quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Arca de Nóe, de Sérgio Machado e Alois Di Leo


Em 1970, Vinícius de Moraes, o Poetinha (ou Vininha, depende do nível de intimidade) lançou a primeira edição de Arca de Noé, um livro de poemas voltado para o público infantil. Uma década depois, veio a dupla de álbuns, que fez ainda mais sucesso que o livro. Musicadas por Toquinho, as poesias ganharam as vozes de estrelas como Chico Buarque, Ney Matogrosso, Elis Regina, Milton Nascimento, Tom Jobim, Clara Nunes, Alceu Valença e atingiram toda uma geração de crianças que cresceu ouvindo músicas icônicas como A Corujinha, O Pinguim, O Leão e O Pato. Infelizmente, Vinícius não chegou a ver a realização desse projeto, pois morreu três meses antes do lançamento do primeiro disco.

Algo semelhante ocorreu com Suzana de Moraes, filha mais velha do Poetinha. Há muitos anos ela vinha idealizando a transformação da obra do pai em um filme de animação e chegou a abordar Walter Salles (Ainda Estou Aqui, 2024) para encabeçar o projeto. Porém, o cineasta indicou o amigo Sérgio Machado (Cidade Baixa, 2005) para tocar o filme. Sérgio acabou co-dirigindo com Alois di Leo (Caminho dos Gigantes, 2016), que já tinha experiência com animação. É uma pena que o filme esteja estreando nove anos após a morte de Suzana, sendo dedicado a ela nos créditos iniciais, além de dar seu nome para uma das protagonistas.

No longa-metragem, que já leva o título de maior animação brasileira de todos os tempos, Noé recebe uma mensagem de Deus e constrói uma arca para embarcar um casal de cada animal, como diz a fábula cristã. Mas esta não é a história do velho pastor e sim de Vini (voz de Rodrigo Santoro) e Tom (voz de Marcelo Adnet, dois ratinhos que são músicos, compositores, amigos inseparáveis e não estão nada felizes com essa história de que apenas um macho e uma fêmea de cada espécie se salvarão do dilúvio. 

         Crédito de Imagens:  Imagem Filmes / Divulgação 
A primeira janela de estreia do filme foi na África do Sul em janeiro deste ano, no último mês ele fez parte da ''1ª Mostrinha'', dentro da Mostra de Cinema Internacional de São Paulo e já tem previsão de chegada ao streaming nos Estados Unidos para março do ano que vem.


Depois de resolvido esse problema, vem ainda outro obstáculo: a tirania do leão Baruk (voz de Lazaro Ramos), que quer se apossar de todo o espaço e comida da arca, subjugando os animais menores. O rei da selva ainda tem como aliados os animais mais perigosos à bordo: as hienas (vozes de Babu Santana e Monica Iozzi), as cobras (vozes de Luiz Miranda e Giovanna Ewbank), o urso (voz de Leandro Firmino) e o gorila (Eduardo Sterblitch). Vini e Tom contam apenas com a ajuda da ratinha Nina (Voz de Alice Braga), da barata Alfonso  (Gregório Duvivier) e de Meninha Suzana (neta de Noé), voz da atriz mirim Rihanna Barbosa, dado que os demais bichos têm muito medo de Baruk e seus comparsas para tomar alguma atitude. 

O elenco que faz a dublagem brasileira reúne tantos nomes de peso que lembra a junção de artistas que os álbuns de 1980 e 1981 conseguiram unir. Para citar apenas alguns nomes, temos Larissa Luz, Heloísa Perissé, Débora Nascimento, Bruno Gagliasso, Lara Garn, Júlio Andrade, Chico César, Edvana Carvalho, Daniel Furlan, Russo Passapusso, Louise D'Tuani, Marcelo Cerrado, Adriana Calcanhoto e Ingrid Guimarães. Seu Jorge fazendo a voz de Deus merece um destaque especial. Ademais, a música tema (A Casa) tem a voz de Mariana de Moraes, neta de Vinicius.

O filme, que é uma coprodução com a Índia, realmente eleva o patamar do que já foi feito até então no Brasil em termos de qualidade de animação 3D. A textura do leão, por exemplo, chama a atenção não apenas por ser bem feita, mas por ter uma personalidade estética única, que remete a um bichinho de pelúcia e traz um visual lúdico semelhante ao das ilustrações que compunham a identidade visual dos álbuns.

Mas nem tudo são flores. A história da obra é tão fraca que quase é capaz de afundá-la por completo. O roteiro dá a impressão de que ainda necessitava de alguns tratamentos antes de ser realizado. Ou então a de que foi mexido tantas vezes que alguns arcos narrativos se perderam. O concurso de canto que é citado na sinopse oficial e que promete ser o centro da história não chega a ser resolvido e parece ser só uma desculpa para inserir mais números musicais sem que se precise inventar um contexto para eles. Além disso, um triângulo amoroso é ensaiado em uma única cena e discutido pelos personagens como se tivesse certo peso, mas não tem o menor desenvolvimento prévio e o assunto também não volta a aparecer. Mas o pior de tudo é a mudança de alinhamento dos vilões que seguem Baruk, que se altera de uma hora para a outra sem qualquer explicação. 

A narrativa definitivamente não faz jus aos versos de Vinícius. Mas, felizmente, suas músicas sobreviveram ao tempo e conseguem emocionar quando surgem na tela. Algumas são cantadas pelos personagens, outras têm sua melodia tocada timidamente como parte da trilha instrumental, como é o caso de São Francisco. Arca de Noé, o filme, não é a menina dos olhos que poderia ser. Mas com certeza faz parte do pavimento que vai se construindo para o crescimento nacional no ramo da animação.

Trailer


Ficha Técnica

Título Original e Ano: Arca de Nóe, 2024. Direção: Sérgio Machado e Alois Di Leo. Roteiro: Sérgio Machado, com colaboração de Heloisa Périssé e Ingrid Guimarães. Elenco: Rodrigo Santoro, Marcelo Adnet, Alice Braga, Lázaro Ramos, Gregorio Duvivier, Julio Andrade, Bruno Gagliasso, Giovanna Ewbank, Eduardo Sterblitch, Ingrid Guimarães, Heloisa Périssé, Marcelo Serrado, Débora Nascimento, Monica Iozzi, Hiena Fêmea, Babu Santana, Seu Jorge, Chico César, Russo Passapusso, Larissa Luz, Rihana, Edvana Carvalho, Laila Garin, Louise D’Tuani, Guilherme Rodio, Leandro Firmino, Daniel Furlan, Luis Miranda, Adriana Calcanhotto, Céu, BaianaSystem. Gênero: Aventura, animação. Nacionalidade: Brasil e Índia. Trilha Sonora Original: Mario Caldato, Beto Villares, Roberto Schilling, Érico Theobaldo, Fil Pinheiro. Montagem: Marcelo Junqueira. Supervisão Artística: Walter Salles. Direção de Produção: Daniel Greco, Felipe Sabino e Kiran Kurmar Sajja. Direção de Arte: Bruno Gondin Luna. Direção de Animação: Márcio Nicolosi. Produção Executiva: Daniela Antonelli Aun, Gabriela Tocchio, Ana Saito, Pablo. Torrecillas, Daniel Greco, Felipe Sabino, Edward Noeltner e Sumedha Saraogi. Coordenação Internacional: Laura Rossi. Produtores Associados: Suzana de Moraes (in memoriam), Paulo Moraes de Souza Dantas e Rosane Svartman. Coprodução: Daniel Greco e Felipe Sabino. Produção: O. Naresh Kumar, Meduri Kiran Kumar, Maria Carlota Bruno, Walter Salles, André Novis, Caio Gullane e Fabiano Gullane. Produção: Gullane e VideoFilmes. Coprodução: Symbiosys, Globo Filmes, Telecine e Imagem Filmes. Distribuição: Imagem Filmes, em associação com NIP, CMG, VM Cultural. Duração: 01h41min.
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