Quando se trata de filmes que tem como palco as penitenciárias como se ilustra em "Um Sonho de Liberdade" (Frank Darabont 1995), "Carandiru" (Hector Babenco, 2003), "À Espera de Um Milagre" (Frank Darabont, 2000) ou "Fuga de Alcatraz" (Don Siegel, 1979), é comum e até esperado que as tramas abordem aspectos como violência carcerária, fugas, maus tratos, brigas entre os detentos, suicídios, rebeliões, abuso de drogas e condições precárias de saúde, alimentação e alojamento. Mas este não é o caso de Sing Sing.
A história deste exemplar “diferentão”, concebida dentro de um subgênero, se passa na prisão de segurança máxima de Nova York, na qual os prisioneiros têm celas individuais e personalizadas, andam para lá e para cá dentro do prédio com certa “liberdade”, têm acesso a muitos livros e a facilidades como máquinas de escrever, desfrutam de momentos de lazer ao ar livre sem tanta supervisão e, mais importante de tudo, têm a possibilidade de fazer parte de um grupo de teatro. Por mais que em alguns momentos os personagens se refiram a brigas, ameaças e punições como elementos que fazem parte de seu passado nesse mesmo presídio, tudo isso é alheio à câmera.
O cinematografista Pat Scola (Um Lugar Silencioso: Dia Um, 2024) se junta ao diretor Greg Kwedar (Do Outro Lado da Fronteira, 2016) em uma fotografia clara e iluminada que faz as acomodações da prisão parecerem ainda mais limpas. O clima estabelecido pelo roteiro nunca é de suspense. Quando a tensão aparece, é uma tensão de emoções à flor da pele, não de perigo iminente.
O já mencionado grupo de teatro é o fio condutor da narrativa deste filme baseado em fatos reais e indicado a três Oscars (incluindo a categoria de melhor roteiro adaptado). Trata-se, na verdade, de um programa de recuperação que trabalha a reabilitação dos detentos através de aulas de teatro e montagem semestral. Divine G (o estupendo Colman Domingo) é o protagonista e criador do programa. Acontece que ele não é o professor das aulas, o diretor do presídio ou algum funcionário público. Ele é, também, um dos presos.
Credito de Imagens: Black Bear, Edith Productions e Marfa Peach Company | A24, Diadmond Films Brasil, Divulgação
"Sing Sing" recebeu indicações Oscar 2025 nas categorias de "Melhor Cancão" para a música "Like a Bird", "Melhor Ator" para Colman Domingo e "Melhor Roteiro"
Advogado, dramaturgo e condenado por um homicídio que não cometeu, Divine G usa o grupo como uma forma de sobreviver no lugar. Não contra os perigos físicos, mas contra os psicológicos e emocionais. Apesar da figura de Brent (Paul Raci), o professor excêntrico e liberal que lidera as aulas dando bastante espaço para que seus alunos tomem as decisões criativas, é Divine G quem é o líder espiritual do grupo. É ele que engrossa a voz e interrompe uma eventual discussão, quem convence os colegas a se entregar de corpo e alma ao processo de atuação, quem dá lição de moral e quem tem a sensibilidade de desvendar o que uma frustração ou desempenho ruim revela do que precisa ser trabalhado na vida pessoal de cada um.
O filme começa no ponto em que o grupo abre novas vagas para a nova montagem teatral. E é aí que entra em cena Divine Eye (Clarence Maclin). Líder do tráfico do lado de fora dos muros, ele não procura a arte performática como forma de largar o crime ou a violência, nem demonstra especial respeito ou admiração por Divine G. Nas primeiras aulas, acredita que os exercícios cênicos são bobos e não se permite experimentar. Nem as conversas inspiradoras e cheias de metáforas do dramaturgo dão jeito. Está aí seu maior desafio do semestre.
A partir deste ponto, o filme adota uma estrutura clássica, explorando o tropo do professor que se torna aluno e vice versa. Bem aos poucos, Divine G vai adotando as táticas de Divine Eye para conquistar seu respeito, os dois se tornam amigos até que a mesa vira e, devido a uma série de problemas inesperados, é o ator veterano quem passa a duvidar da eficácia do grupo, desrespeita o processo e os colegas e precisa ser emocionalmente resgatado por quem inicialmente ele ajudou.
A atuação de Domingo é, de longe, o fator mais potente do longa. O ator consegue emocionar e convencer, muitas vezes, com um olhar ou sorriso. O fato da história ser real também aumenta o impacto do filme. Nos créditos finais, a tela é preenchida por filmagens que revelam que a grande maioria dos atores estão interpretando a si mesmos e realmente integraram o grupo de teatro de Sing Sing, inclusive Clarence “Divine Eye” Maclin. Registros reais das peças encenadas no presídio também têm trechos exibidos. Nesse momento, a reação de surpresa e emoção na platéia pode acontecer.
Sing Sing é um filme pujante, carismático e com uma mensagem muito importante. Mas perde fôlego em seu terço final pela forma como é estruturado e tem uma direção com pouca personalidade. No fim das contas, poderia ser mais ousado, mais autoral, mais surpreendente e menos piegas. Mas se prende a uma fórmula narrativa que nos lembra a cinematografia do início dos anos 2000.
Trailer
Ficha Técnica
- Titulo Original e Ano: Sing Sing, 2023. Direção: Greg Kwedar. Roteiro: Clint Bentley e Greg Kwedar - com argumentos de John Divine G Whitfield, Clarence Maclin, Greg Kwedar, Clint Bentley e baseado no trabalho de John H. Richardson em ''The Sing Sing Follies" e Brent Buell em "Breakin' The Mummy's Code". Elenco: Colman Domingo, Clarence Maclin, Sean San Jose, Paul Raci, David Giraudy, Patrick Griffin, Mosi Eagle, James Williams, Sean Dino Johnson. Gênero: Drama. Nacionalidade: EUA. Trilha Sonora Original: Bryce Dessner. Fotografia: Pat Scola. Edição: Parker Laramie. Design de Produção: Ruta Kiskyte. Direção de Arte: Jacob Harbeck. Figurino: Desira Pesta. Empresas Produtoras: Black Bear, Edith Productions e Marfa Peach Company. Distribuição: Diamond Films Brasil. Duração: 01h47min.
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