A Substância, de Coralie Fargeat


Talvez uma das estreias mais aguardadas do ano, A Substância, dirigido pela francesa Coralie Fargeat e protagonizado por Demi Moore, chega ao Brasil depois de vencer melhor roteiro na última edição do Festival de Cannes e causar frisson no evento. É provável que a película continue gerando reações extremas em função da radicalidade pela qual se apropria do chamado horror corporal ou body horror (subgênero do terror presente tanto no cinema como em outras artes). Cabe alertar que a obra não oferece uma experiência tranquila – em uma exibição na Holanda, por exemplo, 10% da plateia deixou a sessão de forma prematura, algumas pessoas chorando, e uma delas chegou a desmaiar.

Coralie cria A Substância como uma espécie de grito de protesto, de manifestação radical denunciando uma violência muito presente no nosso contexto atual – dominado pela lógica da beleza momentânea e fugidia diante das exigências do mercado, resultando no descarte do que é considerado “velho”. O filme reflete sobre a estranheza presente ao encararmos nossa própria imagem fundamentada num ideal. Incentivadas por um ambiente midiático dominado pela aparência (em particular nas redes sociais), as pessoas recorrem a atitudes extremas para se manter com milhares de seguidores e queridos por “likes”, em busca da popularidade.

Na trama, Elisabeth Sparkle (Demi Moore), apresentadora de um programa televisivo sobre aeróbica, se encontra numa situação difícil após a sua demissão soar como exclusão em função da sua idade. Sparkle sofre um acidente de carro e fica conhecendo uma substância que promete devolver a juventude a ela, alegando trazer uma nova versão sua “aperfeiçoada”.

É aí que surge Margaret Qualley interpretando a apresentadora mais jovem, tomada por sua necessidade de manter-se no programa, continuar famosa e querida pelo público. O produtor executivo da emissora, interpretado por Dennis Quaid, é uma figura bonachona e tosca, mais preocupado com a audiência e com índices de rentabilidade, encarna os interesses de lucro a despeito de qualquer consideração humana.

Trailer



Ficha Técnica
Título Original e Ano: The Substance, 2024. Direção e Roteiro: Colarie Fargeat. Elenco:  Demi Moore, Margaret Qualley, Dennis Quaid, Hugo Diego Garcia, Oscar Lesage, Alexandra Papoulias Barton, Joseph Balderrama, Tiffany Hofstetter, Gore Abrams, Oscar Salem, Robin Greer. Gênero: Horror, Drama. Nacionalidade: Reino Unido. Trilha Sonora Original: Raffertie. Edição: Jerome Eltabet, Coralie Fargeat e Valentin Féron. Fotografia: Benjamin Kracun. Design de Produção: Stanislas Reydellet. Direção de Arte: Sthépane Becimol, Arnaud Dennis, Gladys Garot. Figurino: Emmanuelle Youchnovski. Empresas Produtoras: Blacksmith e Working Title Films. Distribuição: Mubi e Imagem Filmes. Duração: 02h20min.

Existem, no entanto, diversas ponderações necessárias sobre  o longa-metragem para uma avaliação consistente. Primeiro, o fato do filme ser composto por uma miscelânea de referências diretas e indiretas, representando de forma escancarada algumas inspirações como A Mosca, de Cronenberg, O iluminado, de Stanley Kubrick (os visuais do corredor e do tapete são praticamente copiados), ou mesmo Cidade dos Sonhos, de David Lynch.

Segundo, a película recai numa excessiva tentativa de chocar e impactar, que se estabelece, algumas vezes, em sobreposição à narrativa da história do filme. Assim, acaba escorregando para o desconforto como um fim em si. Ao invés disso, o texto poderia contar ao espectador mais sobre a protagonista, sua história e seus relacionamentos (abordagem apenas esboçada pelo surgimento de um ex-colega de faculdade).

                         Crédito de Imagens: Mubi / Imagem Films / Blacksmith / Working Title Films / Divulgação 
A produção venceu o prêmio ''Midnight Madness'' por escolha popular no Festival de Toronto (TIFF) recentemente

É bem verdade, entretanto, que a relevância de A Substância acaba qualificando o filme: há certa inventividade na concepção do projeto. A insanidade pela qual alguns elementos são construídos apresenta originalidade irônica, como, por exemplo, a representação do grotesco enquanto forma de subversão. Ressaltam-se as críticas corrosivas à lógica da aparência e a imposição de padrões de beleza, em especial seus efeitos na subjetividade, resultando numa autopunição diante da não-correspondência.

Deve-se destacar também a boa atuação de Demi Moore. A Substância tem diversas cenas que demandam muita fisicalidade, baseiam-se na exposição da vulnerabilidade da personagem. Só na maquiagem, Moore chegou a ficar entre 6 a 9 horas, tamanho era o trabalho necessário. A atriz declarou seu nervosismo com relação às cenas de nudez aos 61 anos, mas creditou um papel decisivo a sua parceira Margaret Qualley, 29, na construção de um ambiente confortável em função da química entre as duas nas situações absurdas pela qual ambas estavam passando.

Coralie Fargeat é diretora, roteirista e também possuir trabalhos como assistente de direção. The Substance, título original do filme, é seu segundo longa, sendo o primeiro ''Revenge (2017). A cineasta possui em sua filmografia dois curtas e trabalhos em series para a tv, entre eles, a direção de um episódio da aclamada série da menina Netflix ''Sandman'' (2022).

Em resumo, na crítica de A Substância a uma lógica perversa, o filme constrói metáforas potentes, mas exagera na forma pela qual se apropria do tom para chocar, utilizando-se do gore e do horror corporal, ou até gutural. A história transita entre o humor ácido, a sátira, e o drama incômodo transformado em “monstruosidade”. É bom ir preparado ao cinema para uma experiência intensa, para dizer o mínimo.

Avaliação: Três doses de subversão (3/5).

19 de Setembro nos Cinemas

Escrito por Bruno Maya

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