Um Silêncio, de Joachim Lafosse


Investigar conflitos e dramas familiares não é terreno novo para o diretor de Um Silêncio (2023), o belga Joachim Lafosse, presente em Cannes com filmes como Perder a Razão (Um certo olhar, 2008) e Economia do Amor (Quinzena dos realizadores, 2016). Na sequência inicial do mais recente longa do cineasta, o espectador tem conhecimento de um crime familiar por meio de um interrogatório de uma mãe chamada Astrid (Emmanuelle Devos), em enredo baseado no caso real envolvendo o pedófilo Marc Paul Alain Dutroux e o advogado de acusação Victor Hissel, papel de Daniel Auteuil

Boa parte da trama de Um Silêncio (2023), com um roteiro assinado por Lafosse em parceria com Chloé Duponchelle e Paul Ismael, consiste na tentativa de construção de fatos encadeadores desse mistério apresentado no início, mas reside também aí uma das suas fraquezas. A forma pela qual Lafosse se concentra em evidenciar as relações, o que acaba diluindo os conflitos. Os amantes de thrillers, por exemplo, podem argumentar a falta de construção de tensão e suspense no drama, artes nas quais não haveria ninguém comparável à Hitchcock.

A abordagem de Lafosse, sem dúvida, é mais sutil; e isso não é um problema em si. O filme abusa em closes nos personagens, em planos fechados recortando a nuca dos atores, bem como em sequências escuras; com o intuito, justamente, de ressaltar a existência de um segredo no universo daquela família.
O problema é que a narrativa se perde em flashbacks e focos narrativos procurando na “revelação” um guia para a trama. O título poderia ser o silêncio ou o segredo, e a forma genérica de nomear a obra não faria grande diferença como mote para a implosão do núcleo familiar.

Trailer



Ficha Técnica
Título original: A Silence, 2023. Direção: Joachim Lafosse. Roteiro: Joachim Lafosse, Thomas Van Zuylen. Elenco: Daniel Auteuil, Emmanuelle Devos, Matthieu Galloux, Jeanne Cherhal e Louise Chevillotte. Gênero: Drama, Thriller. Nacionalidade: Bélgica/França. Direção de fotografia: Jean-François Hensgens. Música: Ólafur Arnalds. Figurino: Isabelle Van Renterghem, Judith de Luze. Edição: Damien Keyeux. Produção: Vincent Canart, Anton Iffland Stettner, Éva Kuperman, Jani Thiltges, Antonino Lombardo, Régine Vial, Alexis Dantec. Empresas ProdutorasStenola Productions, Samsa Film, Les Films Du Losange, Prime Time. Distribuição: Imovision. Duração: 101 min. Classificação: 16 anos.
Mais uma vez Daniel Autueil (a quem associa-se, por suas similaridades, com o papel de Georges em Caché, produção de 2005) interpreta François, um sujeito amargurado, que esconde um segredo, um trauma no seu passado e que não deseja compartilhar. Semelhante frieza e mistério estão em outra interpretação do artista, no bom Um Coração no Inverno (1992).

No entanto, o potencial detestável do personagem se dispersa um pouco diante da narrativa proposta, sem que se possa conhecer melhor a relação entre público e privado mantida pela sua hipocrisia de fachada. Nem é muito crível o desenvolvimento da fama do personagem, com a presença da imprensa em frente à casa.

Há de se destacar, dentro da proposta da coprodução entre França, Bélgica e Luxemburgo, a aposta em planos-sequência, enquadramentos à distância, de forma observacional, como já é tradicional nas películas de Lafosse. O filme é predominantemente escuro, com os personagens circulando em meio ao breu, esgueirando-se para olhar pelas janelas: o voyeurismo dá o tom da relação entre os protagonistas e antagonistas e guia o “olhar” da câmera.

           Crédito de Imagens: Imovision / Divulgação Stenola Productions, Samsa Film, Les Films Du Losange, Prime Time
O longa recebeu indicações a prêmios nas edições de 2023 dos Festivais de Cinema de Roma e San Sebastián.

Soma-se a isso o tema delicado ao qual a produção se propõe a tratar, o que acaba em um não-contado entre pais e filhos, como um tabu na família, e a omissão acaba voltando como violência. Na vontade de criar conflitos e camadas, o filme acumula diversas questões que não são propriamente desenvolvidas (especialmente o subaproveitamento da personagem de Emmanuelle Devos).

François é então o centro da manutenção das aparências, pois, com sua influência, consegue prestígio e, com a “ajuda” da esposa, finge estar tudo bem. Aos poucos entende-se o que estava em jogo, e a relação da audiência com os personagens muda: os segredos surgem, na trama, para terminar em investigação policial.

No final, a incursão de Lafosse pelo terreno do policial e a mistura com o conflito familiar toma um rumo que, embora funcione em vários momentos, deixa a desejar em seu desenvolvimento. A sensação que se tem é de que a trama para quase pela metade, embora a condução particular do diretor se destaque de algum modo.

Avalição: Três interrogatórios cheios de revelações (3/5).

EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS

Escrito por Bruno Maya

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