quinta-feira, 18 de julho de 2024

Divertimento, de Marie-Castille Mention-Schaar | Assista nos Cinemas

 “Sou jovem, mas rigorosa quanto à pontualidade”!
 
Um dos aspectos mais interessantes de “Divertimento”, de Marie-Castille Mention-Schaar, lançado no exterior em 2022, é narrar os eventos reais da juventude da maestrina francesa Zahia Ziouani (interpretada por Oulaya Amamra) como se fossem parte de um típico filme destinado a adolescentes: malgrado o sobejo de refinamento em sua educação musical, isso é apresentado de maneira acessível e facilmente identificável. Vide o instante inicial, ainda em 1985, quando a protagonista era uma criança, e percebe que seus pais estão assistindo a um concerto na TV: frente à sonoridade cativante do “Bolero” de Maurice Ravel, suas mãos dançam, quase automaticamente, de modo que, ali, é germinado o seu sonho de, um dia, reger uma orquestra…

Bastante aplicada, aos dezessete anos de idade, Zahia possui uma irmã gêmea, Fettouma (Lina El Arabi), que é violoncelista. Ambas estudaram na mesma escola suburbana e, ao obterem a oportunidade de continuar os estudos num insigne conservatório parisiense, são vítimas de alguns preconceitos sociais. Ainda que não possam reclamar que são efetivamente pobres, as irmãs são alvos de zombaria por morarem longe do conservatório, por possuírem instrumentos que não são novos, por lidarem com condições adversas desde a infância. Mas logo conseguirão se destacar, por méritos próprios. 

Trailer
 
Ficha Técnica
Título original e ano: Divertimento, 2022. Direção: Marie-Castille Mention-Schaar. Roteiro: Clara Bourreau, Marie-Castille Mention-Schaar. Elenco: Oulaya Amamra, Lina El Arabi, Niels Arestrup. Gênero: Drama. Nacionalidade: França.Direção de fotografia: Naomi Amarger. Direção de Arte: Gwendal Bescond. Música: Elise Luguern. Edição: Benoît Quinon. Figurino: Caroline Spieth.  Produção: Marc-Benoît Créancier, Olivier Gastinel. Empresas Produtoras: Easy Tiger, Estello FilmsDistribuidora: Imovision. Duração: 110 min

Se, na trama, Fettouma está bastante presente, mas subordinada ao desempenho de sua irmã, lamenta-se que aspectos íntimos de suas vidas sejam abandonados, como a preocupação de Zahia em relação a uma paixonite de Fettouma ou a ausência de interesses sentimentais por parte da primeira. Elas não sabem falar árabe, apesar de serem de origem argelina, pois seus pais obedeceram ao conselho de um pediatra, que recomendou que a comunicação doméstica fosse exclusivamente em francês. Inclusive, a relação das irmãs com o pai Abdel (Zinedine Soualem) é ótima, mas a insegurança eventual de Zahia faz com que ela requeira apoio exacerbado das pessoas que a cercam.

Hostilizada pelos garotos do conservatório, por ser mulher, Zahia chama a atenção do célebre maestro Sergiu Celibidache (Niels Arestrup) e é convidada pessoalmente por ele para ter aulas de condução, após afirmar que, até então, ela fôra autodidata. O modo de Sergiu compartilhar os seus ensinamentos vai de encontro ao rigor quase desportivo das demais exigências das irmãs Ziouani em relação à música: na maior parte das vezes, elas estão competindo, de modo que o maestro chega a comparar uma das provas a uma “atividade de ginástica”. É a deixa para que, numa conversa com o prefeito local, Zahia externe o seu ponto de vista em relação à música, ciente da elitização da mesma: “sei que a música pode não mudar o mundo, mas acredito que a prática musical consegue transformar as pessoas”. É o que percebemos no filme, aliás.

Servindo-se de várias convenções do subgênero adolescente – como a seqüência que explica o título, quando Zahia e Fettouma roubam a partitura da peça haydniana homônima de uma loja, a fim de serem aceitas pelos colegas ricos – , “Divertimento” força a barra, em enredos paralelos, como quando Zahia convence um jovem pianista a fazer as pazes com o pai presidiário ou a relação educacional entre Fettouma e uma garota com Síndrome de Down, que fica fascinada ao alisar o seu violoncelo. A seqüência derradeira é clicherosa na maneira como é erigida, mas permite uma situação belíssima, quando percebemos uma menina regendo imaginariamente uma orquestra, da mesma maneira que ocorre no início. A boa intenção, neste caso, é funcional! 

                                                   Créditos de Imagem: Divulgação / Imovision / Easy Tiger, Estello Films 
A produção foi selecionada para encerrar o ''Stony Brook Film Festival'' e a diretora Maria-Castille Mention-Schaar recebeu um ''prêmio especial de reconhecimento'' pelo trabalho.

Para que a diretora obtenha eficientes resultados fílmicos, ela conta com um entrosado elenco com aptidões sinfônicas e com uma seleção primorosa de obras musicais clássicas. O ritmo narrativo manifesta uma ou outra instabilidade, por conta das supracitadas crises de insegurança de Zahia (há uma briga mal desenvolvida com o seu pai, por exemplo), mas é um filme que, na maneira direta com que é realizado, pode motivar alguns espectadores a alimentarem sonhos que, de antemão, pareceriam impossíveis, como aquele que motiva Zahia desde o início. As qualidades superam os defeitos, portanto.

Situado no ano de 1995, quando Jacques Chirac [1932-2019] encetou o seu mandato presidencial, o enredo deste filme aborda a política francesa de maneira progressista, quando elogia a decisão de abolir o serviço militar obrigatório para os jovens imigrantes (segundo a fala de uma personagem) ou ao referendar a gestão cultural da prefeitura de Stains – cidade onde residiam as irmãs Ziouani –, que apóia a arriscada decisão de enviar a orquestra fundada por Zahia para competir num concurso polonês, onde ela, afinal, sai vitoriosa. Nos créditos de encerramento, a trajetória de sucesso das irmãs é resumida através de letreiros exortativos. Trata-se de um filme modesto em sua concepção, mas assertivo na homenagem concedida às personagens reais: dentro dos apanágios populares de gênero, cumpre divertidamente a sua missão!

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