“O que é uma despedida, diante da eternidade?”
Fernanda Montenegro faz a pergunta-chave, logo no início de sua narração, neste documentário sobremaneira elogioso. É tudo tão reverencial, grandiloquënte e repetitivo no modo como se declara que Milton Nascimento é um dos maiores músicos de todos os tempos – e é mesmo, não se questiona isso –, que é difícil não surgir o enfado espectatorial, visto que o filme possui quase duas horas de duração. E é um compêndio infindável de encômios, através de previsíveis vozes de autoridade musical (de Quincy Jones a Gilberto Gil, de Chico Buarque a Mano Brown, de Herbie Hancock a Maria Gadú). O que se sabe sobre o cantor, ao término da sessão? O que já se sabia antes: que ele é um músico impressionante!
Na abertura, há uma interessante translação lingüística de um recurso vocal muito utilizado pelo artista, que é a duplicação, a ampliação de solfejos. Mostra-se um garotinho interpretando o cantor na infância, entrando numa caverna, que serve como metáfora para uma reflexão sobre como Milton Nascimento se utiliza dos ecos em suas composições. É um interessante ponto de partida, em termos de compreensão dos procedimentos artísticos de um gênio, mas que logo é substituído pelas opiniões – boa parte delas, internacionais – que apenas referendam o que já se sabe sobre ele.
Se, em vários momentos da narração e dos depoimentos, fala-se que a obra de Milton Nascimento não serve apenas para ser ouvida, mas sentida, e a filósofa Djamila Ribeiro complementa que “não tem como explicar este artista, mas sentir”, no documentário, há pouquíssimas aberturas para comentários sobre a vida pessoal do cantor: ele fala sobre como foi a sua adoção familiar, após a morte da mãe biológica, e comemora o fato de ele também ter adotado um filho. E quase nada mais!
Crédito de Imagens: Gullane+ - Divulgação
O Documentário contou com estréia na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes
Aos oitenta anos de idade, o cantor apresenta-se numa cadeira de rodas, por conta de complicações da diabetes e do Mal de Parkinson. Diversos depoentes comentam que ele é uma pessoa muito forte, e que enfrenta os problemas com uma galhardia invejável. Mas estas limitações não são tematizadas no filme: em tese, o que está em evidência é a música, ainda que ela seja apreendida sobretudo através de excertos. E temos acesso a relatos fragmentados sobre os processos de composição…
Num dos segmentos mais potentes do filme, alguns artistas – também negros – versam sobre as conseqüências terríveis do racismo: Djonga, Criolo, Djavan e outros compartilham as suas experiências envolvendo discriminação, a fim de evidenciar que Milton Nascimento passou por isso em inúmeras situações. Mas este não é o foco do documentário, mais uma vez. Ao invés disso, a diretora Flávia Moraes prefere mostrar o cantor viajando por Estados Unidos, Itália e Reino Unido, onde apresenta o concerto “A Última Sessão de Música”. E todo mundo aplaude o cantor de pé!
Trailer
Ficha Técnica
Título Original e Ano: Bituca, 2025. Direção: Flavia Moraes. Roteiro: Marcélo Ferla e Flavia Moraes. Consultoria Artística: Augusto Nascimento. Direção de fotografia: Pedro Rocha. Montagem: Laura Brum e Flavia Moraes. Direção Musical e Trilha Sonora Original: Victor Pozas e Rafael Langoni. Música: Milton Nascimento. Produção Executiva: Liz Reis, Ana Vezzi, Gabriela Tocchio, Ana Saito, Pablo Torrecillas. Produção: Augusto Nascimento, Ricardo Aidar, Larissa Prado, Andre Novis, Caio Gullane, Fabiano Gullane. Produtores associados: Flavia Moraes, Victor Pozas, Rafael Langoni. Produção: Canal Azul, Nascimento Música, Gullane e Claro. Distribuição: Gullane+. Duração: 01h50min.
Além do concerto supracitado, são mostradas algumas apresentações do Clube da Esquina, do qual Milton Nascimento é participante e idealizador – e cujo álbum de estréia foi considerado, por mais de uma publicação, “o melhor disco brasileiro de todos os tempos” –, e do grupo Corpo, para o qual o artista compôs diversas trilhas musicais. Nos palcos, Esperanza Spalding, Maro, Tim Bernardes e Lô Borges cantam junto ao biografado. Mais aplausos, mais elogios, mais depoimentos extremamente reverenciais!
Terminada a sessão, a impressão é a de que assistimos a um ‘making of’ de alguma das apresentações do cantor, onde nem se consegue imergir nas canções nem se conhece muito sobre o músico, envolto de mistério, tal qual define Caetano Veloso. Numa fala emocionada, Fernanda Montenegro pergunta: “quantos Bitucas não perdemos antes de se tornarem Miltons?”. Continua ela: “quando fazer música é respirar, nada pode impedir um artista de rezar a sua missa”. O município de Três Pontas, em Minas Gerais, onde ele viveu e cresceu, é mencionado como “coração do Brasil profundo”. Spike Lee declara o seu fascínio pelo brasileiro que, nos créditos finais, cantarola “Babalu”, enquanto ouve uma execução da canção, na voz insigne de Ângela Maria. É isso: escutem os discos deste cantor e compositor tão singular!
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