quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Dying: A Última Sinfonia, de Matthias Glasner


“Minha vida não é tão boa assim, para eu querer prolongá-la com esta tortura”…


Os três primeiros capítulos deste filme, com impressionantes três horas de duração, são batizados com os nomes dos componentes da família Lunies – a mãe Lissy (Corinna Harfouch), o filho Tom (Lars Eidinger) e a filha Ellen (Lilith Stangenberg) –, enquanto o quinto e último, antes do epílogo “feliz”, chama-se “Vida”. Mas é no quarto capítulo, “A Linha Tênue”, que o compositor depressivo e à beira do suicídio Bernard (Robert Gwisdek) explica esta expressão titular, que tem a ver com o longa como um todo. Trata-se de um conceito que evoca a necessidade de simplificação artística, com vistas à comunicação com um público mais amplo, sem sacrificar a autenticidade da obra. É mais ou menos o que constatamos aqui, quando o diretor, nos créditos de encerramento, dedica o trabalho aos seus familiares, “tanto vivos quanto mortos”… 

Em seu longa-metragem mais conhecido, o atordoante “O Desejo Liberado” (2006), Matthias Glasner deixou evidente que não é afeiçoado às sutilezas. De modo que a seqüência de abertura nos introduz a um terreno autoral já conhecido, quando Lissy está caída no chão, sobre as próprias fezes, enquanto telefona para seu filho Tom, que está noutra cidade e não a visita faz muito tempo. Ela está preocupada com o avançado estágio neurodegenerativo de seu esposo Gerd (Hans-Uwe Bauer), que vaga seminu pelas casas da vizinhança. Estamos apenas no início! 

Em segmentos levemente alineares, descobrimos os porquês de Tom e Ellen estarem distantes de seus pais doentes: ele é um maestro que se esforça para encontrar o acorde correto da regência de uma música hermética, de seu melhor amigo Bernard, psicologicamente instável; ela, por sua vez, trabalha como assistente de dentista, a despeito de seus talentos musicais. Frustrada por passar muito tempo à sombra de seu irmão famoso, Ellen tornou-se alcoólatra e autodestrutiva. Até que ela decide assistir à estréia do concerto regido por Tom… 

Trailer


Ficha Técnica
Título Original e Ano: Sterben, 2024. Direção e Roteiro: Matthias Glasner. ElencoCorinna Harfouch, Lars Eidinger, Lilith Stangenberg, Ronald Zehrfeld, Robert Gwisdek, Anna Bederke. Gênero: Drama. Nacionalidade: Alemanha. Fotografia: Jakub Bejnarowicz. Trilha Sonora Original: Lorenz Dangel. Figurino: Sabine Keller. Edição: Heike Gnida. Produção: Jan Krüger, Ulf Israel, Matthias Glasner. Empresas Produtoras: Port Au Prince Film & Kultur Production, Schwarzweiss Filmproduktion, Senator Film Produktion. Distribuição: Imovision. Duração: 181min. Classificação: 16 anos
Conforme o subtítulo do filme indica, a música tem um papel fundamental, de modo que as composições lúgubres de Lorenz Dangel sintetizam magistralmente o mal-estar existencial de todos os personagens, sendo respeitadas de maneira solene nas vezes em que são executadas pela orquestra. Incluindo-se o momento climático em que uma reação vomitiva de Ellen desencadeia um clímax violento: em mais de uma situação, seu corpo, tendente aos inchaços, sangramentos e alergias, externa o desespero disfarçado por sua cabeleira esvoaçante e pela beleza incandescente. 


Se os enfermeiros da casa de repouso onde Gerd está internado estranham que este paciente seja ignorado por seus parentes, mesmo estando à beirada morte, logo saberemos que isso não é casual, num diálogo demorado e mui sufocante entre Lissy e Tom, em que ela confessa uma memória traumática, quando jogou o filho contra a parede, quando ele ainda era um bebê. É a deixa para que Tom reitere o quão insuportável é estar ao lado da mãe, para além das similares de personalidade que ambos compartilham. O diretor e roteirista não é nem um pouco complacente quanto às conseqüências devastadoras da frieza sentimental destes personagens… 



A produção passou pelo Festival de Berlim e inúmeros outros festivais de cinema, incluindo a Mostra de São Paulo deste ano e conta com nove prêmios abocanhados.


Aderindo a um estilo mui realista de sadismo comportamental, Matthias Glasner expõe uma série de brigas, traições e chantagens emocionais, além de situações chocantes, ocorridas no consultório odontológico em que Ellen trabalha, incluindo uma extração dentária com alicate, na cozinha de um bar, depois que ela entabula um romance com seu chefe Sebastian (Ronald Zehrfeld), que é casado, porém apaixonadíssimo por ela. Não é um filme fácil de ser assistido, para quem é deveras sensível, mas revela-se bastante recompensador, num epílogo (“Vida”) que, em mais de um sentido, é consolador para os personagens que sobrevivem. Não obstante o sobejo de agressividade, é também um filme paradoxalmente otimista, principalmente no cotejo com a obra anterior do cineasta, supramencionada.


Servindo-se de fatos ocorridos na conjuntura natalina para justificar a entrega lacrimosa de Tom Lunies à execução da derradeira sinfonia de Bernard, ouvimos uma personagem dizer ao protagonista que sua amargura, entre outros motivos, tem a ver com a obsessão por um trabalho específico do realizador sueco Ingmar Bergman [1918-2007]. Temendo que sua música se converta nalgo “cafona”, Bernard adia a estréia do concerto inúmeras vezes, permitindo que nós percebamos as circunstâncias em que os dois irmãos recebem as notícias sobre a progressão das moléstias familiares, como a morte de Gerd e a descoberta de um câncer vaginal na diabética Lissy. Ainda que Liv (Anna Bederke), a namorada de Tom, se esforce para convencê-lo de que “salvar uma vida é importante” – havendo um aborto traumático entre eles –, a morte, neste filme, soa como provedora de alívio para as pessoas atormentadas que o protagonizam. Surge, assim, um dos melhores filmes de 2024! 


EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS

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