Queer, de Luca Guadagnino


No primeiro semestre do ano, o diretor Luca Guadagnino apresentou ao público o drama com alta tensão sexual ''Rivais'' (leia texto aqui). Para o encerramento de 2024, o cineasta chega aos cinemas com o longa ''Queer'', que já conta com indicação ao Globo de Ouro na categoria de ''Melhor Ator em Drama'', para Daniel Craig (Knives Out, 2019). O italiano esteve produtivo e dirigiu ainda o curta ''See You At 5'' (veja aqui) para a famosa marca de perfume Channel, estrelado por Margot Robbie e Jacob Elordi. O novo trabalho tem distribuição mútua da Paris Filmes e da Mubi e é baseado na obra homônima de William S. Burroughs, que no Brasil foi publicada pela Cia das Letras. Na trama, acompanhamos William Lee (Daniel Craig), vivendo uma crise de abstinência de drogas, além de uma crise existencial, até que conhece Eugene Allerton (Dree Starkey) e passa a ter o desejo de se conectar.

Alguns colaboradores de Guadagnino retornam, como a dupla Trent Reznor e Atticus Ross, que fez a trilha de Challengers. Se naquele, o techno é o grande destaque, usado para ritmar intensas partidas de tênis, aqui a suavidade das músicas, mesclada a intimidade com que elas vão sendo adicionadas, torna o filme mais sublime, num tom melancólico que embala o espectador. Há também uma linda canção interpretada por Caetano Veloso, ''Vaster than Empires'' (escute aqui). Caetano já havia aparecido no longa anterior também, vale destacar.

Com exceção da trilha sonora, que é linda, o filme se utiliza de outras músicas, em determinados momentos, como ''Come As You Are'', da banda norte-americana Nirvana, mas que parecem destoar do restante da trilha. Há uma espécie de quebra de contrato, em que o espectador é ambientado no México dos anos 50 e é pego de assalto por uma canção da década de noventa. Outras são colocadas durante a película e soam deslocadas.

O marketing do filme focou muito nas cenas de sexo entre os atores, até mesmo algumas entrevistas de divulgação davam um enfoque em como não perceberam o diretor dizer corta e continuaram atuando. Bem, Luca é um diretor que sabe trabalhar sensualidade e tesão em todos os seus trabalhos. Call Me By Your Name (2019) e o próprio Rivais (2024) possuem uma construção muito forte nesse aspecto. Queer também não deixa a desejar nesse ponto, logo que Luca explora os corpos, explora o desejo e a obsessão.

Trailer



Ficha Técnica
Título Original e Ano: Queer, 2024. Direção: Luca Guadagnino. Roteiro: Justin Kuritzkes - baseado na obra homônima de William S. Burroughs. Elenco: Daniel Craig,  Daan de Wit, Jason Schwartzman, Henrique Zaga, Colin Bates, Drew Starkey, Simon Rizzoni,  Drew Droege, Ariel Schulman, Andra Ursuta,  Omar Apollo. Gênero: Drama, Biografia, Drama, Romance. Nacionalidade: EUA e Itália. Trilha Sonora Original: Trent Raznor e Atticus Ross. FotografiaSayombhu Mukdeeprom. Edição: Marco Costa. Design de Produção: Stefano Baisi. Direção de Arte: Monica Sallustio. Figurino: J.W. Anderson. Empresas ProdutorasThe Apartment, Frenesy Film Company, FremantleMedia North America. Distribuição: Mubi e Paris Filmes. Duração: 02h16min. 
O personagem de Craig é um homem gay, na casa dos quarenta anos, ele vive numa cidade no México, numa espécie de refúgio de homens queer. Bares, clubes, restaurantes, todos abrigam essas pessoas que parecem flutuar pela vida. Há ali uma busca pelo prazer, uma maximização do hedonismo. Para o protagonista, é uma forma de ter a emoção e o prazer que as drogas davam, ele está sempre ansioso, suando, em abstinência de prazer.

O filme se divide em três partes e um prólogo. Na primeira parte somos apresentados aos personagens, à essa vila de homens queer, à busca por prazer, à obsessão de William por Eugene, que, mais jovem, possui sua atenção dispersa, busca experimentar, vivenciar. Há então um conflito, William deseja se conectar, mesmo faltando palavras para isso, mesmo não se expressando propriamente, só tomando coragem para o fazer quando bêbado; Eugene quer viver e conhecer o novo.
Créditos de Imagem: The Apartment, Frenesy Film Company, FremantleMedia North America | Divulgação: Mubi e Paris Filmes
Argentina, Brasil e México são os primeiros países a receber a estréia comercial do filme. Anteriormente, a produção passou por mais de cinco Festivais, incluindo o Festival de Veneza, em Setembro.

A obsessão de William o leva de volta às drogas, ao álcool e passa a estar em constante estado de entorpecimento. Craig brilha em quase todo o filme. Há uma segurança do ator em se mostrar inseguro, um controle de cena, das emoções conflitantes do personagem. Starkey tem seu tempo de tela também, consegue acompanhar o veterano e se sair bem, ganhando destaque em algumas interações, principalmente por meio de olhares, seu personagem é bem mais quieto, daí a vontade de William em conseguir se conectar com ele.

Na segunda parte da película, os personagens partem em busca de uma planta chamada yagé, que cresce na cabeça do Amazonas. É dito que essa planta/raiz, estaria sendo usada para telepatia, comunicação não verbal e, até mesmo, controle da mente. Novamente, o assunto de conexão entre esses homens é trazido, William deseja essa conexão, se cansou da solidão, uma abstinência de calor humano. Eugene quer a aventura. As cenas soam distantes da primeira parte da produção, isso se repete com ainda mais intensidade na terceira. É como se houvesse mais de um filme acoplado ao que se apresenta. Queer, por alguns momentos, parece o recorte de histórias que, em comum, só possuem seus personagens principais. Isso acaba sendo um pouco frustrante e atrapalha na coesão da obra.

A viagem dos dois em busca da planta, que mais tarde é revelada que com ela se faz o chá alucinógeno ayahuasca, é um momento interessante. William sofre com a abstinência, eles se conectam mais, passam a um estado de amizade com benefícios. Mas suas buscas pessoais continuam. Finalmente, na terceira parte do filme, eles conseguem achar a erva/raiz. E esse segmento do filme destoa ainda mais da história contada até o momento, há um flerte com uma estética aventuresca, que foge da trama contida que vinha sendo desenhada. Não é um momento ruim, mas, considerando o longa como um todo e não apenas fragmentos, ele se perde nos tons das histórias que deseja contar.
Créditos de Imagem: The Apartment, Frenesy Film Company, FremantleMedia North America | Divulgação: Mubi e Paris Filmes
Luca Guadagnino e Justin Kuritzkes trabalharam juntos em ''Rivais'' e lançam seu segundo projeto juntos este ano.

No último segmento, William consegue o que quer, se conectar. Há uma linda cena, que é como um sonho febril, em que o toque na pele é sentido, a respiração ouvida, o desejo compartilhado. Luca consegue transportar os sentimentos da tela para o espectador. Somos colocados no meio daquela experiência sensorial. Se o filme, até aquele ponto, havia flertado com um onirismo tímido, ali ele deixa a porta escancarada e nos coloca para dentro num puxão.

A montagem e a construção do longa não conseguem sustentar todas as histórias que ele deseja narrar, mas com um trabalho de elenco bem forte nos seus protagonistas, fotografia e trilha sonora que ajudam a contar os arcos ali presentes, ele cresce. A presença de Jason Schwartzman e Omar Apollo pouco acrescentam, assim como o restante dos personagens secundários. Cabe, porém, um destaque para Lesley Manville, que parece se divertir em tela e consegue cativar e amedrontar na mesma medida.

O filme trata da solidão do homem gay branco, da busca desenfreada por prazer, do hedonismo nessa comunidade e da necessidade de conexão, senão com o outro, então consigo mesmo. Assim, mesmo com seus defeitos, o novo filme de Luca Guadagnino é uma obra deliciosa e impossível de sair impassível dele ao seu final, para o bem ou para o mal.

Avaliação: Três viagens internas e meia (3,5/5).

HOJE NOS CINEMAS

Escrito por João Pedro Fraga

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