12.12 - O Dia, de Kim Sung-Su

 
“Não estamos numa espécie de guerra, certo?”
 
O cinema sul-coreano contemporâneo atingiu o apogeu internacional com a premiação de “Parasita” (2019, de Bong Joon-Ho) no Festival de Cannes e no Oscar, além de inúmeros prêmios ao redor do mundo. Porém, os filmes deste país ofertam as mais diversificadas tendências, desde os exercícios de estilo e violência de Park Chan-Wook à autoralidade prolífica de Hong Sang-Soo, passando pelos trabalhos impressionantes de Lee Chang-Dong, Na Hong-Jin e do falecido Kim Ki-Duk, para ficar em apenas alguns exemplos célebres. Porém, fazia falta uma produção que abordasse temas nacionais delicados, como o golpe de estado que ocorreu em 1979…

Os turbulentos eventos políticos ocorridos em dezembro de 2024, que redundaram no ‘impeachment’ do presidente Yoon Suk Yeol, tornam mui oportuno o lançamento deste filme, sucesso de bilheteria em seu país-natal, que reconstitui os eventos da data titular: “12.12: O Dia” (2023, de Kim Sung-Su) reaproveita elementos caros aos filmes de ação para narrar a oposição entre o grupo Hanahoe, uma sociedade secreta militar, e o íntegro comandante das forças defensivas governamentais da Coréia do Sul, após o assassinato do presidente Park Chung-Hee [1917-1979], que detinha o poder no país, de maneira extremamente autoritária, desde 1961.

No letreiro de abertura, lemos que a morte deste ditador, ocorrida em 26 de outubro de 1979, não trouxe a renovação prometida, no sentido de que as forças em conflito prepararam o terreno para que ocorresse o golpe de estado, abordado pelo roteiro de forma maniqueísta e sob as convenções de gênero do ‘thriller’. A despeito de todo o jargão político e militar, as ações dos dois antagonistas são conduzidas através de clichês, a fim de facilitar a assimilação de uma tramóia sobremaneira complexa, principalmente para quem não conhece as especificidades históricas sul-coreanas. Vale ressaltar que muitas situações foram adaptadas aos propósitos ficcionais e que os personagens possuem pseudônimos, ainda que a associação com os artífices verídicos do golpe de estado sejam facilmente detectáveis. 
 
          Crédito de Imagens: Hive Media e Plus M Entertainment - Sato Company - Divulgação
O longa-metragem bateu recordes de audiência na Coréia do Sul no ano de seu lançamento e foi o filme mais assistido de 2023 por lá.


O herói é o general Lee Tae-Shin (Jung Woo-Sung), que inicialmente reluta em aceitar o posto de comandante, prevendo a guerra de interesses que viria a seguir. Ele é convencido após múltiplas negociações, e pressente algo de suspeitoso nas atividades do também general Chun Doo-Gwang (Hwang Jung-Min), que, sem que ele soubesse, era filiado à organização Hanahoe, infiltrada em várias escalas dos esquadrões militares. Quando percebe que o Ministro da Defesa foi seqüestrado, em 12 de dezembro de 1979, Lee e seus comandados esforçam-se para impedir que os traidores, associados à Hanahoe, usurpem o poder, mas isto será interditado por questões burocráticas, pioradas em razão da covardia demonstrada pelos políticos que ele tentava proteger.

Apresentado como o grande articulador do golpe de estado, agindo de forma vilanaz e traiçoeira, o major-general Chun Doo-Gwang representa a versão ficcional de Chun Doo-Hwan, que se tornou o presidente da Coréia do Sul entre 1980 e 1988, portando-se de modo ditatorial, mais uma vez, adiando as expectativas revolucionárias vinculadas ao que ficou conhecido como “Primavera de Seul”. Sai um político mal-intencionado, entra outro em seu lugar. Entretanto, o filme não explica a contento as questões subjacentes. 
 
Trailer
 
Ficha Técnica

Título original e Ano:
Seoul-ui Bom, 2023. Direção: Kim Sung-soo. Roteiro: In-pyo Hong, Sung Soo Kim, Young-jong Lee, Hong Won-chan. Elenco: Hwang Jung-min, Jung Woo-sung, Lee Sung-min, Park Hae-joon, Kim Sung-kyun, Nam Yoon Ho. Gênero: Docudrama, Drama Político. Nacionalidade: Coréia do Sul. Trilha Sonora Original: Jaejin Lee.Direção de Fotografia: Lee Mo-gae. Design de Produção: Jang Geun-young. Design de Figurino: Kwak Jung-ae. Produção: Hive Media Corp. Produtor: Kim Won-kuk. Empresas Produtoras: Hive MEdia e Plus M Entertainment. Distribuidora: Sato Company. Duração: 141 minutos. Classificação Indicativa: 12 anos

Um dos problemas mais evidentes da produção está na supressão de manifestações civis: vemos a população urbana daquela região em pouquíssimos instantes, mais precisamente no desfecho, quando um esquadrão de tanques de guerra atravessa a capital do país. Além disso, somente os homens possuem protagonismo na narrativa, de modo que a única mulher com direito a diálogos é a esposa de Lee (interpretada pela atriz Jeon Su-Ji), que limita-se a levar roupas ao seu marido e telefonar para ele, no ápice de um conflito, para avisar-lhe que ela preparou ensopado, e que aguarda com ansiedade o seu retorno à casa. Infelizmente, isso não ocorrerá: a derradeira seqüência do filme é o esperado triunfo dos militares malevolentes, com direito a Chun gargalhando de maneira alucinada num banheiro!

Excessivamente longo (duas horas e vinte um minutos de duração), este filme possui a maior parte de suas ações desenvolvida através de conversas telefônicas, onde são transmitidas as ordens e ameaças dos generais nos dois pólos opostos do embate. A tela é dividida em diversos momentos, para que acompanhemos as expressões de tensão nos rostos dos generais, sendo que Lee é exibido como um homem absolutamente respeitoso quanto aos seus princípios éticos, a ponto de enfrentar sozinho uma brigada militar, enquanto Chun revela-se cada vez mais inescrupuloso, não hesitando em trair e até mesmo eliminar soldados que, até pouco tempo, eram seus amigos ou aliados. Portanto, para quem quiser aprender algo sobre a conturbada história política da Coréia do Sul, este filme é um estímulo apenas tangencial, visto que o conflito central é deveras simplificado. 

HOJE NOS CINEMAS

Escrito por Wesley Pereira de Castro

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