Amizade, de Cao Guimarães

 
“CLOSE YOUR EYES AND REINVENT ME!”

O mineiro Cao Guimarães é um dos realizadores com tendências experimentais mais premiados e conceituados do cinema brasileiro. Trabalhos como “O Fim do Sem Fim” (2001, co-dirigido por Beto Magalhães e Lucas Bambozzi), “A Alma do Osso” (2004), “Andarilho” (2006), “Ex-Isto” (2010) e “O Homem das Multidões” (2013, co-dirigido por Marcelo Gomes) tornaram-no sobremaneira conhecido nos festivais e entre os cinéfilos, ainda que não chame a atenção do grande público, visto que, em seus filmes, a disassociação entre imagem e som é um aspecto constante: ele evita a premissa do conforto espectatorial, preferindo substituí-la por um estímulo desafiador aos sentidos. Como tal, as fronteiras entre documentário e quase-ficção são radicalmente implodidas. Não é um cineasta fácil, portanto.

Neste seu longa-metragem mais recente, “Amizade” (2023), ele toma com ponto de partida uma mudança que fez para o Uruguai, acompanhado de seu diretor de fotografia Beto Magalhães, servindo-se desse mote para reiniciar um projeto antigo, em que filma vários de seus amigos e reflete sobre as relações afetuosas estabelecidas entre eles. Enquanto elementos comuns nos diálogos e interações: “a estrada, música e política. Não necessariamente nesta ordem”.

Tudo começa em 2016. Um golpe partidário acabara de acontecer no Brasil, desembocando no ‘impeachment’ da presidenta Dilma Rousseff. O que viria a seguir seria ainda mais excruciante: a eleição de um protofascista, o que chafurdaria o país num período quadrienal de terror. Instalar-se-ia uma pandemia global, neste entretempo, que tornou presencialmente impeditivo os encontros entre amigos. Eis os temas que atravessarão este documentário.

Cao Guimarães exibe materiais audiovisuais gravados ao longo de três décadas, em que diversos companheiros profissionais estreitam a proximidade em relação ao diretor: “estávamos unidos por causa do cinema”, comenta ele, enquanto vemos pessoas seminuas correndo, felizes, em volta de uma piscina vazia. Os sorrisos são abundantes ao longo das gravações, aliás. Imagens dos filmes supracitados aparecem eventualmente, com destaque para o instante decisivo em que Cao Guimarães e Marcelo Gomes esperam que as pessoas compareçam numa sala de cinema, a fim de assistirem ao filme que eles realizaram juntos. Porém, ninguém aparece. O consolo: “a pipoca parece estar muito boa”!
 
Crédito de Imagens: Cao Guimarães - Embaúba Filmes, Divulgação 
O filme ganhou pré estréia na capital carioca na última quarta-feira (12/03)
 
Diversos artistas (Cláudio Assis, Eryk Rocha, Matheus Nachtergaele) são reconhecidos nas filmagens, além dos colaboradores habituais do diretor. Sua comunhão longeva com os integrantes do coletivo O Grivo justifica a extrema preocupação com os componentes sonoros em seu filme, que contribuem para a expansão imersiva do espectador: na maior parte das cenas, vemos algo, mas ouvimos outra coisa. Quatro pessoas conversam através de um aplicativo virtual de reuniões, enquanto, na banda sonora, um depoimento colhido muitos anos antes é escutado. Ao diretor, interessam as livres associações…

Enfatizando aspectos políticos da brasilidade, em cotejo com alguns dos países por onde o diretor e sua trupe estiveram, extraímos, do filme, a garantia de que as amizades – inicialmente casuais – são redentoras. Em recados gravados em secretárias eletrônicas, pessoas agradecem a Cao Guimarães “a sorte de ser teu amigo”. Em sua narração em ‘off’, perguntas como “será que a solidão é rápida ou devagar?”. A tendência ao abstracionismo pode afastar quem não estar acostumado ao estilo singular do realizador, bem como as freqüentes elucubrações tecnológicas.

Encerrados os oitenta e cinco minutos de duração deste registro ensaístico, pode ser que não identifiquemos todas as pessoas que aparecem nas gravações ou compreendamos as intenções do diretor com este projeto, mas, com certeza, projetar-nos-emos, de alguma maneira, em sua idealização de algo tão antigo e necessário, que surge reverenciado, no começo e no fim, numa citação aristotélica, transmutada chistosamente no desfecho: “ah, os amigos”. O percurso é deveras pessoal, mas as concatenações são gerais: quem nunca teve um amigo a merecer uma declaração apaixonada, que atire a primeira pedra!
Trailer 
 

Ficha Técnica
  • Título Original e Ano: Amizade, 2024. Direção e Roteiro: Cao Guimarães. Gênero: Documentário. Nacionalidade: Brasil. Fotografia e Montagem: Cao Guimarães. Música: O Grivo. Desenho de som: O Grivo. Produção: Aline Xavier. Produção: 88 Arte. Classificação indicativa: Livre. Duração: 85min.
EM EXIBIÇÃO NOS CINEMAS 
 

Escrito por Wesley Pereira de Castro

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