Baby, de Marcelo Caetano


“Tenho um amigo que adoraria ver a gente transando, sabia?”

Dentre os múltiplos feitos atrelados à estréia de Marcelo Caetano da direção de longas-metragens, em “Corpo Elétrico” (2017), destacamos a valorização da sexualidade fluida em meio às estafantes rotinas proletárias e a naturalidade com que as afeições são estabelecidas entre pessoas recém-conhecidas. E, em meio a tudo isso, uma musicalidade premente, de modo que foi graças a este filme que muitos espectadores conheceram o talento da ‘rapper’ Linn da Quebrada, que, naquele ano, lançaria o icônico álbum “Pajubá”. Se o realizador já era conhecido nos circuitos cinéfilos por ótimos curtas-metragens como “Bailão” (2009) e “Na Sua Companhia” (2011), revelou-se igualmente promissor ao dar um novo passo em sua carreira…

Baby” (2024), seu segundo filme, possui alguns aspectos em comum com a obra precedente, mas não é tão bem-sucedido na composição de seus personagens, sobretudo o seu protagonista (interpretado pelo estreante João Pedro Mariano), que, conforme o título adianta, revela-se tão caprichoso e carente quanto um bebê. A despeito de ele ter passado algum tempo numa instituição corretiva, lamenta não poder retornar para a sua família, visto que o pai policial o detesta e sua mãe tem medo de um conflito iminente.

Servindo-se da musicalidade que caracterizou o filme anterior, “Baby” se inicia com uma apresentação de fanfarra, no reformatório. Ainda conhecido por seu nome de batismo, Wellington, Baby precisa encontrar um adulto que se responsabilize por sua saída da prisão. Ele escolhe uma mulher apenas conhecida, que lhe conta que sua mãe agora está estabelecida numa cidade do interior paulista, Salto. Sem ter onde dormir, ele se aconchega no banco do metrô, mas é hostilizado pelo segurança do lugar, que enfia o cassetete em sua boca, por pura perversão. Na fuga, ele encontra um grupo de homossexuais performáticos, que conheceu em sua época de estudante.

Não sabemos o grau de envolvimento entre Wellington e estas pessoas, que invadem um cinema pornográfico, a fim de roubar os pertences dos freqüentadores. É quando o rapaz conhece Ronaldo (Ricardo Teodoro está excelente), e desenvolve uma afeição imediata por ele, que oscila entre anseio paternal e desejo para-incestuoso. Daí por diante, tornam-se mais acentuadas as incongruências deste roteiro. Um exemplo circunstancial porém sintomático: se Wellington não tinha sequer onde dormir, como a sua cueca estava sempre impecavelmente alva?

                       Crédito de Imagens: Cup Filmes, Desbun Filmes, Plateau Produções / Divulgação - Vitrine Filmes
O longa possui 26 vitórias e 9 indicações pelos Festivais de Cinema nacionais e internacionais que esteve. Entre eles, o Festival do Rio, Festival Mix e o Festival de Cannes.

Acostumado a sobreviver nas ruas, com variegadas atividades ilícitas, Ronaldo propõe a Wellington que eles compartilhem alguns clientes, mas o ciúme intensificado do primeiro logo comprometerá esta relação, ainda mais complicada em razão da imaturidade acachapante do jovem de dezoito anos de idade. Eis que surge a alcunha que o caracterizará, daí por diante.

Fascinado por Baby, Ronaldo o apresenta à mulher com quem tem um filho, Priscila (Ana Flávia Cavalcanti), que mantém um relacionamento lésbico com Jana (Bruna Linzmeyer). Surge, portanto, um modelo substitutivo de família para Baby, que trai Ronaldo com um cliente rico, Alexandre (Marcelo Várzea), que, por sua vez, sente-se incomodado ao saber que o jovem esteve num reformatório. Baby seguirá migrando, em busca de alguém que o acolha de maneira filial, chegando mesmo a buscar por sua mãe evadida, antes de ser acolhido pela “Família Close Certo”, um grupo que se apresenta em ônibus, dançando ‘vogue’, em busca de alguns trocados.

Trailer



Ficha Técnica
  • Título Original e Ano: Baby, 2024. Direção: Marcelo Caetano. Roteiro: Marcelo Caetano, Gabriel Domingues  Elenco: João Pedro Mariano, Ricardo Teodoro, Ana Flavia Cavalcanti, Bruna Linzmeyer, Luiz BertazzoMarcelo Varzea, Mauricio de Barros, Kyra Reis, Patrick Coelho, Baco Pereira, Sylvia Prado, Ariane Aparecida, Victor Hugo Martins, Kelly Campello, Cleo Coelho. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil, França e Países Baixos. Trilha Sonora Original: Bruno Prado, Caê Rolfsen. Fotografia: Joana Luz, Pedro Sotero. Montagem: Fabian Remy. Direção de Arte: Thales Junqueira. Som: Graciela Barrault, Lucas Coelho, Max Van Oever. Figurino: Gabriela Campos. Maquiagem: Tatiana Manfrim. Produtores Brasil: Beto Tibiriçá, Ivan Melo, Marcelo Caetano. Produção Executiva: Ana Rabelo. Coprodutores França: Juliette Lepoutre, Pierre Menahem. Coprodutores Brasileiros: SPCINE, TELECINE, CANAL BRASIL. Coprodutoras Internacionais: Still Moving (França) Circe Films, Kaap Holland (Holanda).  Produtoras: Cup Filmes, Desbun Filmes, Plateau Produções. Coprodutores Holanda: Stienette Bosklopper, Maarten Swart.  Distribuidora:Vitrine Filmes. Duração:01h47min. CLASSIFICAÇÃO 18 ANOS.
Ainda que a fotografia da produção seja dotada de muita sensualidade, em suas cores fortes, o enredo é permeado por valores que beiram o conservadorismo, não obstante os personagens serem marginalizados, em diversas instâncias sociais. Priscila e Jana, por exemplo, exigem que Ronaldo pague o plano de saúde do filho deles, além de pagar cursinho e aplicar dinheiro em sua poupança. Num rompante de indignação, ele dispara: “- vocês estão achando que são o quê? Classe média?”. Baby, enquanto isso, evita ser flagrado em seus delitos, temendo voltar a ser preso, mas demonstra-se cada vez mais melindroso em seus comportamentos, e cada vez menos digno da obsessão que todos ao seu redor parecem sentir por ele. Por vezes, o personagem beira o insuportável, ainda que isso seja pretensamente justificado por sua juventude. No desfecho, uma trama que parecia destinada à naturalização do erotismo desemboca num lamento sobre o afeto perdido, enfatizando a compulsão platônica de Ronaldo por seu protegido involuntariamente rebelde. Um filme muito aquém do trabalho anterior do cineasta, portanto: com exceção de Ricardo Teodoro, as interpretações são débeis e sem o vigor associado ao elã prometido pelos ambientes em que os personagens circulam. A seqüência em que Ronaldo convence a sua ex-mulher a viajar para Salto, a fim de buscar a mãe de Baby, como presente de aniversário para o mesmo, chega a ser constrangedora: de casa em casa, eles perguntam “vocês sabem onde mora Suely”. Algum tempo depois, eles a encontram, e ela pergunta: “vocês são da igreja?”. As aparências não sustentam aquilo que refuta a própria essência, infelizmente: o filme clama por acolhimento, mas não diz a que veio!

Avaliaçãodois cachimbinhos de 'crack', em meio às cadeiras do cinema pornô. (2/5)

HOJE NOS CINEMAS

Escrito por Wesley Pereira de Castro

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