O Brutalista, de Brady Corbet


Certos filmes são impulsionados pela aura da narrativa comercial e/ou artística de sua criação, por vezes a ponto de sua relevância mercadológica depender direta ou indiretamente de tal faceta. Narrativas assim geralmente nascem (ou são fabricadas) durante Festivais de Cinema e vão crescendo aos poucos. As que são devidamente alimentadas sobrevivem até sua maturidade, na temporada de premiações, quando é chegada a hora da verdade e o mundo descobre quais delas foram convincentes o suficiente para serem traduzidas em troféus dourados. Não é uma ciência exata: alguns filmes genuinamente ruins são premiados devido à narrativa certeira de sua campanha, outros que nascem como novos clássicos são descartados por não serem vendidos apropriadamente. E assim continua girando a roda de Hollywood. Tratando-se de narrativas comerciais baseadas em conservadorismo cinematográfico, poucas foram tão longe quanto a da campanha de O Brutalista, novo longa do cineasta Brady Corbet e grande candidato a ''Melhor Filme do Ano'' em diversas publicações e premiações. Aliás, o longa-metragem foi agraciado com o prêmio de ''Melhor Filme de Drama'' no Globo de Ouro 2025 e desponta como franco favorito ao Oscar. Mas a questão é: as narrativas comerciais envolvendo o filme se sobressaem à qualidade da obra em si?

Judeu sobrevivente do Holocausto, o influente arquiteto húngaro László Tóth (Adrien Brody) migra para os Estados Unidos fugido de um campo de concentração, alheio ao fato de que sua esposa Erzsébet (Felicity Jones) e sua sobrinha Zsófia (Raffey Cassidy) estão vivas. Quando é deixado na mão por seu primo Attila (Alessandro Nivola), Lászlo é acolhido pelo magnata Harrison Van Buren (Guy Pearce), que reconhece seu talento e lhe oferece um trabalho ousado: criar um ambicioso conjunto arquitetônico modernista em homenagem à recém-falecida matriarca do clã Buren. Agora reunido com sua família, Lászlo vê no projeto o auge de sua carreira e passa a investir todo seu tempo e energia na empreitada. Logo, atritos com burocracias e com o ego de Harrison põem em cheque a paz do imigrante e ameaçam a já delicada harmonia de seu casamento.

Trailer

Ficha Técnica

Título Original e Ano: The Brutalist, 2024. Direção: Brady Corbet. Roteiro: Brady Corbet e Mona Fastvold. Elenco: Adrien Brody, Felicity Jones, Guy Pearce, Joe Alwyn, Raffey Cassidy, Stacy Martin, Isaach De Bankolé, Alessandro Nivola. Gênero: Drama. Nacionalidade: Eua, Reino Unido, Hungria. Trilha Sonora Original: Daniel Blumberg. Fotografia: Lol Crawley. Edição: Dávid Jancsó. Design de Produção: Judy Becker. Direção de Arte: Alexander Linde, Csenge Jóvári, Virág Tyekvicska. Figurino: Kate Forbes. Produtores: Trevor Matthews, Nick Gordon, Brian Young, Andrew Morrison, Andrew Lauren, D.J. Gugenheim. Empresas Produtoras: Brookestreet Pictres, Kaplan Morrison, Andrew Lauren Productions. Distribuição: Universal Pictures. Duração: 03h36min.


A epopeia superlativa de Brady Corbet foi idealizada desde o início para impressionar. Filmado quase que inteiramente em formato VistaVision 35 mm (e com um material bruto de surreais 700 terabytes de filmagens!), a intenção do longa era abraçar a estética do período no qual se passa, entre as décadas de 1940 e 1950. A granulação da imagem, a profundidade do campo de visão, as texturas ressaltadas e as belas imperfeições cinematográficas que apenas a magia analógica é capaz de proporcionar estão aqui, garantindo um purismo raramente visto atualmente. Tamanha façanha por um orçamento inacreditavelmente enxuto: o investimento de produção em O Brutalista sequer chegou a 10 milhões de dólares, um valor inversamente proporcional à escala ambiciosa do projeto.

Com um intervalo de 15 minutos entre seus dois atos principais, o longa-metragem é apresentado para emular a experiência de um filme “das antigas”. Tais escolhas, contudo, não se limitam apenas à parte estética do longa: o roteiro, escrito por Corbet em parceria com sua esposa Mona Fastvold, homenageia narrativamente obras seminais que fundamentaram o Cinema como o conhecemos hoje. Aqui parece ter pitadas de O Poderoso Chefão Parte II (Francis Ford Coppola, 1974), e grandes doses de Era Uma Vez na América (Sergio Leone, 1984): filmes que refletem sobre a ilusão do conceito idealizado da “América”, um império reluzente e que promete inúmeras oportunidades, mas que acaba se revelando uma armadilha perigosa, um delírio capitalista capaz de corromper e que, na prática, não passa de um sonho. O Brutalista pega emprestado o teor crítico e o cenário subjetivo de suas referências, se inspirando ainda em Paul Thomas Anderson, carregando elementos de Sangue Negro (2007), O Mestre (2012) e Trama Fantasma (2017).

O longa (bastante longo) de Corbet, entretanto, falha em construir uma base que faça jus às fontes das quais bebe. Apresentando um melodrama numa roupagem um tanto formuláica de ''Grande Épico Americano'', O Brutalista foca mais no seu apuro visual do que na construção de sua história, carecendo da visceralidade e autenticidade necessárias para ser considerado tão relevante quanto se propõe a ser. Um dos ingredientes que mais fazem falta neste caldeirão de referências é a ambiguidade. Com personagens construídos de forma maniqueísta, não existem aqui muitas nuances a serem exploradas pelo elenco, deixando claro que o ponto forte da saga de Lászlo é realmente sua estética. E nisso O Brutalista não falha em nenhum momento. A proporção grandiloquente e o esmero empenhado no design de produção caprichado são ressaltados pela excelente direção de fotografia, que combina uma grandiosidade classuda com uma sobriedade quase documental, inserindo o público dentro das cenas através de perspectivas de câmera subjetivas e tremidas.

                                                                        Crédito de Imagens: © Universal Pictures
O filme foi apresentado em diversos Festivais de Cinema, entre eles, a última edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.


A montagem do filme busca reproduzir tonalmente princípios do Brutalismo, dividindo a história em blocos (abertura, parte 1, parte 2 e epílogo) de forma crua e sem muita preocupação com refinamento. O ritmo da edição, que combina cenas entrecortadas com takes longos, é ditado pela trilha sonora imponente de Daniel Plumber, gravada antes das filmagens e importante para garantir que a gargantuesca duração da película não soe tão cansativa quanto ameaça ser. Infelizmente a decisão de inserir um intervalo de 15 minutos entre as duas partes do filme evidenciam o descompasso narrativo entre elas. Se a parte 1 do longa é bem estruturada e coesa, um convite para um passeio que apresenta conceitos e visuais estimulantes, a parte 2 soa como um monólogo longo e melodramaticamente desafiador que beira o caricato.

A narrativa comercial de O Brutalista parecia sólida o suficiente para conquistar a Academia, mas a campanha do filme não contava com a repercussão negativa à revelação do uso de IA generativa na pós-produção do filme, especificamente referente ao uso da tecnologia ''Respeecher''. A ferramenta de IA é capaz de modificar vozes e foi usada pela equipe do filme para editar diálogos em húngaro, refinando a pronúncia de Adrien Brody e de Felicity Jones para aperfeiçoar suas performances num nível que nem o trabalho com uma treinadora de dialetos nem a redublagem com ADR foram capazes. Tal estratégia foi interpretada por algumas pessoas como no mínimo contraditório (e por outras como uma tremenda hipocrisia), uma vez que a produção se vende como um filme feito aos moldes tradicionais. Tal polêmica não parece ter prejudicado o desempenho do produto final na campanha de premiações, mas foi o suficiente para suscitar questionamentos sobre a qualidade das performances de Brody e Jones, algo que o diretor Brady Corbet rechaçou, sendo categórico que nada nas interpretações foi modificado, apenas refinado. Vale a pena conferir para tirar suas próprias conclusões.

O Brutalista é inegavelmente um deleite visual, um tour de force que merece ser assistido na maior tela possível. Porém, ainda que levante reflexões interessantes sobre masculinidades, xenofobia e preconceito de classes e funcione como uma análise acerca da construção da sociedade moderna dos Estados Unidos, o longa nunca se aprofunda em nenhuma dessas questões, apresentando-as mais como notas de rodapé do que como realidades textuais. Acaba soando como um exercício vazio que preza mais pela narrativa artística, conceitual e estética do que pela narrativa substancial de seu roteiro. Ironicamente, para um filme que tem o Brutalismo como ingrediente principal, O Brutalista não tem muito de concreto a oferecer.

20 de Fevereiro Nos Cinemas

Escrito por Petterson Costa

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