“A chuva está vindo/ A paz está vindo/ Se Allah quiser...”
As imagens iniciais deste filme, de caráter onírico, prometem uma narrativa fabular: os dois personagens mencionados no título relembram histórias de tempos antigos, em que seus ancestrais eram reis. Há algo de realismo mágico, que ameaça se instalar em mais de uma seqüência (vide a revoada de pássaros, por exemplo), mas, ao invés disso, a diretora estreante Ramata-Toulaye Sy opta por um anti-romance, quase tão errante quanto a personagem feminina…
Em meio a uma estiagem prolongada, que começa a matar de sede o gado dos aldeões, descobrimos que o jovem Adama (Mamadou Diallo), com apenas dezenove anos de idade, foi escolhido para ser o novo chefe daquela região remota, no Norte do Senegal. Ele declina dessa decisão, entretanto: seguindo a tradição muçulmana, ele aceita se casar com Banel (Khady Mane), viúva de seu irmão, depois que este morre ao cair de um poço, mas não deseja ocupar o posto que ele ocupava na aldeia. Não obstante Adama estar efetivamente apaixonado por Banel, o fato de ela não engravidar faz com que seus parentes e vizinhos desconfiem dessa união, acreditando que a teimosia dela está desencadeando as mazelas trazidas pela seca prolongada.
Irmã gêmea do religioso Racine (Moussa Sow), Banel é hostilizada por todos ao seu redor: ela é acusada de ser a responsável pela mudança comportamental de Adama, que ignora a obrigação conferida à sua linhagem familiar. Para piorar, ela insiste em habitar numa casa que está soterrada pela areia, e que muitos consideram amaldiçoada. Adama, de fato, apóia estas decisões, mas começa a enfrentar um dilema atroz, à medida que as vacas da aldeia perecem, por conta do calor excessivo. Ele precisa cuidar do rebanho em tempo integral, o que o afasta de Banel, sobretudo à noite, de modo que ela se sente progressivamente rejeitada.
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: Banel & Adama, 2023. Direção e Roteiro: Ramata-Toulaye Sy. Elenco: Khady Mane, Mamadou Diallo, Binta Racine Sy, Moussa Sow, Ndiabel Diallo, Oumar Samba Dia, Nima Ba, Chérif Diallo, Amadou Ndiaye. Gênero: Drama. País: França, Mali, Catar e Senegal. Direção de fotografia: Amine Berrada. Música: Bachar Khalifé. Edição: Vincent Tricon. Figurino: Mariam Diop. Direção de Arte: Mathé. Distribuição: Imovision. Produção: La Chauve-Souris (The Pirogue), Take Shelter, Astou Production. Tempo: 87min. Classificação: 14 anos
Permeada por alguns sonhos premonitórios, a trama deste filme é favorecida por um excelente desenho sonoro e por elaborados efeitos visuais. Com seu estilingue, Banel atinge fatalmente pássaros e lagartos, e sente-se traída por Adama, quando ele é convencido a, finalmente, aceitar o seu destino grupal. As imagens turvas do início retornam no desfecho, explicadas enquanto desafio a ser enfrentado por uma mulher que não se sente à vontade entre as suas companheiras de gênero: ao invés de trabalhar nas lavouras e rezar para que chova, Banel prefere cavar, a fim de obter uma residência própria, para a qual possa evadir-se a qualquer momento…
Não obstante o argumento tender para um viés particular de feminismo, em que Banel desafia as convenções de seu povo, algo na construção desta personagem soa irritante, no sentido de que ela age de maneira egoísta, ao exigir que Adama passe mais tempo consigo, mesmo percebendo que, de fato, o gado sofre por causa da falta de água. Ele faz o possível para não desagradá-la, mas o fato de Banel não ter amigos dificulta o entendimento entre os dois. Que Adama chame a atenção amorosa de outra rapariga só piora a situação de sua esposa!
Crédito de Imagens: Imovision / Divulgação / La Chauve-Souris, Take Shelter, Astou Production.
O longa passou por inúmeros festivais de cinema e conseguiu ser indicado a doze prêmios, vencendo dois deles. A produção também foi a escolha de Senegal para competição no Oscar deste ano.
Muitíssimo bem fotografado e interpretado com sinceridade, “Banel & Adama” (2023) soa um tanto repetitivo, malgrado a sua curta duração (apenas uma hora e vinte e sete minutos). Na maior parte do tempo, testemunhamos Banel encarando o seu marido, bem como os familiares dele e dela, de maneira encolerizada, irritando-se até mesmo com um garotinho que passa os dias escrevendo. Ela também faz isso, mas limita-se a redigir o seu nome e o de seu amado, inúmeras vezes, sendo dela as letras que ilustram o crédito titular.
As imagens do filme, a cargo do diretor de fotografia marroquino Amine Berrada, são repletas de fascínio e significados ocultos (pensemos na cena em que Banel cospe diversas vezes numa mosca morta), mas o pessimismo do enredo parece confirmar os sortilégios direcionados ao casal, quando desobedecem àquilo que é esperado deles. Poucas situações são desenvolvidas no roteiro, de autoria de sua diretora, e, ao final, o filme destaca-se muito mais por seu exotismo que pela autenticidade, pelas metanarrativas anunciadas através das estórias entrecruzadas. Em múltiplos sentidos, o filme decepciona, tanto quanto ocorre em relação a Banel, nos dois matrimônios que contrai, através de acordos alheios. Resta – a ela e aos espectadores – esperar a chuva, que não vem…
HOJE NOS CINEMAS
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