quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Termodielétrico, de Ana Costa Ribeiro


“Uma descoberta vale a vida de um homem?”


Para quem tem receio de mergulhar nos meandros da Física, um aviso importante: este filme é muito mais uma declaração de amor, por parte da neta diretora, ao seu avô célebre que uma explicação do fenômeno titular. Mas, obviamente, convém explanar, de antemão, a que se refere “Termodielétrico” (2023, de Ana Costa Ribeiro): segundo a descoberta de Joaquim da Costa Ribeiro [1906-1950], o efeito termodielétrico surge a partir da percepção de correntes elétricas durante as mudanças de estado físico de alguns materiais, como a cêra de carnaúba, pesquisada diretamente pelo cientista. Mas, insistimos, o filme não é apenas sobre isso… 

Narrado de maneira ensaística, pela própria diretora – que se revela obcecada pelas capacidades da memória, em homenagem à deusa grega Mnemosine –, este filme começa com a leitura de uma carta de Joaquim da Costa Ribeiro para o pai da diretora, que acabara de reprovar em seus exames de admissão universitária. O cientista – que estava em Viena, capital da Áustria, naquele momento – fala para o seu filho que “o valor não se mede pelo êxito alcançado, mas pelo esforço realizado”. Esta exortação às potências da experiência abarcará todo o documentário. 

Em pouco mais de setenta minutos de duração, Ana Costa Ribeiro lê cartas de amor, recita poemas, mostra fotografias e gravações familiares, reaproveita filmagens de Humberto Mauro [1897-1983] em cidades brasileiras, visita museus, presta reverência à física e química Marie Curie [1867-1934] e agradece ao Tempo pela convivência, à distância, com seus entes queridos. Num dos momentos mais bonitos, ela mostra alguns minerais radioativos e, ao declarar que o seu favorito é a ametista, ela vocaliza um texto de Emily Dickinson [1830-1886], que menciona o referido cristal. 

Trailer


Ficha Técnica
Título Original e Ano: Termodielétrico, 2023. Direção e Roteiro: Ana Costa Ribeiro. Gênero: Documentário. Nacionalidade: Brasil. Fotografia: Ana Costa Ribeiro e Pepê Schettino. Montagem: Ana Costa Ribeiro. Som: Danilo Carvalho. Desenho de Som: O Grivo. Música: O Grivo. Produtor: Ana Costa Ribeiro. Produção: Gaivota Studios. Distribuidora: Embaúba Filmes. Duração: 72min. Classificação Livre.

Quando explica que, por muitos anos, seu avô esteve viajando pela Europa e pelos Estados Unidos da América, fazendo conferências sobre as suas descobertas, enquanto a sua avó ficava em casa, no Brasil, cuidando de seus nove filhos, a diretora narra isso de maneira romantizada, enfatizando o desejo de ambos os apaixonados por se reencontrarem, o que é hipertrofiado através do conteúdo de cartas sensuais da esposa de Joaquim da Costa Ribeiro. Mas isso deixa em evidência também o sobejo de indulgência em relação a aspectos que, hoje, identificam elementos do machismo estrutural e da branquitude. Trata-se de um filme que não esconde o seu pendor classista, por mais que se apele para o carinho demonstrado pelos envolvidos. 

A narração, aliás, é bastante digressiva: de explicações físicas precisas passa-se para comentários sobre a formação acadêmica dos parentes da diretora e para um apotegma do realizador Jean-Luc Godard [1930-2022] sobre a possibilidade e importância de misturar tudo (cinema, ciências, artes) no dia a dia. Neste sentido, a recorrência discursiva de frases como “depois eu falo sobre isso” cansa um pouco o espectador, ainda que estas revelações valham muito a pena, depois que são desvendadas, como quem era o décimo filho de sua avó ou “a única imagem” constante da segunda viagem de navio de sua família. O difícil é conseguir lembrar de tudo! 

Crédito de Imagens: Embaúba Filmes / Divulgação
O longa esteve nas edições anteriores da Mostra SP e do Festival do Rio. Além disso, estrou no IDFA, na Holanda, na Envision Competition (mostra dedicada a filmes com experimentação de linguagem).

Poético e sensível, este documentário funcionará bastante entre aqueles que admiram a filmografia de Petra Costa, por exemplo, visto que até mesmo o tom de voz da diretora possui algumas similaridades com as inflexões empostadas e eventualmente embargadas desta documentarista. Ao término, aprendemos sobre pesquisas brasileiras pioneiras e cotejamos as nossas próprias experiências familiares, quanto ao que é mostrado em vários momentos das décadas de 1940 e 1950: o trecho sobre o impacto traumático das bombas atômicas despejadas em Hiroshima e Nagazaki, no final da II Guerra Mundial, no que tange à consciência dos físicos, é particularmente interessante! 

A diretora é diretamente responsável pela fotografia de diversos segmentos (em Estados como Piauí, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro) e a banda mineira experimental O Grivo ficou a cargo da trilha musical e do desenho de som. Tecnicamente, o filme é bem realizado e, a despeito das questões identitaristas supramencionadas, o filme é sincero naquilo que compartilha: parabenizamos a diretora pela disposição em vasculhar tantos arquivos e demonstrar que emoção e cientificismo nem sempre são excludentes!

HOJE NOS CINEMAS

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