“Eu não sou os meus monstros. Eu sou o homem da tua vida”!
O confinamento forçado – porém necessário – que atormentou diversas pessoas, ao redor do mundo, durante os primeiros anos da década de 2020, desencadeou um novo subgênero cinematográfico, que podemos classificar como “filmes de pandemia”. A maior parte dos títulos associados a este subgênero tende a refletir sobre as conseqüências da privação interativa, em âmbito presencial, de modo que as situações repetitivas da rotina forçada justificam a curta duração das obras – experimentais, geralmente. Aqui, temos um exemplar fílmico que adota as convenções de suspense para amplificar o cotidiano perturbado de um casal que se ameaça diariamente, já que são obrigados a conviver tão mútua quanto exclusivamente…
Reutilizando a mesma estrutura de progressão esquizofrênica que ele adotara no interessante “O Tio” (2020), o diretor, roteirista, produtor e montador André Borelli não é tão exitoso em sua investigação psicopática sobre a quarentena, visto que incorre numa estetereotipia de papéis matrimoniais que, ainda que não seja inverossímil, infelizmente, reitera clichês tramáticos de cariz machista.
Se, durante os setenta minutos de duração desta obra, acompanhamos as ameaças constantes de um casal tóxico, a partir do olhar aflitivo da protagonista feminina, a perspectiva objetiva da câmera a objetifica sexualmente. Ou seja, quando Lívia (Carol Bresolin) tem algum pesadelo em que teme ser morta por seu marido Davi (Paulo Miklos), acompanhamos tudo por seu ponto de vista, mas, quando ela está desperta – realizando algum exercício aeróbico, por exemplo –, suas nádegas são focalizadas em ‘close-up’, o que acontece mais de uma vez ao longo da projeção.
Sabemos pouco sobre Lívia e Davi, nas breves conversas que eles travam: o modo como eles mantêm aquela residência de alto valor aquisitivo não é explicado, mas logo percebemos que Davi se dirige à sua esposa mais jovem com prepotência, de maneira possessiva. Enquanto ele lê manuais cinematográficos e um romance de Jean-Paul Sartre, ela deseja publicar algumas dancinhas no Instagram – o que, ironicamente, depõe contra a ascendência ‘youtuber’/’tiktoker’ da atriz.
Crédito de Imagens: Borelli Entretenimento / Califórnia Filmes/ Divulgação
O longa passou pelos Festivais de Stockholm City Film Festival, na Suécia, e Athens International Art Film Festival, na Grécia, além de receber "Menção Honrosa" em solo italiano no ''Rome Prisma Film Award''
Filmado em preto e branco, sem que haja uma razão internamente esclarecida para tal, “Carcaça” se inicia com uma frase atribuída ao filósofo dinamarquês Søren Aabye Kierkegaard [1813-1855]: “a angústia é a vertigem da liberdade”. Tenta-se, desta maneira, concatenar os comportamentos agressivos dos personagens ao fato de que eles não podem sair de casa, mas há pouca sintonia dialogística entre eles: enquanto Davi passa o dia quase inteiro lendo e bebendo vinho, Lívia faz ginástica e cheira as suas cuecas sujas, antes de vesti-las. Até que ela descobre o que ele vê no computador, enquanto se masturba…
Não sabemos o conteúdo do que excita Davi (imagens de teor necrofílico? Pedofilia?), mas Lívia aproveita-se disso para constrangê-lo, quando ele menciona a possibilidade de chamar a polícia, ao constatar que ela, supostamente, insere veneno de rato nas comidas e bebidas que prepara para ele. Com que intuito? “Os incomodados que se mudem”, vocifera Lívia para Davi, numa das inúmeras discussões que ocorrem durante a projeção.
Terminado o filme, não se consegue discernir adequadamente o que é delírio ou realidade, tal qual acontecera no trabalho anterior (e deveras superior) do realizador: o roteiro parece girar em torno de uma única orientação ativa (Davi intimida Lívia – ou vice-versa), enquanto a edição desperdiça o quociente psicanalítico, derivado desta opressão concomitante, através de cortes progressivos ou de enquadramentos que mostram algum dos personagens de cabeça para baixo. O desfecho, portanto, é sobremaneira previsível: quando ele acontece, comemora-se a interrupção de um ciclo de agressões simultâneas, aliado ao desconforto induzido no espectador, que não é intelectualmente beneficiado por uma reflexão validada acerca da origem da repulsa entre parceiros sexuais. É um filme esvaziado de intenções, que estrebucha tanto quanto os dois amantes, no afã por chamar a nossa atenção. Isto ocorre da pior maneira, lamentavelmente: é triste que, em 2025, uma relação heterossexual seja reduzida a tamanho grau de maniqueísmo destrutivo, em que a assimetria de julgamentos morais depõe, evidentemente, contra a mulher!
Não sabemos o conteúdo do que excita Davi (imagens de teor necrofílico? Pedofilia?), mas Lívia aproveita-se disso para constrangê-lo, quando ele menciona a possibilidade de chamar a polícia, ao constatar que ela, supostamente, insere veneno de rato nas comidas e bebidas que prepara para ele. Com que intuito? “Os incomodados que se mudem”, vocifera Lívia para Davi, numa das inúmeras discussões que ocorrem durante a projeção.
Terminado o filme, não se consegue discernir adequadamente o que é delírio ou realidade, tal qual acontecera no trabalho anterior (e deveras superior) do realizador: o roteiro parece girar em torno de uma única orientação ativa (Davi intimida Lívia – ou vice-versa), enquanto a edição desperdiça o quociente psicanalítico, derivado desta opressão concomitante, através de cortes progressivos ou de enquadramentos que mostram algum dos personagens de cabeça para baixo. O desfecho, portanto, é sobremaneira previsível: quando ele acontece, comemora-se a interrupção de um ciclo de agressões simultâneas, aliado ao desconforto induzido no espectador, que não é intelectualmente beneficiado por uma reflexão validada acerca da origem da repulsa entre parceiros sexuais. É um filme esvaziado de intenções, que estrebucha tanto quanto os dois amantes, no afã por chamar a nossa atenção. Isto ocorre da pior maneira, lamentavelmente: é triste que, em 2025, uma relação heterossexual seja reduzida a tamanho grau de maniqueísmo destrutivo, em que a assimetria de julgamentos morais depõe, evidentemente, contra a mulher!
Trailer
Ficha Técnica
- Título Original e Ano: Carcaça, 2024. Direção e Roteiro: André Borelli. Elenco: Paulo Miklos, Carol Bresolin. Gênero: Suspense Psicológico. Nacionalidade: Brasil. Trilha Sonora original: Clelson Lopes. Fotografia: Evandro Albuquerque. Edição: André Borelli. Direção de Arte: Paulo Rocco. Figurino: Caroline Azebedo. Empresas produtoras: Borelli Entretenimento e Califórnia Filmes. Distribuição: California Filmes. Duração: 70 min. Classificação: 18 anos.
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