Estranho Caminho, de Guto Parente


“História, história, não tem não… São coisas de minha cabeça”!

Tal qual aconteceu com o seu parceiro em vários filmes, Pedro Diógenes (vide crítica de seu trabalho mais recente aqui), o cearense Guto Parente – co-autor de obras mui contundentes como “Doce Amianto” (2013, co-dirigido por Uirá dos Reis) e “A Misteriosa Morte de Pérola” (2014, co-dirigido por Ticiana Augusto Lima), entre outros – também migra dos enredos tendentes ao experimentalismo para uma trama clássica sobre reencontro com o pai ausente. Ou mais ou menos isso, como explica o alter-ego do realizador, o cineasta estreante em longas-metragens vivido por Lucas Limeira, que chama-se David e tem um pai de nome Geraldo, assim como o próprio Guto Parente, que dedica o filme ao seu progenitor.

Segundo informações diegéticas, o enredo deste filme é situado no início de 2020, quando começaram a surgir os primeiros casos de morte provocada pela Covid-19, aqui no Brasil. David voltou para o Ceará, depois de uma década vivendo em Portugal, a fim de apresentar seu filme num festival, mas este é adiado por conta da aplicação da quarentena em ambientes públicos. Obrigado a instalar-se em Fortaleza por tempo indeterminado, mesmo já tendo a sua passagem comprada, David precisará encontrar um lugar para ficar, visto que a sua hospedagem foi paga apenas por um período determinado de dias. Ele busca refúgio na residência de um amigo, mas o pai deste nega a empreitada. É quando David resolve procurar Geraldo, com quem não fala há muito tempo...

Esplendidamente interpretado por Carlos Francisco, o pai de David fica contente por reencontrar o filho talentoso, mas hesita em oferecer-lhe guarida, pois está ocupado num projeto pessoal acerca do qual reluta em oferecer detalhes. Frente às contingências (o jovem é assaltado na praia e, além disso, é expulso da pousada em que estava, antes do tempo), Geraldo concorda. Porém, o relacionamento entre eles será marcado por dificuldades compreensíveis de aproximação.

                                                   Crédito de Imagens: Divulgação / Tardo Filmes  / Embaúba Filmes  / Linga Acácio
O longa conta com dezesseis prêmios, quatro deles ganhos no Tribeca Film Festival, e mais nove indicações. 

Muitas destas dificuldades advêm do caréter teimoso e mimado de David, que se mete em confusões reiteradas durante a locomoção por sua cidade-natal. Estranhamente, ele não busca sequer o convívio dos amigos com quem conversa no início, forçando o seu pai, até então recluso, a adaptar-se aos seus pantins. De repente, Geraldo começa a apresentar graves sintomas respiratórios, que perigam estar relacionados à Covid-19, e David tenta interná-lo num hospital. Entretanto, situações inesperadas acontecem, incluindo uma reviravolta determinante para a relação entre os dois homens.

Repleto de citações pessoais do próprio diretor – o filme que David apresenta como seu, “Encantos da Morte”, por exemplo, é um projeto em Super-8 de Guto Parente, filmado em Portugal, junto a Taís Augusto –, “Estranho Caminho” (2023), em determinado momento, parece ter sido realizado apenas para inserir uma frase marcante do clássico “Pickpocket – O Batedor de Carteiras” (1959, de Robert Bresson), conforme confessa o protagonista, próximo ao final: “que estranho caminho eu tive que percorrer para chegar até ti”. A emoção pretendida não faz jus à referência fílmica, infelizmente.

Não obstante não se poder reclamar que a interpretação do protagonista seja ruim, a concepção do personagem, infelizmente, é: idiotizado, caprichoso e tendente às mentiras e aos rancores, David dificulta a identificação e a afeição do espectador o tempo inteiro, o que só piora quando o percebemos agir de maneira desdenhosa no que tange aos cuidados locais em relação à proteção contra a pandemia, principalmente se levarmos em consideração que ele veio da Europa, quando a Covid-19 já estava detectada e sob intervenções estatais. Há uma situação, inclusive, em que ele está deitado numa maca, sendo atendido por uma enfermeira (numa ótima ponta da cantora Mumutante) que acabara de examiná-lo e, ainda assim, ele está sem a necessária máscara respiratória. Os comportamentos desleixados e/ou melindrosos de David só contribuem para que o achemos insuportável!

Para piorar ainda mais a situação, o fascínio que o supostamente intelectual David demonstra ao encontrar um livro de autoajuda escrito por seu pai (“Método G: Você Pode Tornar Sua Vida Mais Interessante”, de Geraldo Lima Jr., pai do diretor) beira o vexatório. Idem quanto à maneira com que ele atormenta a médica interpretada pela eloqüente Ana Marlene (que chega a lhe pedir perdão, mesmo estando assaz atarefada), o segurança vivido pelo realizador Déo Cardoso ou a sua companheira lusitana Tereza (“é páia dizer esposa”, explica ele), em participação da atriz Rita Cabaço. Em defesa do filme, a maneira inteligente com que é utilizada a canção “O Cavaleiro e os Moinhos”, composta por João Bosco e Aldir Blanc – este último falecido em decorrência de complicações da Covid-19, justamente. Na parede de um dos cenários reais, uma pichação oportuna: “Bolsonaro é o capeta”. Debaixo da cama de Geraldo, uma forte luz azul, que emula uma marcante produção estadunidense [“O Mistério de Lulu” (1998, de Paul Auster)]. Pouco mais se salva, lamentavelmente: o filme é decepcionante, em sua falida tentativa de reconciliação narrativa ‘post-mortem’!

Trailer


Ficha Técnica
Título Original e Ano: Estranho Caminho, 2023. Roteiro e Direção: Guto Parente. Elenco: Lucas Limeira, Carlos Francisco, Tarzia Firmino, Rita Cabaço, Renan Capivara, Ana Marlene, Fab Nardy, Noá Bonoba, Jennifer Joingley, Déo Cardoso, Larissa Goés, Mumutante, Solon Ribeiro, David Santos, Pedro Breculê, Gabriel de Sousa. Gênero: Drama, Mistério. Nacionalidade: Brasil. Trilha Sonora Original: Uirá dos Reis e Fafa Nascimento. Mixagem: Paulo Gama. Direção de Fotografia: Linga Acácio. Direção de Arte: Taís Augusto. Som: Lucas Coelho. Montagem: Victor Costa Lopes, Guto Parente, Tais Auguto, Ticiana Augusto Lima. Figurino: Thaís de Campos. Produção: Ticiana Augusto Lima. Preparação de Elenco: Noá Bonoba. Empresa Produtora: Tardo Filmes. Distribuição: Embaúba Filmes. Duração:01h23min. 

A produção estréia nas cidades dSão Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Aracaju, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, João Pessoa, Porto Alegre, Recife, Vitória, Maceió, Londrina, Poços de Caldas e Afogados da Ingazeira esta quinta-feira (01/08). A partir da próxima semana que vem, o filme também chega as telas de Manaus, Niterói e Balneário Camboriú. 

Escrito por Wesley Pereira de Castro

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