Após Jackie (2016) e Spencer (2021), Pablo Larraín fecha uma espécie de trilogia temática de biografias sobre grandes personalidades femininas do século XX com o lançamento de Maria Callas. Conhecidos por serem introspectivos, oníricos e sofridos, esses filmes mantêm não só uma unidade temática como uma identidade própria através da linguagem cinematográfica adotada. Como seus dois antecessores, o longa-metragem foca em um período específico da vida da cantora de ópera ao invés de contar toda a sua trajetória. E o período escolhido é aquele que Larraín mais gosta de retratar: o declínio.
A personagem de Maria serve como trampolim para o retorno de Angelina Jolie às telas depois de alguns anos trabalhando apenas nos bastidores da indústria cinematográfica. E ela está magistral. Apesar da óbvia dessemelhança física com a personagem retratada, Jolie convence ser a celebridade grego-americana e, nos créditos finais, quando vemos imagens reais de La Callas, a diferença não nos salta aos olhos. A atriz ganhou um grande presente com o papel, afinal, a personagem é uma diva icônica, e, por sua vez, o diretor é um dos mais aclamados na Hollywood atual e interpretar tragédias sempre traz mais louros que viver pessoas felizes.
A tragédia em questão são os últimos dias de vida da protagonista-título. Sozinha, sem voz, viciada em remédios e amarrada ao passado, Maria tenta recuperar sua glória e sua identidade através da música. Com a ajuda do maestro Jeffrey Tate (Stephen Ashfield) e breves ensaios diários, ela faz pequenos e irregulares avanços, mas a persistência na carreira que exige tanto de si também prejudica na deterioração de sua saúde física e mental. Seus leais mordomos Ferruccio (Pierfrancesco Favino) e Bruna (Alba Rohrwacher) fazem o possível para ampará-la, indo além de seus mandos e desmandos para ajudar na recuperação de seu bem estar, chegando a contratar um médico contra sua vontade. Mas a artista sabe que já está além de qualquer ajuda.
Crédito de Imagens: The Apartment, Fremantle Company, Komplizen Film e Fabula Inc.Diamond Films Brasil / Divulgação
Maria Callas faleceu aos 53 anos de idade, em setembro de 1977, em Paris na França, vítima de um ataque cardíaco. Suas cinzas foram jogadas, em 1979, na costa da Grécia, mas previamente haviam sido roubadas quando ainda estavam no cemitério francês ''Père Lachaise''.
Em uma espécie de revisão da própria vida, Maria se imagina dando entrevistas para um estranho jornalista chamado Mandrax (nome que faz alusão a um medicamento sedativo, vivido por Kodi Smit-McPhee). Ele faz perguntas às quais ela pode dar respostas ora espirituosas, ora cínicas. E mediante elas, relembra trechos marcantes que viveu. O espectador relembra junto através de flashbacks em preto e branco. Vemos a juventude explorada de Maria na Grécia, seu conturbado relacionamento com o milionário Onassis (Haluk Bilginer), seus personagens mais icônicos na ópera.
Enquanto manda os criados moverem seu piano de lugar trocentas vezes, briga para que um homem não toque seu disco no próprio restaurante, depois ouve o mesmo disco em um volume que ensurdece os vizinhos e desafia o médico que está tentando salvar sua vida, Maria delira, imagina, conjectura, rememora.
A grande questão do filme é que o sofrimento de Maria é tão introspectivo que não passa para a audiência. Entendemos (mais ou menos) por que ela sofre, mas não como. Isso resvala também no carisma da personagem. La Callas é bela e talentosa. Sabemos que teve uma juventude difícil. Mas a empatia acaba por aí. Ela é uma prima donna nos dois sentidos da expressão. Sua figura apática, sisuda e mimada não inspira muita simpatia. E como vemos muito pouco do que justifica a construção dessa persona, o filme soa estéril. Há muito sofrimento em tela, mas é um sofrimento raso.
A estética de Larraín é ao mesmo tempo estrela e antagonista da obra. O diretor desenha uma diva enclausurada em uma mansão elegante, com figurinos imponentes. Os demais cenários, sejam internos ou externos, também são vistosos, de encher os olhos. Tudo é muito requintado, mas também muito plástico. Até o corpo caído da cantora (que é mostrado desde a primeira cena) compõe o quadro com bom gosto. Em meio a tudo isso, ela parece uma pessoa inalcançável, pouco humana.
Trailer
Ficha Técnica
Título Original e Ano: Maria, 2024. Direção: Pablo Larraín. Roteiro: Steven Knight. Elenco: Angelina Jolie, Pierfrancesco Favino, Alba Rohrwacher, Haluk Bilginer, Lidia Zelikman Kauders, Kodi Smit-McPhee, Stephen Ashfield, Valeria Golino, Caspar Phillipson, Lydia Koniordou, Vincent Macaigne, Aggelina Papadopoulou, Erophilie Panagiotarea. Gênero: Biografia, Drama. Nacionalidade: Itália, Alemanha, Chile, EUA. Design de Som: Gwennolé Le Borgne. Fotografia: Edward Lachman. Edição: Sofía Subercaseaux. Figurino: Massimo Cantini Parrini. Supervisão de Direção de Arte: Tom Brown. Design de Produção: Guy Hendrix Dyas. Empresas Produtoras: The Apartment, Fremantle Company, Komplizen Film e Fabula Inc. Distribuição: Diamond Films Brasil. Duração: 02h04min.
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