sexta-feira, 28 de junho de 2024

Testamento, de Denys Arcand | Assista nos Cinemas

 

Filme outonal do grande diretor canadense Denys Arcand, este longa-metragem é a estória dos últimos anos de vida do arquivista aposentado Jean-Michel Bouchard (Rémy Girard) e suas reflexões sobre a contemporaneidade. Já tendo desistido de viver, os melhores passeios deste senhor intelectual branco de Quebec, província francófona do Canadá, são pelas alamedas do cemitério da região, onde encontra paz e tranquilidade.

Oscilando entre o doce e o amargo, essa comédia é um ataque irônico e inteligente aos ditames do politicamente correto na sociedade deste enorme país da América do Norte, famoso por sua agenda política de direitos humanos e sua defesa dos povos originários, nações indígenas que foram dizimadas pelos franceses colonizadores. Marca do trabalho genial deste diretor, essa visão suigeneris de oscilação entre momentos comovedores e sarcasmos implacáveis gerou obras-primas irretocáveis, como O Declínio do Império Americano (1986), Jesus de Montreal (1989) e principalmente As Invasões Bárbaras (2003), que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Roteiro e Melhor Atriz no Festival de Cannes.

O extenuado Bouchard vive em uma casa de repouso para idosos, financiada pelo governo canadense. Entre as aventuras dos excêntricos moradores e as perseguições da exigente diretora do estabelecimento Suzanne (Sophie Lorain), um terremoto se instala no sossegado rincão quando jovens acampam na frente da casa, em protesto a uma pintura centenária que tem no local, retratando os conquistadores europeus e os povos originários.

                                                     Créditos de Imagem: Divulgação / Imovision / Cinémaginaire Inc
''Testamento'' passou pelo Angoulême Francophone Film Festival, em agosto de 2023, ganhou lançamento limitado nos Estados Unidos e chega agora ao Brasil.

As indignações destes jovens defensores do politicamente correto desandam num crescendo tal que destrói por completo o sossego dos simpáticos velhinhos. Entre piadas e absurdos, o solitário Bouchard aproxima-se da diretora Suzanne, também uma alma perdida na melancolia de suas perdas. Aliado a uma prostituta amorosa e terna Flavie (Marie-Mai Bouchard), esses doces personagens criam situações comovedoras.

O lado satírico do filme, porém, compromete o resultado. Por que o mundo novo é tão ruim? Por que discussões decolonialistas, de gênero, de minorias, são tratadas com tanto sarcasmo? Dá a impressão de que esta peça artística não consegue dialogar com a contemporaneidade e despreza todas as preocupações atuais. Como esse caco de conservadorismo é repetido em várias sequências, obviamente esta é uma mensagem do diretor às plateias atuais, o testamento desse diretor de 83 anos.

Trailer

Ficha Técnica

Título original e ano: Testament, 20. Direção e Roteiro: Denys Arcand. Elenco: Rémy Girard, Sophie Lorain, Guylaine Tremblay, Caroline Néron, Charlotte Aubin, Robert Lepage, Denis Bouchard, René Richard Cyr, Clémence Desrochers, Guillaume Lambert, Danièle Lorain, Marie-Soleil Dion, Louis-José Houde, Gaston Lepage e Marie-Mai. Gênero: Comédia, Drama. Nacionalidade: Canadá. Direção de Fotografia: Claudine Sauvé. Direção de arte: François Séguin. Figurino: Anne-Karine Gauthier. Trilha Sonora Original: Martin Desmarais. Montagem: Arthur Tarnowski. Produção: Denise Robert, Cinémaginaire Inc. Distribuição: Imovision. COR. Duração: 1h 55 min. Classificação: 14 anos.


A boa arte sempre leva a reflexões. Sua função é provocar e criar conhecimento. Denys Arcand faz sua parte e expõe sua mensagem. Cabe ao espectador desenvolver seu raciocínio e chegar às suas conclusões. Pois, no final de tudo, precisamos ser um Bouchard e descobrir que a vida vale a pena ser desfrutada, que o outono ainda vai durar três meses, até que o inverno da morte chegue para todos. Numa bela conclusão, o filme fala que há espaço na vida para aventuras, para a descoberta do amor e para a correção de antigos erros!

O final inclusive é uma sequência estupenda do diretor. Cenas enternecedoras de um casal passeando com um bebê numa bela aleia arborizada substituídas por uma sequência satírica de chineses arqueólogos descobrindo uma pintura esquecida. Marca do diretor, esse paralelismo domina todo o filme, levando as plateias a um sorriso triste. 

 Nota: 6/10. 

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Um comentário:

Pseudokane3 disse...

Não discordo... Mas eu acho que o que o é exposto aqui parte de experiências pessoais dele, quanto aos traumas identitaristas. Particularmente, tive péssimas experiências, em situações similares. Acho que a crítica não é ao novo em si, mas ao "novo pelo novo", conforme vimos na seqüência do depoimento dos jovens semióticos, que pouco se importam pelo mural destruído. Mas é isso: aguardemos a polêmica vindoura! (risos)

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