Terrifier 3, de Damien Leone

 
O Natal chegou mais cedo esse ano. Antecipando a data-mor cristã para o mês do Halloween, o 3º longa da franquia Terrifier desembarca nos cinemas prometendo repetir (e se desafiando a superar) as doses cavalares de violência gráfica cometidas pelo palhaço-mímico-psicopata-demônio Art.

Com o auxílio de Victoria (Samantha Scaffidi), única sobrevivente do filme original, agora possuída por uma entidade maligna, Art, o Palhaço (David Howard Thornton), renasce... de forma desconfortavelmente literal. A dupla passa a espalhar o terror por onde passa, e a vida de ninguém que estiver em seu caminho será poupada. Paralelamente a isso, acompanhamos a sobrevivente Sienna (Lauren LaVera) tentando reconstruir sua vida após os acontecimentos de Terrifier 2. Recém-saída de uma clínica psiquiátrica, ela é recebida na casa de seus tios e tem dificuldades em lidar com o sentimento de culpa pelas mortes de pessoas queridas no episódio traumático do qual saiu com vida. Seu irmão Jonathan (Elliott Fullam) parece estar encarando melhor a situação: agora na faculdade, tenta levar uma rotina normal para fugir das lembranças aterrorizantes que o marcaram para sempre. Quando mortes brutais começam a ocorrer cada vez mais perto de seu novo bairro, Sienna percebe que é apenas questão de tempo até Art cruzar seu caminho mais uma vez.

Desde sua grotesca cena de abertura, Terrifier 3 já dá uma boa amostra do grau de violência que pretende oferecer. A teatralidade das peripécias sangrentas do palhaço Art continua desafiando todos os limites do aceitável. Art é antagonista e ao mesmo tempo co-protagonista. Enquanto o longa mostra as desventuras pós-traumáticas de Sienna, Art tem seu próprio arco independente, quase um spin-off dentro do próprio filme. É uma espécie de construção de personagem... baseada na destruição de outros personagens. Os trejeitos de mímico do aterrorizante palhaço conferem o mínimo de identidade ao figurão que ele é, mesmo que o material oferecido ao intérprete não seja lá muito complexo. A atuação silenciosa e bastante física de David Howard Thornton é o cerne do que, pro bem ou pro mal, torna o ''vilão'' um ícone moderno do Horror. Ao mesmo tempo, Sienna ganha nuances interessantes de estresse pós-traumático, com direito a alucinações e dúvida da realidade. O pacote completo de ''final girl'' sobrevivente. Lauren LaVera, contudo, consegue ir além dos clichês oferecidos a ela pelo roteiro pouco substancial, convencendo até quando o filme insiste em resgatar o plot da profecia de que ela seria uma espécie de guerreira-valquíria predestinada a derrotar Art com uma espada mágica vinda de deus-sabe-onde, presente póstumo de seu pai e que parece ser a única arma capaz de ferir o palhaço imortal. Mesmo ganhando ares fantásticos, a interpretação da atriz se destaca pelos momentos mais pé-no-chão, em seus rompantes emocionais e sua interação com a família, na tentativa de reconstruir sua vida. Ela tem o melhor arco em Terrifier 3.

Trailer



Ficha Técnica

Título Original e Ano: Terrifier 3, Damien Leone. Direção e Roteiro: Damien Leon. Elenco: David Howard Thornton, Lauren LaVera, Daniel Roebuck, Elliot Fullam, Bryce Johnson, Samantha Scaffidi, Jason Patric, Chris Jericho,Tom Savini, Clint Howard. Gênero: Terror. Nacionalidade: EUA. Trilha Sonora Original: Paul Wealey. Fotografia: George Steuber. Edição:Damien Leone. Design de Produção: Olga Turka. Direção de Arte: Violet Morrison. Figurino: Olga Turka. Empresas Produtoras: Bloody Disgusting, Dark Age Cinema, Fuzz On The Lens Productions, The Coven.  Distribuição: Diamond Films Brasil. Duração: 02h05min. 

Estabelecendo em conta-gotas as regras inconsistentes da mitologia da franquia, a narrativa avança alguns passos, mas parece caminhar em círculos em outros aspectos. Enquanto a violência bárbara ainda é o foco dos filmes, elementos sobrenaturais vão ganhando cada vez mais espaço, sem muita preocupação com coesão ou bom gosto. O terror apresenta algumas sacadinhas espertas, como críticas ao boom do true crime como entretenimento, que rende algumas das melhores cenas do longa. Mas, no geral, soa como um pastiche sem vergonha de filmes dos anos 70. Vemos isso em sua direção de fotografia, com imagens granuladas, cores saturadas e brancos encardidos. O mesmo se aplica à trilha sonora composta por Paul Wiley, que usa sintetizadores que remetem a John Carpenter.

Este novo episódio da saga dirigida por Damien Leone conta com um considerável aumento de orçamento em comparação aos episódios anteriores. O investimento de 2 milhões de dólares pode parecer tímido frente às cifras oferecidas por estúdios de Hollywood a suas produções de Horror, mas é um salto bastante grandioso comparado ao pífio orçamento de cerca de 50 mil dólares do 1º Terrifier. O dinheiro injetado é perceptível no nível dos sets e na considerável melhora nos efeitos práticos (que agora soam mais realistas). Contudo, tais avanços não diminuem o aspecto asqueroso e sem vergonha adotado anteriormente, mantendo uma identidade estética coerente com os capítulos anteriores. Terrifier 3 acaba sendo a entrada da franquia com mais “cara” de filme, trazendo algum nível de capricho cinematográfico à trasheira proposto pela saga. Ainda que isso não necessariamente se refletita na qualidade da trama.

Crédito de Imagens: © 2024 Cineverse. All Rights reserved / Courtesy / Everett Collection / Diamond Films Brasil/ Divulgação
A história começa cinco anos depois os aconecimentos de Terrifier 2 (2022)

Talvez o principal problema no ponto atual da franquia Terrifier seja justamente sua carnificina explícita e desmedida. Não pelo choque que causa, mas pela certeza de sua iminência. A antecipação é uma das maiores estratégias do Horror enquanto gênero, o medo da incerteza do porvir. Com Terrifier, não existe incerteza: no momento em que personagens surgem em tela, existe uma probabilidade bastante confiável de que nas cenas seguintes seus corpos serão retalhados com requintes de crueldade pelo palhaço estripador. Quando o assassinato acontece, o impacto é diluído pela inevitabilidade estabelecida pelo próprio filme. Devido a isso, o diretor e roteirista Damien Leone se desafia a aumentar o grau de violência a cada novo episódio, a fim de continuar chocando plateias. Porém, aos poucos a estratégia começa a soar como um dado viciado. Não existe surpresa, não existem riscos. Com exceção de uma única morte (que acontece fora de tela e faz o público se questionar se realmente ocorreu), todas as demais vistas em Terrifier 3 são de personagens que já carregavam um alvo nas costas desde o 1º frame em que aparecem, restando apenas descobrir não o “se”, mas o “quando” e o “como”. Para quem se contenta com o "como", Terrifier 3 talvez seja um prato cheio. Temos aqui decapitações, desmembramentos, degolamentos, crianças sendo explodidas, vísceras, sangue por todo lado e brutalidades indescritíveis com motosserras. Até mesmo nitrogênio líquido é usado de forma diabolicamente criativa numa cena envolvendo tortura com um extintor de incêndio. Tais atrocidades de revirar o estômago fazem o vilão se dobrar de rir em deleite com o sofrimento de suas vítimas, como se desafiasse (e até convidasse) o público a se entreter com seu sadismo, desta vez temperado com algumas pitadas de heresia. Convenhamos, qualquer pessoa familiarizada com essa franquia não tem porquê ficar chocada com as peripécias cruéis de Art. Esse é o motivo principal para a existência destes filmes e de seu sucesso nos cinemas: um festival de violência desmedida e chocante, porém indiferente.

A pergunta que fica é: a franquia Terrifier teria algo a oferecer além de mortes explicitamente gráficas e níveis dantescos de sadismo cartunesco? A resposta é não, mas seu criador não parece estar muito preocupado com isso. E tudo indica que o público também não, visto a receita em bilheteria que cresce a cada novo capítulo. Então cá estamos no 3º filme da saga e com outra sequência já confirmada a caminho.

Com o refinamento estético e a profundidade narrativa de um fatality de Mortal Kombat (e um potencial equivalente de levar adolescentes desmiolados à loucura), a franquia Terrifier continua entregando exatamente aquilo que promete: ótimos efeitos práticos sangrentos e eviscerantes, ambientação asquerosa e senso de humor sombrio para entreter plateias famintas por gore e perturbar pessoas de estômagos mais sensíveis. Uma colcha de retalhos que combinam entre si, mas cujas costuras mal se sustentam juntas. Bom, talvez isso não importe muito quando o propósito é justamente rasgar tudo (e todos) e não ter vergonha disso.

HOJE NOS CINEMAS

Escrito por Petterson Costa

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