Meu Casulo de Drywall, de Caroline Fioratti


“As pessoas curtem as minhas fotos, mas ninguém gosta realmente de mim”! 


Há várias maneiras de montar o quebra-cabeça emocional proposto por este filme e, talvez,  a menos recomendada seja justamente aquela que parece direcionada pelo roteiro, que é o de reconstituir os eventos, a fim de solucionar como a protagonista Virgínia (Bella Piero) morreu. Desde o início, acompanhamos a trama em duas temporalidades simultâneas: de um lado, o passado recente, e os eventos que ocorreram na festa de aniversário da personagem citada; do outro, o presente imediato, concernente às reações de pessoas próximas quanto ao seu falecimento. Como pergunta a mãe da moça, Patrícia (Maria Luísa Mendonça), em determinado momento: “será que ninguém percebeu que ela estava morrendo?”… 

Se o título do filme, que menciona um sistema de construção a seco, não soa de todo atrativo, o currículo da diretora e roteirista Caroline Fioratti corrige este problema: responsável pelo interessantíssimo “Meus 15 Anos” (2017), ela reaproveita daquele filme a temática festiva e as condições favorecidas de classe de seus personagens. Porém, o tom é radicalmente distinto: ela adere por completo à depressão, não havendo alívio ou conforto, no desfecho. Virgínia foi apenas a primeira a optar pela abreviação da própria vida. As angústias de seus amigos são progressivas, na exposição de tormentos que parecem irremediáveis. 

Enfileirados em uma lista, eles são: o namorado de Virgínia, Nicollas (Michel Joelsas), filho de um general de comportamento agressivo e preconceituoso (interpretado por Marat Descartes), que suspeita de suas tendências homossexuais; a sua melhor amiga, Luana (Mari Oliveira), filha de uma mulher (Débora Duboc) sob contínuo tratamento psiquiátrico e é adepta da automutilação; e seu vizinho Gabriel (Daniel Botelho) costuma destruir as câmeras de vigilância do condomínio em que vivem, além de participar de fóruns suspeitos na internet, o que lhe conferiu o apelido de Gabin Laden. Cada qual a seu modo, eles caminham para o suicídio (ou para o homicídio em legítima defesa)…

Trailer


Ficha Técnica
Título Original e Ano: Meu Casulo de Drywall, 2023. Direção e Roteiro: Caroline Fioratti. Elenco: Maria Luisa Mendonça, Bella Piero, Michel Joelsas, Mari Oliveira, Daniel Botelho, Caco Ciocler, Débora Duboc, Flávia Garrafa, Marat Descartes, Lena Roque. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil. Direção de Fotografia: Helcio Alemão Nagamine. Montagem: Leopoldo Joe Nakata. Direção de Arte: Monica Palazzo. Figurino: César Martins. Caracterização: Natie Cortez. Som Direto: Fred França. Desenho de Som e Mixagem: Ricardo Reis. Supervisão de Edição de Som: Miriam Biderman. Música Original: Flavia Tygel. Produção de Elenco: Diogo Ferreira. Preparação de Elenco: Tomás Rezende. Direção de Produção: Lia Rezende. Produção Executiva: Rui Pires e André Montenegro. Produção: Aurora Filmes. Coprodução: Haikai Filmes. Produção: Rui Pires e André Montenegro. Coprodução: Caroline Fioratti. Distribuição: Gullane +. Duração: 01h55min.
Virgínia é filha de um juiz (Caco Ciocler) que trata a sua esposa com brutalidade, o que só não é pior porque ele costuma passar a maior parte do tempo em Brasília, onde atua profissionalmente. Entretanto, a relação entre Virgínia e sua mãe não é boa, pois esta compensa as surras que sofre através da hiperproteção em relação à sua filha: não quer que ela preste vestibular em Santa Catarina, por exemplo, o que deixará Luana bastante chateada, pois ambas fizeram planos de viajar e estudar juntas. Os flertes homoeróticos entre ambas são abundantes, aliás. 

Na primeira seqüência que protagonizam, percebe-se que há forte tensão entre Virgínia e Patrícia. A primeira insiste em ficar somente com seus amigos, em sua festa de aniversário, mas a segunda reluta que ela pratique traquinagens comuns a adolescentes, como se embebedar e/ou transar casualmente. Patrícia convence a sua empregada Silmara (Lena Roque) a vigiar Virgínia e, por conta disso, consente em deixá-la sozinha com os amigos, em seu apartamento. Mas, numa festa, em meio a luzes estroboscópicas e música altissonante, quem presta atenção a quem chora? 

Créditos de Imagens: Gullane+/Divulgação
‘Kids’, de Larry Clark, ''As Virgens Suicidas'', de Sofia Coppola e ''Elefante'', de Gus Van Sant são algumas das referências usadas por Caroline Fioratti para a produção do longa.


As quase duas horas de duração de “Meu Casulo de Drywall” (2023) são desconfortáveis, mas não cinematograficamente desagradáveis: graças a um excelente elenco juvenil, a um amontoado de premissas aflitivas e a uma trilha musical plangente – a cargo de Flávia Tygel –, este filme é exitoso ao fazer com que o público se projete nos dilemas de seus personagens, inclusive os adultos, de modo que é fácil criar empatia por eles, ainda que nem sempre se concorde com a maneira com que se comportam. Vide o desespero ofertante de Patrícia, perambulando pelas áreas de diversão de seu prédio, usando o vestido de sua filha e carregando o bolo de aniversário que a garota não escolheu! 

Tudo isso conduz o espectador ao que é mencionado no primeiro parágrafo deste texto: caso opte pelo mergulho teleológico na trama, algumas falhas e inverossimilhanças serão visíveis, principalmente no que diz respeito à ausência de interação com os demais moradores e funcionários do condomínio. Porém, deixando-se levar pelos embates circulares, pelos mistérios daqueles encontros permeados por muita toxicidade relacional, a audiência constatará a extrema inteligência e sensibilidade desta realizadora, que demonstra um afeto legítimo por sua atormentada protagonista, ainda que não seja capaz de salvá-la. Enquanto denúncia das hipocrisias dos “cidadãos de bem”, o filme é, também, muitíssimo pertinente. Um conjunto doloroso de advertências: que consiga alcançar o seu público! 

EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS

Escrito por Wesley Pereira de Castro

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