quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Inverno em Paris, de Christophe Honoré

 

“Minha vida tornou-se uma fera selvagem – e, sempre que eu tento me aproximar dela, ela ameaça me morder”!


Quando os cinéfilos internacionais descobriram o romantismo livre de Christophe Honoré, em filmes como “Em Paris” (2006) e “Canções de Amor” (2007), que homenageiam a Nouvelle Vague, ficaram encantados: ele já havia realizado uma interessantíssima adaptação de uma obra de Georges Bataille [“Minha Mãe” (2004)], mas foi a musicalidade das obras supracitadas que fez com que a crítica se apressasse em identificar um novo autor cinematográfico francês, confirmado no mergulho depressivo que é “A Bela Junie” (2008). Os filmes mais recentes deste diretor, entretanto, soam cada vez mais decepcionantes, como se ele não soubesse qual tratamento narrativo conceder aos seus personagens e situações. Infelizmente, é o que se comprova neste tedioso “Inverno em Paris” (2022). 

Protagonizado por um magistral Paul Kircher – sem dúvida, um dos atores mais promissores da nova geração francófona –, este filme, em seu título original, o escolhe como tal, já que fala sobre o cotidiano do interno de um liceu, que, de repente, recebe a notícia de que seu pai morreu num acidente automobilístico. Filmado durante a pandemia da COVID-19, nas seqüências em que há muita gente contracenando (na escola e nos transportes públicos, sobretudo), os atores utilizam máscaras faciais. O que só enfatiza o quão expressivo são os olhos do jovem ator em pauta!

Paul Kircher vivifica Lucas, um rapaz de dezessete anos de idade que, diante de um fundo negro, revela dificuldades para iniciar a sua história: vemo-lo viajar de carro com a sua mãe Isabelle (interpretada por uma automática Juliette Binoche) e trocar carícias mais ousadas com o colega Oscar (Adrien Casse). Num ‘flashback’, ele confessa que já tivera uma previsão de que seu pai (interpretado pelo próprio diretor) morreria a qualquer momento, mas ele lamenta não ter concedido a devida importância a esta situação. Até que a tragédia desencadeia relações forçadas entre ele e seu irmão Quentin (Vincent Lacoste). 

Depois de uma briga repentina com este irmão, Lucas é convidado a passar uma semana na capital francesa, sendo que Quentin lhe explica, de antemão, que não terá muito tempo para cuidar dele, pois estará ocupado com a organização de uma exposição artística. Em Paris, Quentin vive com o também artista Lilio (Erwan Kepoa Falé), que precisa trabalhar estacionando carros numa estação, a fim de conseguir se estabelecer na capital francesa. Aparentemente, Lucas apaixonar-se-á por ele, a despeito da diferença de mais de dez anos entre ambos… 

Trailer



Ficha Técnica

Título Original e Ano: Le Lycéen, 2022. Direção e Roteiro: Christophe Honoré. Elenco: Juliette Binoche, Vicent Lacost, Paul Kircher, Erwan Kepoa Falé, Adrien Casse,  Elliot Jenicot,  Pascal Cervo, Anne Kessler, Lawa Fauquet, Mateo Demúrtas, Christophe Honoré, Antoine Matanovic, Lancelot Jardin. Gênero: Drama. Nacionalidade: França. Trilha sonora: Yoshihiro Hanno. Diretor de fotografia: Rémy Chevrin, AFC. Diretor de arte: Jérémy Streliski. Figurino: Pascaline Chavanne. Montagem: Chantal Hymans. Técnico de som: Guillaume Le Braz. Editor de som: Valérie De Loof. Mixer: Thomas Gauder. Produtor de elenco: Léolo Victor-Pujebet. Assistente de direção: Julie Gouet. Diretor de produção: Nicolas Leclere. Produção: Philippe Martin & David Thion. Empresas Produtoras: Les Films Pelléas, France 2 Cinéma, Auvergne Rhône-Alpes Cinéma. Distribuição: Pandora Filmes. Duração: 02h02min.

Crente de que seu falecido pai não gostava muito dele por ter descoberto a sua homossexualidade desde a infância, Lucas não consegue lidar com os sentimentos contraditórios que manifesta em relação ao luto, aproveitando a sua estadia em Paris para envolver-se sexualmente com homens de quem sequer sabe o nome. Ao se despedir de Oscar, antes de viajar, ele afirma que, daquele momento em diante, “terá de sacrificar o amor”. Mas este é um sentimento que ressoa intensamente em todas as obras deste cineasta, não obstante a irregularidade e/ou a miscelânea de gêneros de algumas delas. 

Crédito de Imagens: Pandora Filmes / Divulgação /  Les Films Pelléas, France 2 Cinéma, Auvergne Rhône-Alpes Cinéma
Christophe Honoré tem em sua filmografia cerca de vinte trabalhos como diretor. Sendo curtas, longas, filmes para a tevê e também clipes musicais.


Os instantes em que Lucas ocupa de maneira hiperativa a tela são prenhes de fascínio, mas, infelizmente, a participação de Vincent Lacoste como seu irmão é sobremaneira desagradável, sem vigor, insuportável mesmo! A insistência do enredo nas reflexões sobre a morte do pai parecem justificadas por alguma obsessão autobiográfica, o que é explicitado na dedicatória dos créditos finais, ao pai de Christophe Honoré. Será que ele realizou este filme para expurgar seus fantasmas familiares? A intenção pode ter sido ótima, mas o filme opta por um percurso emocionalmente anódino, que desperdiça os enormes talentos envolvidos e que se revela particularmente moroso em sua metade final, sobretudo depois que Lucas é hospitalizado. Um filme muitíssimo aquém do que o  realizador demonstrara anteriormente!

No afã por encontrar aspectos dignos de boa nota neste filme, destacamos a habilidade do diretor na utilização de canções para externar aquilo que os personagens querem dizer. Como exemplos proveitosos, temos a execução de “Electricity”, da banda de ‘new wave’ britânica Orchestral Manoeuvres in the Dark, que surge em mais de uma situação, e os momentos em que Lucas e Lilio dedilham cantigas italianas no violão. Porém, a exposição das bravatas sexuais de um personagem menor de idade atinge píncaros bastante problemáticos, no sentido de que há uma fetichização excessiva de sua nudez. A semi-alinearidade dos relatos do protagonista não conseguem fisgar a contento a nossa disposição espectatorial, mas a mudança de perspectiva narrativa, que ocorre no desfecho, é sagaz. Pena que a memória daquele pai – ao menos, do modo como é confeccionado o roteiro – não parece merecedor de tanto chororô. Para quem se identifica com os dilemas mostrados no filme, ele funcionará; em caso contrário, a experiência será fastidiosa, dado o frenesi da obra para chamar a atenção…

HOJE NOS CINEMAS 

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