muito bem seu propósito.
O mundo antes dos perigos enfrentados pela família Abott nos filmes lançados em 2018 e 2020 não era dominado pelo medo e silêncio obrigatório. A Big Apple era a metrópole ruidosa que todos conhecem, batendo recordes de decibéis emitidos. Conhecemos então a realidade deprimente da protagonista Sammy (Lupita Nyongo), uma doente terminal sobrevivendo aos seus últimos dias em uma instituição de cuidados paliativos. Sam é poetisa, mas o amargor da doença tirou-lhe o prazer de escrever. Sua relação com o enfermeiro Reuben (Alex Wolf) é carregada de tristeza e raiva de alguém que tem os dias contados. Agora tudo que a moça deseja é ter a doce companhia de seu gatinho Frodo (interpretado pelo gato celebridade Schnitzel), seu apoio emocional, e comer um pedaço de pizza no Harlen, em uma pizzaria que lhe traz doces recordações da infância junto de seu pai que era músico. Ela só não esperava ter a companhia de zilhões de criaturas grotescas e aterrorizantes, que caçam pelo som, para atrapalhar seu rolê, ainda assim, o desejo pela massa italiana é mais forte que a presença de qualquer monstro. A única forma de sobreviver é manter a calma e ficar em completo em silêncio, sem qualquer ruído, por mais leve que seja.
A produção contou com locações tanto em Nova York, nos Estados Unidos, como em Londres, na Inglaterra
E daí por diante, segure-se na poltrona porque será um susto atrás do outro. A ilha de Manhattan destruída e isolada. A saída possível é pela água já que os monstrengos não se aventuram no ambiente líquido. Na fuga, Sam encontra o assustado e perdidão Eric (Joseph Quinn) que deixou os pais na Inglaterra e veio para NY estudar Direito. Uma relação de amizade e companheirismo nasce entre eles. Mas e o gato???? Calma! Nenhum pet será ferido nesta produção!
O suspense não é tão intenso como no primeiro filme, mas é bem dosado e tem alguns momentos de jump scare. Há um bom equilíbrio entre tensão e drama. Suficiente para o público se afeiçoar às personagens. Lupita e Joseph carregam toda força emocional das personagens apenas com gestos e olhares. A sonoplastia intensifica a tensão das cenas. E o gato Schnitzel/Frodo vai tomar conta das cenas e ganhar corações!!!
Uma curiosidade: A atriz Lupita Nyong’o tinha medo de gatos e a convivência com o felino foi tão satisfatória que ela se apaixonou e até adotou um gatinho!
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Ficha Técnica
Título Original e Ano: A Quiet Place - Day One, 2024. Direção: Michael Sarnoski. Roteiro: Michael Sarnoski - a partir dos personagens criado por Bryan Woods e Scott Beck e roteiro de John Krasinski. Elenco: Lupita Nyong'o, Joseph Quinn, Alex Wolff, Djimou Hounsou, Thea Butler, Sunjay Midda, Elijah Ungvary, Jennifer Woodward. Gênero: Drama, Terror, Suspense, Sci-fi. Nacionalidade: EUA e Reino Unido. Trilha Sonora Original: Alexis Grapsas. Fotografia: Pat Scola. Edição: Andrew Mondshein e Gregory Plotskin. Figurino: Bex Crofton-Atking. Direção de Arte: Nick Dent. Design de Produção: Simon Bowles. Produção: Michael Bay, John Krazinski, Andrew Form, Brad Fuller. EmpresasProdutoras: Paramount Pictures, Platinum Dunes e Sunday Night. Distribuição: Paramount Pictures Brasil. Duração: 01h40min.
Shhhhh!!! Não conta para ninguém, mas o site oficial do filme (veja aqui) disponibilizou uma IA para ajudar que fãs da franquia contem suas histórias de onde estavam e o que estavam fazendo quando os mostros invasores chegaram. Entre nessa você também, clique aqui e se divirta! (PS: a ferramenta está em inglês).
Super indicado assistir na maior tela possível e em IMAX!
Avaliação: Um gato fofo e duas fatias de pizza (3/5).
Apesar de ter o Brasil como cenário, o romance “La Salamandre”, de Jean-Christophe Rufin, ainda não foi lançado no país, paradoxalmente. Publicado na França, em 2005, podemos encontrar a edição para compra online (veja aqui) com a seguinte sinopse (em tradução livre para o português): “Catherine, cuja vida se organiza em torno do trabalho, com o ódio aos domingos, o auxílio da televisão, o carinho de um gato e o uso freqüente de soníferos, deu as costas à França para se estabelecer no Brasil. Indo além da condição de turista, ela troca o mundo das agências de viagens pelo das favelas. A violência com que as pessoas se tratam não permite que ela seja poupada”. A adaptação cinematográfica ora comentada respeita alguns elementos desta sinopse, mas oferece uma versão diferenciada dos eventos e personagens: sabemos bem menos sobre o passado de Catherine, por exemplo, ainda que ela seja melhor desenvolvida que seu jovem amante Gilberto, de quem descobrimos apenas que a sua mãe falecera por causa de um câncer…
Sem que se tenha lido o romance original – o que é irrelevante, visto que cada suporte artístico possui as suas especificidades –, pode-se notar, neste filme, duas tônicas, que se substituem, progressivamente: de um lado, a potência erótica do romance entre Catherine (Marina Foïs) e Gilberto (Maicon Rodrigues); do outro, um suspense cujos meandros são intencionalmente inexplicados, lançando o espectador ao mesmo desamparo que toma de assalto a protagonista. O primeiro aspecto é muito interessante; o segundo, decepciona.
No prólogo, acompanhamos Catherine em meio a experimentos gastronômicos que a deixam visivelmente incomodada. Fala-se sobre a importação de frutas-pão em abundância, no período colonial, a fim de que os escravos fossem alimentados com algo barato, mas estes desgostaram da comida imposta por outrem. “Hoje, esta fruta é uma iguaria”, explica o palestrante, numa seqüência que não reaparece, a posteriori, mas que deixa em evidência a culpa européia da protagonista, que viaja para o Brasil após o falecimento de seu pai. Em Pernambuco, ela reencontra a irmã, Aude (Anna Mouglalis), casada com um esnobe empresário (interpretado por Bruno Garcia). Será que, nas praias pernambucanas, ela reencontrará alguma alegria?
Créditos de Imagens: Divulgação Pandora Filmes / N Filmes, san cinema, High Sea Production e Cinenovo.
O longa foi premiado no FestCine Araunda, em 2021, com o prêmio do Juri e o ator Maicon Rodrigues recebeu o ''Troféu Araunda'' de ''Melhor Ator''.
Numa determinada tarde, Catherine é interceptada por Gilberto, que pede para que ela passe protetor solar em suas costas e a convida para uma festa, no bar onde trabalha. Ela aceita. E, conforme esperado, ela apaixonar-se-á por ele, o que renderá diversas cenas de sexo simulado, em que a competente fotografia de Josée Deshaies realça a beleza do contraste entre as peles de Catherine e Gilberto: a dela, branca; a dele, preta. Obviamente, Aude não enxergará com bons olhos este relacionamento, o que faz com que Catherine resolva morar com seu amado. É o pretexto para que os estereótipos nacionais se instalem: a francesa será enganada e traída; o brasileiro a conquistará pelo carisma, mas fará com que ela mergulhe num rol de tormentos. Na mitologia antiga, a salamandra é o animal que supostamente consegue sobreviver ao fogo. Seria Catherine a representante humana deste anfíbio?
Por durar quase duas horas, sem que isto seja requerido pela trama, o filme ostenta sinais directivos de cansaço, em sua segunda metade: a previsibilidade das situações que confirmam o mau caráter de Gilberto, quiçá associadas à sua vida sofrida (outro estereótipo reprovável), desperdiça a ambigüidade do outrora mencionado sentimento de culpa que atravessa a melancólica Catherine. Mais velha e endinheirada que Gilberto, ela o presenteia com uma motocicleta e aceita a sua idéia de alugar um imóvel, com vistas à construção de um empreendimento festivo. Quanto mais Aude a aconselha, mais Catherine renega a sua preocupação, principalmente ao constatar a maneira preconceituosa com que os empregados do prédio em que ela estava instalada tratam Gilberto, dizendo que “somente moradores podem nadar na piscina” ou acusando-o de mexer nos armários da família francesa.
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Ficha Técnica
Título Original e Ano: Salamandra,2021. Direção e roteiro: Alex Carvalho, a partir do romance La Salamandre, de Jean-Christophe Rufin. Colaboração na adaptação: Rita Toledo, Nelson Caldas Filho, no Brasil. Alix Delaporte e Thomas Bidegain, na França. Elenco: Marina Foïs, Maicon Rodrigues, Anna Mouglalis, Bruno Garcia, Allan Souza Lima, Buda Lira, Suzy Lopes. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil, França, Alemanha, Bélgica. Direção de Fotografia: Josée Deshaies. Trilha Sonora Original: Jam da Silva. Direção de Arte: Juliana Lobo. Desenho de som: Edson Secco. Montagem: Joana Collier e Agnieszka Liggett. Empresas Produtoras: N Filmes, san cinema, High Sea Production e Cinenovo. Coprodução: Nois Production, Cine+, Canal Brasil e Telecine. Apoio: Projeto Paradiso e Instituto Rouanet. Produção: Alex Carvalho, Tiago Carneiro Lima, Sven Schnell, Patrick André, Julie Viez. Coprodução no Brasil: Adriana Rouanet e Paula Cosenza. Distribuição: Pandora Filmes. Duração: 116 min.
O elenco do filme é deveras competente (incluindo Allan Souza Lima, como o vilanaz Pachá) e a já citada fotografia obtém captações fascinantes dos lusco-fuscos recifenses e do carnaval de Olinda. A trilha musical de Jam da Silva é também elogiável, na maneira como traduz em acordes os sentimentos intensificados de Catherine, cada vez mais obsessiva em sua paixão por Gilberto. Mas o desfecho do filme é pusilânime, em seu anticlímax, não obstante ecoar algo que parece ocorrer no romance que deu origem ao roteiro: a disposição da protagonista em reinventar-se no Brasil, a despeito de suas cicatrizes físicas e emocionais…
O que mais incomoda no filme é um indisfarçado pendor classista, que faz com que os estereótipos que os personagens se tornam, no desfecho, revelem-se ainda mais problemáticos, em termos de julgamento moral. Ainda que o roteiro, escrito pelo próprio diretor, opte por respeitar a perspectiva narrativa de Catherine, em viés objetivo, sua credulidade passional é desenvolvida como uma fraqueza, culminando na tragicidade anunciada do desfecho. A mudança declinante de tom ocorre num instante quase circunstancial, em que, ao esperar Gilberto retornar da cozinha, onde fôra buscar um frasco de pimenta, Catherine preocupa-se excessiva e subitamente, gritando o seu nome, sobremaneira preocupada, poucos segundos depois que ele se afasta. Daí para a frente, o filme chafurda no tédio e na banalização dos perigos urbanos, tão advertidos por Ricardo, o marido de Aude. É triste ter que concordar com um personagem tão ignóbil!
Baseado na história verídica de Bernard Jordan, chega esta semana aos cinemas este comovente relato sobre afeto em seus diversos formatos e como estes sentimentos tão necessários resistiram aos horrores da guerra, transformando-se em uma jornada de compromisso e honra. Amar também é saber o momento de se calar perante o dever e o sentimento de culpa guardado por décadas. É viver um misto de orgulho pelo dever cumprido, lembranças ternas do passado e os traumas que nada conseguirá suplantar. A narrativa é absolutamente bela e comovente e apresenta como um veterano da Marinha Real, oficial que esteve presente na Segunda Guerra Mundial, ganhou a atenção da mídia com um feito notável em 2014!
A produção é um deleite e é maravilhoso poder presenciar as atuações brilhantes destes dois ícones da dramaturgia. Michael Caine, neste que é seu trabalho derradeiro, já que se aposentou aos 90 anos, entrega uma performance ímpar. A incomparável Glenda Jackson (falecida em junho de 2023 no período de pós produção do filme) forma o par perfeito com Sir Caine num equilíbrio de humor, sagacidade e ternura. Aliás, todo elenco de apoio está formidável.
O longa conta com direção de Oliver Park (St. Trinian's e Dorian Gray) e tem distribuição da Diamond Films Brasil.
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Ficha Técnica
Título Original e Ano: The Great Scaper, 2023. Direção: Oliver Parker. Roteiro: William Ivory. Elenco: Michael Caine, Glenda Jackson, John Standing, Danielle Vitalis, Will Fletcher, Laura Marcus, Victor Oshin, Paul Bigley, Brennan Reece, Elliot Norman. Gênero: Drama, Aventura, Biografia. Nacionalidade: Reino Unido, França, Suécia. Direção de Fotografia: Christopher Ross. Desenho de Produção: Nicholas Palmer. Montagem: Paul Tothill. Trilha Sonora Original: Craig Armstrong. Produção: Robert Bernstein & Douglas Rae. Empresas Produtoras: Pathe, BBC Filmes, Filmgate Films, Ecosse FIlms, Film I Väst. Ingenious. Distribuição: Diamond Films Brasil. Duração: 96 minutos.
Bernie (Michael Caine) acaba se mudando com a esposa Irene (Glenda Jackson) para uma confortável casa de repouso em Brighton and Hove, um balneário ao sudoeste da Inglaterra, a fim de lhe dar qualidade de vida e suporte médico. O idoso pretendia participar de uma excursão oficial até a Normandia para as comemorações dos 70 anos do desembarque das tropas do Dia D. Mas o ex-militar perdeu o prazo de inscrição e devido a sua idade avançada não lhe seria permitido viajar desacompanhado. Ao indagar a esposa sobre seus planos frustrados, a doce e sagaz Irene apenas responde: se você quer mesmo ir, vá! Era o incentivo que faltava para que o frágil idoso, munido de seu andador, fugisse furtivamente para encarar a jornada do herói em uma viagem através do Canal da Mancha até a França.
Enquanto Rene ocultava habilmente a ausência do marido, ela também relembrava momentos emocionantes da vida do casal, revelando um verdadeiro amor incondicional. A idosa com uma saúde debilitada, contracena com a cuidadora Adele (Danielle Vitaris) em cenas hilárias e sentimentais. Não há tempo ruim para a personagem.
Créditos de Imagens: Divulgação / Diamond Films Brasil / Pathe, BBC Filmes, Filmgate Films, Ecosse FIlms, Film I Väst. Ingenious, All Rights Reserved.
Glenda Jackson e Michael Caine trabalharam juntos em 1975 no longa ''A Inglesa Romântica'', de Joseph Losey
A cinematografia traz uma cor mais sólida para as cenas e a edição do longa é sensacional, alternando momentos leves e engraçados do presente com flashbacks de guerra de tirar o fôlego, tudo isso embalado por uma trilha sonora tocante que pode levar o espectador às lágrimas.
Michael Caine entrega cenas preciosas com seu companheiro de viagem, o veterano Arthur (John Standing). Ambos carregam na bagagem as duras recordações dos tempos de guerra e o compromisso moral com o passado. A cena do encontro com os veteranos inimigos é excepcional. Aliás, a dupla de atores se reencontra aqui, pois Caine e Standing trabalharam juntos em ''A Águia Pousou'', de John Sturges, lançado em 1976.
Ao regressar para a casa, Bernie descobre que ele havia se tornado uma figura pública e um herói nacional. Mas para ele só importava encerrar um capítulo da sua história pessoal e voltar para os braços de sua amada.
A Grande Fuga é um daqueles filmes que ganha o coração do público e fica para sempre na memória como uma maneira de lembrar que o amor, amizade verdadeira e companheirismo compensam sempre, até nos momentos mais sombrios, e devem ser sempre valorizados e honrados.
É recomendado assistir na tela grande e acompanhado de uma caixa de lencinhos.
Avaliação: Quatro deliciosos pratos de “fish & chips”.