quarta-feira, 18 de setembro de 2024

A Substância, de Coralie Fargeat


Talvez uma das estreias mais aguardadas do ano, A Substância, dirigido pela francesa Coralie Fargeat e protagonizado por Demi Moore, chega ao Brasil depois de vencer melhor roteiro na última edição do Festival de Cannes e causar frisson no evento. É provável que a película continue gerando reações extremas em função da radicalidade pela qual se apropria do chamado horror corporal ou body horror (subgênero do terror presente tanto no cinema como em outras artes). Cabe alertar que a obra não oferece uma experiência tranquila – em uma exibição na Holanda, por exemplo, 10% da plateia deixou a sessão de forma prematura, algumas pessoas chorando, e uma delas chegou a desmaiar.

Coralie cria A Substância como uma espécie de grito de protesto, de manifestação radical denunciando uma violência muito presente no nosso contexto atual – dominado pela lógica da beleza momentânea e fugidia diante das exigências do mercado, resultando no descarte do que é considerado “velho”. O filme reflete sobre a estranheza presente ao encararmos nossa própria imagem fundamentada num ideal. Incentivadas por um ambiente midiático dominado pela aparência (em particular nas redes sociais), as pessoas recorrem a atitudes extremas para se manter com milhares de seguidores e queridos por “likes”, em busca da popularidade.

Na trama, Elisabeth Sparkle (Demi Moore), apresentadora de um programa televisivo sobre aeróbica, se encontra numa situação difícil após a sua demissão soar como exclusão em função da sua idade. Sparkle sofre um acidente de carro e fica conhecendo uma substância que promete devolver a juventude a ela, alegando trazer uma nova versão sua “aperfeiçoada”.

É aí que surge Margaret Qualley interpretando a apresentadora mais jovem, tomada por sua necessidade de manter-se no programa, continuar famosa e querida pelo público. O produtor executivo da emissora, interpretado por Dennis Quaid, é uma figura bonachona e tosca, mais preocupado com a audiência e com índices de rentabilidade, encarna os interesses de lucro a despeito de qualquer consideração humana.

Trailer



Ficha Técnica
Título Original e Ano: The Substance, 2024. Direção e Roteiro: Colarie Fargeat. Elenco:  Demi Moore, Margaret Qualley, Dennis Quaid, Hugo Diego Garcia, Oscar Lesage, Alexandra Papoulias Barton, Joseph Balderrama, Tiffany Hofstetter, Gore Abrams, Oscar Salem, Robin Greer. Gênero: Horror, Drama. Nacionalidade: Reino Unido. Trilha Sonora Original: Raffertie. Edição: Jerome Eltabet, Coralie Fargeat e Valentin Féron. Fotografia: Benjamin Kracun. Design de Produção: Stanislas Reydellet. Direção de Arte: Sthépane Becimol, Arnaud Dennis, Gladys Garot. Figurino: Emmanuelle Youchnovski. Empresas Produtoras: Blacksmith e Working Title Films. Distribuição: Mubi e Imagem Filmes. Duração: 02h20min.

Existem, no entanto, diversas ponderações necessárias sobre  o longa-metragem para uma avaliação consistente. Primeiro, o fato do filme ser composto por uma miscelânea de referências diretas e indiretas, representando de forma escancarada algumas inspirações como A Mosca, de Cronenberg, O iluminado, de Stanley Kubrick (os visuais do corredor e do tapete são praticamente copiados), ou mesmo Cidade dos Sonhos, de David Lynch.

Segundo, a película recai numa excessiva tentativa de chocar e impactar, que se estabelece, algumas vezes, em sobreposição à narrativa da história do filme. Assim, acaba escorregando para o desconforto como um fim em si. Ao invés disso, o texto poderia contar ao espectador mais sobre a protagonista, sua história e seus relacionamentos (abordagem apenas esboçada pelo surgimento de um ex-colega de faculdade).

                         Crédito de Imagens: Mubi / Imagem Films / Blacksmith / Working Title Films / Divulgação 
A produção venceu o prêmio ''Midnight Madness'' por escolha popular no Festival de Toronto (TIFF) recentemente

É bem verdade, entretanto, que a relevância de A Substância acaba qualificando o filme: há certa inventividade na concepção do projeto. A insanidade pela qual alguns elementos são construídos apresenta originalidade irônica, como, por exemplo, a representação do grotesco enquanto forma de subversão. Ressaltam-se as críticas corrosivas à lógica da aparência e a imposição de padrões de beleza, em especial seus efeitos na subjetividade, resultando numa autopunição diante da não-correspondência.

Deve-se destacar também a boa atuação de Demi Moore. A Substância tem diversas cenas que demandam muita fisicalidade, baseiam-se na exposição da vulnerabilidade da personagem. Só na maquiagem, Moore chegou a ficar entre 6 a 9 horas, tamanho era o trabalho necessário. A atriz declarou seu nervosismo com relação às cenas de nudez aos 61 anos, mas creditou um papel decisivo a sua parceira Margaret Qualley, 29, na construção de um ambiente confortável em função da química entre as duas nas situações absurdas pela qual ambas estavam passando.

Coralie Fargeat é diretora, roteirista e também possuir trabalhos como assistente de direção. The Substance, título original do filme, é seu segundo longa, sendo o primeiro ''Revenge (2017). A cineasta possui em sua filmografia dois curtas e trabalhos em series para a tv, entre eles, a direção de um episódio da aclamada série da menina Netflix ''Sandman'' (2022).

Em resumo, na crítica de A Substância a uma lógica perversa, o filme constrói metáforas potentes, mas exagera na forma pela qual se apropria do tom para chocar, utilizando-se do gore e do horror corporal, ou até gutural. A história transita entre o humor ácido, a sátira, e o drama incômodo transformado em “monstruosidade”. É bom ir preparado ao cinema para uma experiência intensa, para dizer o mínimo.

Avaliação: Três doses de subversão (3/5).

19 de Setembro nos Cinemas

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Não Fale O Mal (2024)


''Não Fale o Mal'', longa dirigido por James Watkins (The Take), com produção da Universal Pictures e da Blumhouse Productions, chega as tela de todo o mundo esta semana. A trama, simples e crua, traz o casal estado-unidense Louise (Mackenzie Davis) e Ben Dalton (Scoot McNairy), que ao passar férias na Itália, após alguns meses morando em Londres, e acompanhados da filha Agnes (Alix West Lefler), conhecem Paddy (James McAvoy), Ciara (Aisling Franciosi) e seu filho Ant (Dan Hough), uma família inglesa super alto astral. Paddy e Ciara moram no interior e chegam a convidar os recém amigos para saírem um pouco da capital inglesa e passarem um tempo com eles aproveitando o que o campo tem de melhor. Louise e Ben vivem uma crise matrimonial motivada pela partida dos Estados Unidos e abandono do trabalho de Louise para dar suporte a Ben em seus planos de mudar de ares, mas que infelizmente não deu muito certo, pois o homem acabou sendo demitido. A mulher também é pega trocando mensagens com outro e deixa o marido ainda mais abalado. Assim, o convite, feito via carta, aparentemente é uma boa e esses desconhecidos, que foram tão legais com eles durante a viagem, parecem estar oferecendo uma saída para bons momentos ao ar livre e em grupo, enquanto os problemas ficariam em Londres. Acontece que a visita se torna um pesadelo quando Paddy e Ciara mostram um comportamento totalmente suspeito e seu ''filho'', um menino que não fala, está sempre cabisbaixo e tentando passar mensagens incompressíveis. 

O filme é um remake hollywoodiano da coprodução homônima produzida pela Dinamarca e Holanda, lançada em 2022, e dirigida por Christian Tafdrup. Speak No Evil, título original da obra, foi indicado a vinte e cinco prêmios em festivais de cinema ao redor do mundo e ganhou nove deles. O longa, com orçamento de três milhões de dólares, é falado em inglês e chegou a passar pelo renomado Festival de Sundance. Christian Tafdrup conta que a ideia para o filme surgiu após passar um verão na Itália com sua família onde fizeram amizade com um casal de holandeses e estes o enviarem um convite para irem visitá-los e se hospedarem em sua casa. O diretor não chegou a realizar a viagem, mas disse que o filme surge de algumas das concepções que ele teve sobre o resultado de uma possível ida a Holanda para ficar na casa de pessoas estranhas.

Na versão estado-unidense, o ator escocês James McAvoy assume o papel que foi do holandês Fedja Van Huêt, e tem uma performance vilanesca tão excelente quanto seu trabalho em ''Fragmentado'' (M. Night Shyamalan, 2016). A atriz norteamericana Mackenzie Davis, de ''Alguém Avisa?'' (2020) e ''Exterminador do Futuro: Destino Sombrio'' (2020) também se destaca pela forte atuação como uma mãe e esposa que não entende o comportamento dos supostos novos amigos e quer a todo custo ir embora dali. 

Trailer


Ficha Técnica
Título Original e Ano: Speak No Evil, 2024. Direção e Roteiro: James Watkins - adaptação do roteiro original escrito por Christian Tafdrup e Mads Tafdrup. Elenco: James McAvoy, Mackenzie Davis, Scoot McNairy, Aisling Franciosi, Alix West Lefler, Dan Hough, Kris Hitchen, Motaz Malhees. Gênero: Terror, Suspense, Drama. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Danny Bensi,  Saunder Jurriaans. Fotografia: Tim Maurice-Jones. Edição: Jon Harris. Direção de Arte: Adam A. Makin. Figurino: Keith Madden. Empresas Produtoras: Blumhouse Productions e Universal Pictures. Duração: 01h50min.  
Um dos suspenses mais aguardados do ano, Não Fale o Mal reflete sobre o comportamento egoísta e mesquinho do homem enquanto ser que firma um contrato social de civilidade. Aliás, não somente isto, mas também desumano e interesseiro. Algo que o contratualista Thomas Hobbes, invocava na publicação ''Leviatã'', de 1651, a ideia de que ''o homem é em sua essência mau e age por caminhos egoístas para atingir seus fortuitos''. Quem representa claramente tal concepção é o casal Paddy e Ciara. Enquanto as camadas que são adicionadas a trama aborda o matrimônio fragilizado de Ben e Louise e a criação da filha Agnes, que não se vê sem seu coelhinho e está a todo o tempo o perdendo. O pai da garota, que se acovarda em diversos momentos que deveria exibir altivez, se mostra indelicado com a filha, não entendendo a ligação dela com o bichinho de pelúcia. Não de forma exagerada, mas a mãe tenta ser mais ligada emocionalmente à menina e compreensiva as suas necessidades em fase de crescimento. Contudo, a ligação da pequena com o coelhinho costuma deixar a família em maus lençóis, até porquê com a sensação crescente de perigo durante a viagem, o objeto é usado contra eles para os prender no lugar.

O roteiro, que altera nomes dos personagens e mais algumas ''escolhas importantes'', como o final, vem forte e potente, mas consegue ser menos chocante do que o original. Algo que até mesmo o ator James McAvoy disse ter sentido após assistir a película, pós término do trabalho. Contudo, diante do trailer o espectador já consegue obter uma leva de informações impactantes e sentimentos de medo e agonia serão comuns ao assistir o filme.

Crédito de Imagens: © Universal Studios. All Rights Reserved.A produção foi rodada em Gloucester, no Reino Unido, mas contou com uma semana de filmagens   na Croácia.

Não Fale o Mal tem cenas fortes onde o personagem interpretado pelo ator mirim Dan Hough é abusado emocionalmente e, com o caminhar do película, também se assiste isto acontecer de forma física. O contexto chega revelar mais violência do que exatamente as cenas, afinal, é o garoto que poderá fazer algo para mudar o destino dos convidados dos ''pais''. Em certa cena, assim como no original, as duas crianças treinam uma dancinha para mostrar a todos e Paddy se torna violento com o garoto, por este último estar fora do ritmo, chamando a atenção de Ben e Louise com a criação nonsense que dão ao menino. Prévio a isto, Ciara, durante o almoço, começa a mandar na pequena Agnes e Louise pede que ela pare de tentar criar sua filha. Logo, a dupla sádica usa as palavras da mulher contra ela quando esta diz que eles estão errados em serem agressivos com o pequeno Ant. A tal chamada ''psicologia reversa'', mas usada de uma forma totalmente desequilibrada por Paddy e Ciara. Quando estão a sós, sabendo do abismo sentimental que Ben e Louise vivenciam, um teor sexual é inserido forçadamente para deixá-los constrangidos, pois não exatamente tem uma relação afetuosa mais.

                                                            Crédito de Imagens: © Universal Studios. All Rights Reserved.
''Não Fale o Mal'' (2024) contem treze minutos a mais do que o original.

James Watkins é diretor, roteirista e produtor. O remake é seu quarto filme e ele chegou a dirigir episódi-os de séries, entre elas, a bombada ''Black Mirror'' (Netflix - 2011 a 2023). Faz uma condução acertada da trama e, além de dirigir, é responsável pela adaptação do texto. O tom do longa tem uma crescente que se desenvolve muito bem. Desta forma, o inicio solar vai se modificando para dias sombrios e traze-ndo ao espectador uma sensação alarmante de perigo onde os personagens ''não chamam'' o mal, mas claramente conversam com ele e não percebem sua presença no caráter vil e ambicioso das pessoas.

As trilhas de suspenses costumam ou ser muito acertadas ou exageradas, aqui a ferramenta vem pontua-da pelo bom senso e as composições conseguem deixar a história caminhar por si só. Sem muito alarme e sons impactantes. 

Não Fale o Mal é uma das opções da ''semana do cinema'' que ocorre em todo o Brasil de 12 a 18 de    setembro onde os ingressos custam apenas R$12 reais. Mais do que isso, só um abraço apertado ao final da sessão.

Avaliação: Quatro avisos de perigo (4/5).

EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Um Silêncio, de Joachim Lafosse


Investigar conflitos e dramas familiares não é terreno novo para o diretor de Um Silêncio (2023), o belga Joachim Lafosse, presente em Cannes com filmes como Perder a Razão (Um certo olhar, 2008) e Economia do Amor (Quinzena dos realizadores, 2016). Na sequência inicial do mais recente longa do cineasta, o espectador tem conhecimento de um crime familiar por meio de um interrogatório de uma mãe chamada Astrid (Emmanuelle Devos), em enredo baseado no caso real envolvendo o pedófilo Marc Paul Alain Dutroux e o advogado de acusação Victor Hissel, papel de Daniel Auteuil

Boa parte da trama de Um Silêncio (2023), com um roteiro assinado por Lafosse em parceria com Chloé Duponchelle e Paul Ismael, consiste na tentativa de construção de fatos encadeadores desse mistério apresentado no início, mas reside também aí uma das suas fraquezas. A forma pela qual Lafosse se concentra em evidenciar as relações, o que acaba diluindo os conflitos. Os amantes de thrillers, por exemplo, podem argumentar a falta de construção de tensão e suspense no drama, artes nas quais não haveria ninguém comparável à Hitchcock.

A abordagem de Lafosse, sem dúvida, é mais sutil; e isso não é um problema em si. O filme abusa em closes nos personagens, em planos fechados recortando a nuca dos atores, bem como em sequências escuras; com o intuito, justamente, de ressaltar a existência de um segredo no universo daquela família.
O problema é que a narrativa se perde em flashbacks e focos narrativos procurando na “revelação” um guia para a trama. O título poderia ser o silêncio ou o segredo, e a forma genérica de nomear a obra não faria grande diferença como mote para a implosão do núcleo familiar.

Trailer



Ficha Técnica
Título original: A Silence, 2023. Direção: Joachim Lafosse. Roteiro: Joachim Lafosse, Thomas Van Zuylen. Elenco: Daniel Auteuil, Emmanuelle Devos, Matthieu Galloux, Jeanne Cherhal e Louise Chevillotte. Gênero: Drama, Thriller. Nacionalidade: Bélgica/França. Direção de fotografia: Jean-François Hensgens. Música: Ólafur Arnalds. Figurino: Isabelle Van Renterghem, Judith de Luze. Edição: Damien Keyeux. Produção: Vincent Canart, Anton Iffland Stettner, Éva Kuperman, Jani Thiltges, Antonino Lombardo, Régine Vial, Alexis Dantec. Empresas ProdutorasStenola Productions, Samsa Film, Les Films Du Losange, Prime Time. Distribuição: Imovision. Duração: 101 min. Classificação: 16 anos.
Mais uma vez Daniel Autueil (a quem associa-se, por suas similaridades, com o papel de Georges em Caché, produção de 2005) interpreta François, um sujeito amargurado, que esconde um segredo, um trauma no seu passado e que não deseja compartilhar. Semelhante frieza e mistério estão em outra interpretação do artista, no bom Um Coração no Inverno (1992).

No entanto, o potencial detestável do personagem se dispersa um pouco diante da narrativa proposta, sem que se possa conhecer melhor a relação entre público e privado mantida pela sua hipocrisia de fachada. Nem é muito crível o desenvolvimento da fama do personagem, com a presença da imprensa em frente à casa.

Há de se destacar, dentro da proposta da coprodução entre França, Bélgica e Luxemburgo, a aposta em planos-sequência, enquadramentos à distância, de forma observacional, como já é tradicional nas películas de Lafosse. O filme é predominantemente escuro, com os personagens circulando em meio ao breu, esgueirando-se para olhar pelas janelas: o voyeurismo dá o tom da relação entre os protagonistas e antagonistas e guia o “olhar” da câmera.

           Crédito de Imagens: Imovision / Divulgação Stenola Productions, Samsa Film, Les Films Du Losange, Prime Time
O longa recebeu indicações a prêmios nas edições de 2023 dos Festivais de Cinema de Roma e San Sebastián.

Soma-se a isso o tema delicado ao qual a produção se propõe a tratar, o que acaba em um não-contado entre pais e filhos, como um tabu na família, e a omissão acaba voltando como violência. Na vontade de criar conflitos e camadas, o filme acumula diversas questões que não são propriamente desenvolvidas (especialmente o subaproveitamento da personagem de Emmanuelle Devos).

François é então o centro da manutenção das aparências, pois, com sua influência, consegue prestígio e, com a “ajuda” da esposa, finge estar tudo bem. Aos poucos entende-se o que estava em jogo, e a relação da audiência com os personagens muda: os segredos surgem, na trama, para terminar em investigação policial.

No final, a incursão de Lafosse pelo terreno do policial e a mistura com o conflito familiar toma um rumo que, embora funcione em vários momentos, deixa a desejar em seu desenvolvimento. A sensação que se tem é de que a trama para quase pela metade, embora a condução particular do diretor se destaque de algum modo.

Avalição: Três interrogatórios cheios de revelações (3/5).

EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS

Meu Casulo de Drywall, de Caroline Fioratti


“As pessoas curtem as minhas fotos, mas ninguém gosta realmente de mim”! 


Há várias maneiras de montar o quebra-cabeça emocional proposto por este filme e, talvez,  a menos recomendada seja justamente aquela que parece direcionada pelo roteiro, que é o de reconstituir os eventos, a fim de solucionar como a protagonista Virgínia (Bella Piero) morreu. Desde o início, acompanhamos a trama em duas temporalidades simultâneas: de um lado, o passado recente, e os eventos que ocorreram na festa de aniversário da personagem citada; do outro, o presente imediato, concernente às reações de pessoas próximas quanto ao seu falecimento. Como pergunta a mãe da moça, Patrícia (Maria Luísa Mendonça), em determinado momento: “será que ninguém percebeu que ela estava morrendo?”… 

Se o título do filme, que menciona um sistema de construção a seco, não soa de todo atrativo, o currículo da diretora e roteirista Caroline Fioratti corrige este problema: responsável pelo interessantíssimo “Meus 15 Anos” (2017), ela reaproveita daquele filme a temática festiva e as condições favorecidas de classe de seus personagens. Porém, o tom é radicalmente distinto: ela adere por completo à depressão, não havendo alívio ou conforto, no desfecho. Virgínia foi apenas a primeira a optar pela abreviação da própria vida. As angústias de seus amigos são progressivas, na exposição de tormentos que parecem irremediáveis. 

Enfileirados em uma lista, eles são: o namorado de Virgínia, Nicollas (Michel Joelsas), filho de um general de comportamento agressivo e preconceituoso (interpretado por Marat Descartes), que suspeita de suas tendências homossexuais; a sua melhor amiga, Luana (Mari Oliveira), filha de uma mulher (Débora Duboc) sob contínuo tratamento psiquiátrico e é adepta da automutilação; e seu vizinho Gabriel (Daniel Botelho) costuma destruir as câmeras de vigilância do condomínio em que vivem, além de participar de fóruns suspeitos na internet, o que lhe conferiu o apelido de Gabin Laden. Cada qual a seu modo, eles caminham para o suicídio (ou para o homicídio em legítima defesa)…

Trailer


Ficha Técnica
Título Original e Ano: Meu Casulo de Drywall, 2023. Direção e Roteiro: Caroline Fioratti. Elenco: Maria Luisa Mendonça, Bella Piero, Michel Joelsas, Mari Oliveira, Daniel Botelho, Caco Ciocler, Débora Duboc, Flávia Garrafa, Marat Descartes, Lena Roque. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil. Direção de Fotografia: Helcio Alemão Nagamine. Montagem: Leopoldo Joe Nakata. Direção de Arte: Monica Palazzo. Figurino: César Martins. Caracterização: Natie Cortez. Som Direto: Fred França. Desenho de Som e Mixagem: Ricardo Reis. Supervisão de Edição de Som: Miriam Biderman. Música Original: Flavia Tygel. Produção de Elenco: Diogo Ferreira. Preparação de Elenco: Tomás Rezende. Direção de Produção: Lia Rezende. Produção Executiva: Rui Pires e André Montenegro. Produção: Aurora Filmes. Coprodução: Haikai Filmes. Produção: Rui Pires e André Montenegro. Coprodução: Caroline Fioratti. Distribuição: Gullane +. Duração: 01h55min.
Virgínia é filha de um juiz (Caco Ciocler) que trata a sua esposa com brutalidade, o que só não é pior porque ele costuma passar a maior parte do tempo em Brasília, onde atua profissionalmente. Entretanto, a relação entre Virgínia e sua mãe não é boa, pois esta compensa as surras que sofre através da hiperproteção em relação à sua filha: não quer que ela preste vestibular em Santa Catarina, por exemplo, o que deixará Luana bastante chateada, pois ambas fizeram planos de viajar e estudar juntas. Os flertes homoeróticos entre ambas são abundantes, aliás. 

Na primeira seqüência que protagonizam, percebe-se que há forte tensão entre Virgínia e Patrícia. A primeira insiste em ficar somente com seus amigos, em sua festa de aniversário, mas a segunda reluta que ela pratique traquinagens comuns a adolescentes, como se embebedar e/ou transar casualmente. Patrícia convence a sua empregada Silmara (Lena Roque) a vigiar Virgínia e, por conta disso, consente em deixá-la sozinha com os amigos, em seu apartamento. Mas, numa festa, em meio a luzes estroboscópicas e música altissonante, quem presta atenção a quem chora? 

Créditos de Imagens: Gullane+/Divulgação
‘Kids’, de Larry Clark, ''As Virgens Suicidas'', de Sofia Coppola e ''Elefante'', de Gus Van Sant são algumas das referências usadas por Caroline Fioratti para a produção do longa.


As quase duas horas de duração de “Meu Casulo de Drywall” (2023) são desconfortáveis, mas não cinematograficamente desagradáveis: graças a um excelente elenco juvenil, a um amontoado de premissas aflitivas e a uma trilha musical plangente – a cargo de Flávia Tygel –, este filme é exitoso ao fazer com que o público se projete nos dilemas de seus personagens, inclusive os adultos, de modo que é fácil criar empatia por eles, ainda que nem sempre se concorde com a maneira com que se comportam. Vide o desespero ofertante de Patrícia, perambulando pelas áreas de diversão de seu prédio, usando o vestido de sua filha e carregando o bolo de aniversário que a garota não escolheu! 

Tudo isso conduz o espectador ao que é mencionado no primeiro parágrafo deste texto: caso opte pelo mergulho teleológico na trama, algumas falhas e inverossimilhanças serão visíveis, principalmente no que diz respeito à ausência de interação com os demais moradores e funcionários do condomínio. Porém, deixando-se levar pelos embates circulares, pelos mistérios daqueles encontros permeados por muita toxicidade relacional, a audiência constatará a extrema inteligência e sensibilidade desta realizadora, que demonstra um afeto legítimo por sua atormentada protagonista, ainda que não seja capaz de salvá-la. Enquanto denúncia das hipocrisias dos “cidadãos de bem”, o filme é, também, muitíssimo pertinente. Um conjunto doloroso de advertências: que consiga alcançar o seu público! 

EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Kill - O Massacre do Trem, de Nikhil Nagesh Bhat


O cinema indiano de ação tem ganhado cada vez mais popularidade com o público. Com filmes carregados de cenas ambiciosamente bem-coreografadas cheias de pancadaria de qualidade, como o excelente épico de ação RRR (que levou até um Oscar de Melhor Canção Original em 2023), este filão conquistou espaço nos catálogos de serviços de streaming nos últimos anos. Hollywood não tardou a querer participar da onda. Farejando um potencial sucesso em bilheteria, a Lionsgate adquiriu os direitos de distribuição na América do Norte e no Reino Unido de ''Kill: O Massacre no Trem'', a promessa do momento. Tamanha é a expectativa com o longa, o estúdio já planeja um remake falado em Inglês co-produzido pela produtora Eightyseven North, responsável pela franquia John Wick. Agora chegou a vez do Brasil subir a bordo desta locomotiva.
 
Trailer 
 

Ficha Técnica
 
Título Original e Ano: Kill, 2023. Direção: Nikhil Nagesh Bhat. Roteiro: Nikhil Nagesh Bhat e Ayesha Syed. Elenco: Lakshya,  Raghav Juya, Tanya Maniktal, Abhishek Chauha, Ashish Vidyarth, Pratap Verm, Harsh Chhay, Adrija Sinh, Meenal Kapoor, Mukesh Chandelia, Madhu Raj. Genero: Ação,Crime, Thriller. Nacionalidade: India. Trilha Sonora Original: Haroon-Gavi, Vikram Montrose e Shashwat Sachdev. Fotografia: Rafey Mehmood. Design de Produção: Mayur Sharm. Direção de Arte: Tushar Kapoor e Sabyasachi Misr. Figurino: Rohit Chaturvedi. Empresas Produtoras: Dharma Productions e Eightyseven North. Distribuidora: Paris Filmes. Duração: 01h45min.
O soldado Amrit (Lakshya) é mais do que um rostinho bonito: ele é um homem apaixonado. Ao descobrir que sua amada Tulika (Tanya Maniktala), filha de um poderoso magnata, foi prometida em casamento a outro homem, ele embarca num trem em direção a Nova Deli, no qual estão a bordo a moça e sua família, com intenção de impedir a união arranjada. Quando um grupo de ladrões liderados pelo violento Fani (Raghav Juyal) anuncia um assalto e torna os passageiros reféns, Amrit e seu amigo Viresh (Abhishek Chauhan) tomam à frente para interceder pela segurança das demais pessoas a bordo. Uma brutal guerra sobre trilhos se inicia, e ninguém está a salvo.

Kill: O Massacre no Trem se inicia com um tom leve e até engraçado apresentando uma história melodramática de amor impossível bastante familiar ao público ocidental. Os elementos da trama de ação são introduzidos aos poucos, enquanto a tensão se adensa e os riscos vão se tornando claros. Quando um evento definidor marca de forma nada sutil o fim do 1º ato, a agressividade animalesca do protagonista, vivido pelo ator Lakshya, é despertada e o subtítulo brasileiro, apesar de reducionista, deixa explícito que não poderia ser mais preciso.
 
Crédito de Imagens:   © 2024 Lions Gate Entertainment INC / Dharma Productions e Eightyseven North
Quase 90% das cenas do filme são rodadas dentro do trem

Inspirado numa experiência vivida pelo próprio diretor Nikhil Nagesh Bhat, Kill: O Massacre no Trem não foi batizado assim à toa: a porradaria come solta da forma mais gráfica e explicitamente violenta possível. Efeitos práticos competentes e ótimas coreografias combinadas a um design de som pra lá de responsável resultam em cenas dotadas de um senso de fisicalidade ímpar: cada soco, chute ou facada é sentido com todo seu impacto e impetuosidade. Conforme o confronto entre os personagens se desenrola entre os vagões do trem e a contagem de corpos aumenta vertiginosamente, a brutalidade do espetáculo sangrento visto em tela choca e hipnotiza na mesma proporção.

Protagonistas brucutus fazendo justiça com as próprias mãos não são novidade no Cinema. Há décadas Hollywood ganha rios de dinheiro com o arquétipo de vigilante cidadão-de-bem que opera na zona cinza onde a lei não alcança. Mas o que vemos em Kill acaba por ultrapassar a pancadaria recreativa indiferente habitual desse tipo de filme. Os atos de Amrit por vezes flertam com o sadismo e seus métodos são tão cruéis (ou até mais) do que os daqueles considerados vilões da história. Curiosamente, os bandidos que ameaçam as vidas dos passageiros a bordo do trem ganham nuances interessantes, uma vez que o filme se preocupa em apresentar o background social que os obriga a recorrerem à criminalidade e cometerem assaltos em bando ao lado de seus familiares. É palpável o pesar sentido por eles quando seus companheiros de bando são brutalmente assassinados com requintes de crueldade pelo mocinho, motivado pela vingança. Em dado momento, a figura mais próxima de um antagonista clássico, o canastrão Fani, provoca o mocinho sanguinário com uma acusação metafísica: “Você não é um protetor, é um monstro!”. Ainda que tal reflexão provavelmente vá passar batido pelo público-alvo da obra, é uma surpresa ver um filme de Ação ousar questionar, mesmo que tão timidamente, os métodos de seu protagonista. Não que o discurso geral do roteiro deixe de tratar de forma maniqueísta a barbárie perpetrada por seu mocinho. Mas existe espaço suficiente para reconhecer como estes ditos atos de heroísmo podem ser indigestos.

Abraçando a hiperviolência como escolha estética, força-motriz e filosofia, a produção impressiona por seu primor técnico e seu banho de sangue bem coreografado.  A montagem ágil e trilha sonora pulsante tornam sua curta duração uma viagem de adrenalina, com respiros de impacto emocional seguidos de novas jornadas de pancadaria e punhaladas fatais. Um prato cheio para fãs do gênero de ação, com pitadas de subversão de expectativas e incontáveis litros de sangue.
 
HOJE NOS CINEMAS 

Os Fantasmas Ainda Se Divertem, de Tim Burton

 
O diretor Tim Burton  sempre quis retornar ao mundo de ''Beetlejuice'', ou para o bom português, ''Os Fantasmas Se Divertem'', filme de sua condução, lançado em 1988, com roteiro de Michael McDowell e Larry Wilson. Na trama, o jovem casal Adam (Alec Baldwin) e Barbara (Geena Davis) morre em um acidente de carro tolo e, ao se tornarem fantasmas, ficam aprisionados em sua casa no alto de uma montanha próximo a um vilarejo no interior dos Estados Unidos. A casa que sempre foi almejada pela corretora de imóveis Jane (Annie McEnroe) é vendida para Charles (Jeffrey Jones), um ricaço de Nova York que está em busca de relaxar e sair do centro do mundo. O homem muda com mala e cuia para o lugar e traz junto dele sua filha, a gótica Lydia (Winona Ryder), e também a nova esposa, a artista plástica Délia (Chaterine O'Hara). O casal de fantasmas faz de um tudo para que os novos moradores fiquem assustados e se mudem, mas tem pouco sucesso. Eles até tentam usar a ajuda do manual de mortos que recebem, mas se atrapalham e acabam invocando para o lugar a presença de um fantasma demoníaco chamado Beetlejuice (Michael Keaton). Politicamente incorreto, sacana e muito sádico, Beetlejuice não quer ajudar ninguém, mas, obviamente, engana quem lhe pede auxilio para que assim ele consiga o que quer, voltar a vida. O fim da jornada não acaba muito bem para ele e a família acaba se tornando até amiga dos fantasmas, já que Lydia consegue vê-los e se comunicar com eles. Divertido e de baixo custo (na época de sua realização custou quinze milhões de doláres), o filme se tornou um clássico dos anos 80 e foi reprisado milhares de vezes durante a ''sessão da tarde'' brasileira ao longo dos anos. Está disponível na HBOMAX e recentemente foi relançado nos cinemas brasileiros em comemoração a chegada do segundo filme.

Uma sequência vem sendo pensada desde o lançamento do primeiro filme, mas nos anos 2000 os papos de retornar ao universo Beetlejuice se tornaram forte e até a produtora de Brad Pitt se juntou ao projeto. Tim Burton sempre revelou que só voltaria se Michael Keaton topasse e o mesmo também fez seus pedidos: ''mais tempo de tela'', afinal, no primeiro filme, seu nome está no título, mas ele aparece menos do que os outros personagens. Definido novos roteiristas e pedidos aceitos, chegamos então a 2023 e o projeto finalmente foi rodado (e quase não finalizado, pois a greve dos atores se iniciou um dia antes do final das filmagens). Com título de ''Os Fantasmas Ainda Se Divertem'' no Brasil, o enredo agora vai em busca de como está a vida de Lydia, que se tornou apresentadora de um programa onde exibe ocorridos supernaturais em casas de outras pessoas e assim tenta ajudar quem pode. Sua filha Astrid (Jenna Ortega) não acredita muito nos poderes paranormais da mãe e sofre bullying na escola pelo enorme contato da família com o submundo. A madrasta de Lydia continua com seus trabalhos de artista plástica e estava prestes a abrir uma nova exposição quando o marido Charles decide ir viajar para a América do Sul e tem um fim trágico - o avião em que estava cai e ele sobrevive, mas é devorado por um tubarão. Assim as três precisam retornar a casa que deixaram em Winter River, Connecticut, para não só realizar o funeral, mas se despedir dos itens que Charles mais gostava. Nesse reencontro repentino da família Deetz a relação será testada, pois Astrid acabará sendo enganada por um garoto misterioso e só Lydia poderá tentar a socorrer.

Com muita nostalgia e um tantão de humor sátiro, Beatlejuice Beatlejuice, título do filme em inglês, chega as telas de todo o país com distribuição da magnânima Warner Bros Pictures. 

Trailer

Ficha Técnica
Título Original e Ano: Beetlejuice Beetlejuice, 2024. Diretor: Tim Burton. Roteiro: Alfred Gough e Miles Millar, com argumentos de  Alfred Gough, Miler Millar e Seth Grahama-Smith, baseado nos personagens criados por  Michael McDowell e Larry Wilson. Elenco: Michael Keaton, Winona Ryder, Chaterine O'Hara, Jenna Ortega, Justin Theroux, Willem Dafoe, Monica Bellucci, Arthur Conti, Danny DeVito, Santiago Cabrera, Burn Gorman, Nick Kellington. Gênero: Comédia, Fantasia, Horror. Nacionalidade: Estados Unidos da América. Trilha Sonora Original: Danny Elfman. Fotografia: Harris Zambarloukos. Edição: Jay Prychdny. Design de Produção: Mark Scruton.Figurino: Colleen Atwood.Direção de Arte:Nick Gottschalk. Distribuidora: Warner Bros Pictures Brasil. Duração: 01h44min.
O reencontro da família também é coroado pela presença do produtor do programa de Lydia, Rory (Justin Theroux). O homem está interessado em se casar com Lydia e não desgruda um instante da mulher. No entanto, ao chegar em Winter River, fica amedrontado com o que vê e ainda assim tenta romantizar a viagem fúnebre. Astrid questiona muito a mãe do porquê ela não tenta contatar o ex-marido, falecido ao vir para o Brasil com o desejo de salvar a Floresta Amazônica. Lydia tenta se explicar, mas a garota não entende e só pede a mãe que a deixe na casa desse jovem que conheceu há pouco e a convidou para passar o Halloween com ele. Sem saber muito do rapaz, Lydia leva então Astrid até a casa de Jeremy e logo descobre que deixou a vida da filha nas mãos erradas. Sem muito tempo a perder, vai a casa e vê que a filha foi ao mundo dos mortos com o garoto. Lembra que só quem poderia a ajudar a encontrar Astrid no submundo seria o fantasma mais mentiroso e sacana de todos e pronuncia então seu nome três vezes. Feliz em rever a quase ex-noiva, Beetlejuice decide ajudar, mas com a mesma condição da última vez, Lydia terá que se casar com ele. Até mesmo porquê ele precisa sair logo do submundo já que sua ex-mulher Delores (Monica Bellucci) está na sua caça. Contudo, tanto a ida de Astrid como de Lydia ao local onde fantasmas fazem a passagem causa estranheza e a polícia fantasmagórica, atráves do detetive Wolf Jackson (Willem Dafoe), corre atrás de Beetlejuice para intervir. Logo, a confusão está formada e até os conhecidos vermes de areia vão reaparecer na história. 

                          Créditos de Imagens: © 2024 Warner Bros. Entertainment Inc. All Rights Reserved.
O filme contou com pré estréias no México, Londres e também no Festival de Veneza, todas com a presença do elenco.

O primeiro longa é um primor de criatividade e ganha ainda mais louvor, pois o período em que foi lançado os estúdios ainda tentavam projetar seus filmes usando efeitos práticos e não detinham o poder do CGI. Muitas cenas ali são claramente filmadas em maquetes e até tal ''peculiaridade'' adiciona grandeza ao longa. Nesta sequência multimilionária, a equipe usa de efeitos práticos, mas com muito mais adendos e a direção de arte é grandiosa, tanto que os recursos e ferramentas são ampliados. Figurino, cenários, cabelo e maquiagem, tem esforço triplicado para trazer aos fãs a sensação nostálgica que o primeiro filme apresentou, porém, mais do que isto, o roteiro se desenvolve com o intuito de que o personagem do título tenha grandes momentos em cena e protagonize o filme com total relevância. Os fantasmas do primeiro filme que, diferente de Beetlejuice, continuaram sem caricaturas ao falecer e eram vividos por Geena Davis e Alec Baldwin não são vistos aqui, afinal, os atores envelheceram e por escolha criativa, os roteiristas não os mencionam. Assim, são os humanos que ganham a vez. Logo, eles não exatamente se aliam por vontade própria ao satírico Beetlejuice, mas entendem que é necessário pelo contexto das situações. A relação maternal entre Astrid e Lydia é reconstruída e até mesmo a relação entre Lydia e Delia tem uma reviravolta da qual não se esperava. Os personagens que somam a trama como Bob, o caçador que Beetlejuice encontra na sala de passagem, sua ex-noiva ou ainda o detetive Wolf Jackson, são camadas muito divertidas e que ganham força no terceiro ato. 

Michael Keaton revelou que foi super divertido voltar ao personagem e liberou ''o suco'' artístico como nunca antes. Está malucaço, sarcástico e sim totalmente incorreto. Winona Ryder aparece madura em tela, bem diferente de sua Lydia adolescente, ainda novinha e irritantemente necessária. Chatherine O'Hara volta aparece mais humana e menos intragável, talvez resultado do primeiro encontro com os fantasmas. No primeiro filme, assistimos os personagens dançarem e cantarem via manipulação de Adam e Barbara, neste, Beetlejuice é quem fica responsável por conduzir uma cena incrível onde Jenna Ortega, Catherine O'Hara, Burn Gorman e Winona Ryder fingem não saber o que estão fazendo quando performam uma canção na cena de quase-casamento entre Lydia e o fantasma malucão. Michael Keaton também arranca gargalhadas ao dublar ''Right Here Waiting'', de Richard Max. Jenna Ortega é um reflexo de quem Winona foi para os diretores dos anos 80 e 90 e sua participação no longa é perfeita. As garotas ''cool'' juntas, quem imaginaria? Mas Ortega vem trabalhando com Burton em ''Wandinha'' (Netflix), então é mais que acertado que ela esteja em mais uma produção com teor gótico. Por sua vez, o papel de Astrid quase foi de Chloë Grace Moretz.

A trilha sonora de Danny Elfman, que retorna a sua função de compositor, é estupenda e digna de maravilhamento para os fãs. A canção ''Banana Boat (Day-O)'', de Harry Belafonte, grande estrela no filme anterior, é performada agora por um coral de crianças durante o funeral de Charles e encanta mais uma vez por sua estranheza.

Tim Burton e o time de roteiristas conseguem construir uma trama que encanta pelo total protagonismo do personagem central e tudo que é novo engrandece a apresentação desta nova história. No Brasil, o ator Eduardo Sterblitch, que já viveu Beetlejuice na montagem brasileira de uma peça, foi chamado para dar voz ao fantasma loucão na versão dublada.

Avaliação: Três ticktets para o além (3/5).

See Ya!
B-

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