Emilia Peréz, de Jacques Audiard

 
Indicado a treze estatuetas no Oscar 2025, Emilia Pérez é o principal concorrente do brasileiro Ainda Estou Aqui (Walter Salles, 2024) na categoria de filme internacional. A obra se propõe a tratar questões intrínsecas ao México, mas é dirigida e escrita por realizadores franceses e protagonizada por uma espanhola e duas estadunidenses com ascendência latina. Esses são os principais motivos que explicam por que o filme vem sofrendo tantos ataques internet afora.

Outro fator que rende tantas críticas negativas é a abordagem musical. O longa-metragem repele muitos que já não gostam do gênero e também aqueles que até apreciam musicais da Broadway e biografias de musicistas, mas são estranhos à roupagem contemporânea em que as canções não obedecem a rimas e lirismos exacerbados como nos clássicos. É fato que muitos dos números musicais da película são fraquíssimos. Mas há um ou outro de qualidade, como os dois primeiros e o que encerra o filme. Ainda assim, o público critica todos eles de forma geral, o que levanta a questão: será que filmes-óperas majestosos como Annette (do também francês Leo Carax, 2021) ou mesmo Sinfonia da Necrópole (Juliana Rojas, 2014) também seriam amplamente detonados caso tivessem alcançado popularidade semelhante?

Emilia Pérez nomeia tanto o filme quanto sua protagonista. Esta é a identidade que Manitas del Monte (Karla Sofía Gascon) consegue assumir graças à ajuda da advogada Rita (Zoe Saldana). Por meio de sua transição de gênero, Manitas, traficante líder de um grande cartel, deseja livrar-se da masculinidade agressiva que sentiu-se obrigado a encarnar para sobreviver em seu contexto. A mudança de nome é um segredo que ninguém além dos dois conhece. É um recomeço para Emilia. A morte de Manitas é forjada e ela está livre para ser quem quiser, deixando para trás o crime, a violência, a família… tudo menos a fortuna acumulada ilegalmente.

Crédito de Imagem: Why Not Productions, Page 114, Pathé, Studio 13, Prima Linea Productions, France 2 Cinéma, Saint Laurent. 
Paris Filmes / Divulgação
A produção foi submetida pela França como sua representante na 97ª Edição do Oscar , a ser apresentada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS), e recebeu 13 indicações dos votantes. Os vencedores serão conhecidos em 02 de março.

Para acalmar sua consciência, Emilia cria uma ONG focada em encontrar corpos de desaparecidos, a maioria vítima direta ou indireta do narcotráfico. Além de ajudar a família dos mortos a encontrar paz, a protagonista também deseja dar um novo começo aos criminosos que consentem em revelar os locais de desova, como fica claro na música “Para”. Este é um dos pontos da narrativa em que o diretor Jacques Audiard (Paris, 13º Distrito, 2021) pesa a mão no melodrama e alcança o brega.

Rita se torna amiga, confidente e braço direito de Emilia em suas empreitadas. Saudosa dos dois filhos que teve com a ex-esposa Jessi (Selena Gomez), a ex-traficante pede ajuda da advogada para voltar à vida deles de uma forma mirabolante. Rita faz contato com Jessi dizendo que Emilia é uma prima de Manitas e que o falecido a deixou encarregada de cuidar dos herdeiros. Dessa forma, os três passam a viver em sua mansão. Jessi aceita a nova vida com desconfiança, pois conhecendo o temperamento violento do marido, acredita que Emilia a quer perto para vigiá-la e controlá-la. O número musical em que ela expressa tal aflição poderia ser um dos melhores do filme, não fosse a fraca performance vocal de Selena, que se assemelha a insossa entrega como atriz.

Crédito de Imagem: Why Not Productions, Page 114, Pathé, Studio 13, Prima Linea Productions, France 2 Cinéma, Saint Laurent. 
Paris Filmes / Divulgação
O longa rodado no ''Studios de Bry'', em Paris, na França, já conta com o total de 224 indicações em diversos festivais de cinemas e premiações. Venceu até o momento 87 destas. Entre os quais, o prêmio de ''Melhor Comédia ou Musical'', nos Globos de Ouro 2025, desbancando o fenomenal ''Rivais'', de Luca Guadagnino.


O conflito final se dá justamente porque uma hora Jessi decide tomar as rédeas de sua própria vida e ir para longe da matrona e Emilia não aceita distanciar-se dos filhos. Nesse ponto, a agressividade de Manitas parece voltar dentro de Emilia e Jessi também demonstra sua natureza atroz.

O filme exige do espectador muitas suspensões de descrença, como acreditar que uma mulher trans em tratamento hormonal há dois anos ainda teria uma barba cheia ou que uma mulher não reconheceria os trejeitos, a fala e até os traços físicos da pessoa com quem foi casada por anos após algumas cirurgias plásticas. A comunidade transativista também tem criticado o roteiro que trata Manitas e Emilia como pessoas distintas e que resume a transição de gênero a procedimentos médicos.

É notório que o longa tem vários problemas políticos e de representatividade. A gravação em estúdios franceses simulando locações mexicanas e o desempenho débil das atrizes em reproduzir o sotaque do país também merecem menção. O povo mexicano tem todo o direito em estar revoltado com a repercussão que a obra está tendo nas premiações da temporada. No entanto, com os ânimos tão exaltados, alguns têm exagerado nos pareceres sobre a produção. Emilia Pérez é, com toda certeza, uma obra medíocre. Mas não é toda de se jogar fora. Há momentos que se aproveitam. Ao assistir aos 132 minutos, percebemos que há um filme bom ali em algum lugar. Audiard só não conseguiu encontrá-lo.

Trailer



Ficha Técnica
Título Original e Ano: Emilia Pérez, 2024. Direção: Jacques Audiard. Roteiro: Jacques Audiard, Thomas Bidegain, Léa Mysius e Nicolas Libecci - Baseado no livro de Boriz Razon. Elenco: Karla Sofia Gascón, Zoe Saldana, Selene Gomez, Adriana Paz, Edgar Ramírez, Maz Ivanir, Eduardo Aladro, Emiliano Hasan, Gaël Murguia-Fur, Tirso Pietriga. Gênero: Drama, Musical, Crime, Comédia, Thirller. Nacionalidade: França, México, Bélgica. Trilha Sonora Original: Camille e Clément Ducol. Fotografia: Paul Guilhaume. Edição: Juliette Welfling. Direção de Arte: Sandrine Jarron. Design de Produção: Emmanuelle Duplay. Figurino: Virgine Montel. Empresas Produtoras: Why Not Productions, Page 114, Pathé, Studio 13, Prima Linea Productions, France 2 Cinéma, Saint Laurent. Distribuição: Paris Filmes. Duração: 02h12min.  

Escrito por Luana Rosa

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