Kasa Branca, de Luciano Vidigal


“E a carne mais barata é de quem?/ Disseram que era tudo igual/ Claro que não ‘tá nada bem/ Porque nós que é de bem se dá mal”…

Os versos acima pertencem à canção “Função”, do ‘rapper’ carioca L7nnon, que é executada mais de uma vez durante este filme e que justifica o título do mesmo, no sentido de que é graças à promessa de aparição num ‘show’ beneficente que a residência do protagonista torna-se a Kasa Branca, onde ocorre uma super-festa e pequenos dramas se desenrolam…

Nascido e criado no morro do Vidigal, de onde retirou o seu sobrenome artístico, o diretor desta obra possui suficiente conhecimento de causa para evitar que a trama redunde nos clichês sobre violência em comunidades menos favorecidas, conforme acontece em produções oportunistas, realizadas por cineastas de cariz publicitário. Ao invés disso, ele apresenta-nos situações legítimas de interação entre os moradores, não obstante a violência surgir, seja por parte dos policiais, seja através de vigilantes criminosos. Mas este, definitivamente, não é o foco do enredo.

Elaborado de maneira impressionantemente terna, o roteiro deste filme é centrado na amizade entre três rapazes, e nas paixões que os movem: André, conhecido por todos como Dé (Big Jaum), é um adolescente que vive com a sua avó Almerinda (Teca Pereira), em estado avançado de Alzheimer. Sem trabalho, ele enfrenta dificuldades para pagar o aluguel e comprar os remédios que ela necessita. Constantemente acompanhado por Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco), Dé encontra neles o apoio que carece para seguir em frente, visto que sua mãe faleceu e seu pai (Babu Santana) não fala consigo há vários anos…

       Crédito de Imagens:  Vitrine Filmes - Divulgação
Vencedor de quatro prêmios no Festival do Rio, em 2024, (''Melhor Direçao'', para Luciano Vidigal, ''Melhor Fotografia'', para Arhur Sherman, ''Melhor Trilha Sonora'', para Guga Bruno e Fernando Aranha, e ''Melhor Ator Coadjuvante'' para Diego Francisco).

Ocorre que os amigos de Dé também possuem os seus dilemas íntimos: Adrianim, por exemplo, que é filho da atlética Neide (Roberta Rodrigues), dona de uma academia de ginástica, tenta reaproximar-se da MC Talita (Gi Fernandes), por quem é completamente apaixonado, mas de quem perdeu a confiança, em razão de uma traição impensada; Martins, por sua vez, é obcecado pela esposa de um farmacêutico local, interpretada por Ingrid Ranieri, de quem se aproxima através de Luan, um amigo com sexualidade fluída (Kibba). E, em meio a tudo isso, o próprio André desenvolve uma paixão platônica por Neide, mãe de um de seus melhores amigos, masturbando-se enquanto visualiza as suas fotos de Instagram.

Muitíssimo bem musicado (o trabalho original de Fernando Aranha e Guga Bruno é excelente), este filme chama a atenção pela leveza com que aborda situações dramáticas e pela naturalidade com que apresenta os ônus procedimentais daquela região, como a propina exigida por policiais que flagram Adrianim conduzindo uma motocicleta sem Carteira de Habilitação ou a necessidade que os três amigos sentem de roubar uma farmácia. A tônica dominante é a do companheirismo, enfatizado até mesmo quando algum conflito ou desentendimento parece se instaurar. O humanismo do longametragem é impressionante, o que é valorizada pelas maravilhosas atuações de todo o elenco!

Fotografado de maneira hábil por Arthur Sherman, que, em mais de uma situação, recorre a elaborados ‘plongées’, “Kasa Branca” (2024) expõe o cotidiano de pessoas desfavorecidas sem torná-las vítimas indefesas ou paralisadas pelas circunstâncias. Graças à vontade de estarem juntos, até mesmo nos instantes mais inoportunos (quando Dona Almerinda tem uma crise de diarréia nos braços de Martins, por exemplo), os amigos demonstram que, havendo solidariedade e força de vontade, os determinismos sociais podem ser superados, de modo que a película também evita incorrer num discurso antirracista de tom panfletário. Muito pelo contrário, aborda este problema de maneira orgânica, quando Dé prefere que um vizinho guineense (William Bechester) conduza o funeral de sua avó, no lugar de um padre branco (vivido por Guti Fraga). Em vez do “amém” colonial, os amigos de André preferem o “axé”!

Os noventa e seis minutos de duração, portanto, são marcados por seqüências ora divertidas, ora emocionantes, além de inúmeros momentos atravessados pela musicalidade inspirada por L7nnon, que comparece vivificando a si mesmo. A montagem é bastante dinâmica e a direção é realmente exemplar, naquilo que ela deseja transmitir, culminando num desfecho de enfrentamento em aberto, impregnado da beleza que se manifesta ao longo de toda a projeção. Mais uma ótima surpresa no panorama hodierno do cinema brasileiro!

Trailer




Ficha Técnica
Título Original e Ano: Kasa Branca, 2025. Direção e Roteiro: Luciano Vidigal. Elenco: Big Jaum, Teca Pereira, Diego Francisco, Ramon Francisco, Gi Fernandes, Babu Santana, Roberta Rodrigues, Otavio Muller, Guti Fraga, Dj Zullu e L7nnon. Gênero: Drama. Nacionalidade: Brasil. Direção de fotografia: Arthur Sherman. Montagem: André Sampaio. Direção de arte: Alexandre Magalhães, Rafael Cabeça. Som: Vampiro, Fernando Aranha. Trilha sonora: Fernando Aranha, Guga Bruno. Produção: Bárbara Defanti, Gisela Camara, Roberto Berliner, Sabrina Garcia, Leo Ribeiro, Cavi Borges. Produtor Associado: Carlos Diegues. Produtora: Sobretudo Produção, TvZero, Tacacá Filmes, Cavideo e Dualto. Coprodutoras: Riofilme, Canal Brasil, Telecine e Globo Filmes. Distribuidora Internacional: The Open Reel. Distribuidora: Vitrine Filmes. Duração: 95 min.

A produção faz parte da iniciativa de longa data ''Sessão Vitrine Petrobrás'' e está em cartaz por todo o país com preço acessíveis.  

Escrito por Wesley Pereira de Castro

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