Em cenários quase monocromáticos, com uma paleta mínima de cores escolhida para
exacerbar a emoção do roteiro, a animação francesa ''A Mais Preciosa das Cargas'', de Michel Hazanavicius, é uma dolorosa fábula sobre
o holocausto dos judeus na segunda guerra mundial. Adaptado do livro ''A Mercadoria Mais Preciosa: Uma Fábula'', de Jean-Claude Grumberg, o longa-metragem apresenta a saga de uma
bebê judia, uma sem coração, que é jogada pelo pai de um trem que vai rumo a um
campo de concentração.
Aparentemente
sem chance nenhuma de sobrevivência, numa paisagem inóspita e nevada, seu choro
de desalento atrai a atenção da esposa sem filhos de um rude lenhador. É uma
oferenda do deus dos trens! Levando a menininha para sua cabana isolada na
floresta, com a hostilidade do marido, que logo percebe que a menininha é uma
sem coração, assassina de deus, um ser diabólico. A mulher não cede e por amor
ao bebê resiste à brutalidade do marido.
Consegue com um
vizinho, deformado e solitário sobrevivente da primeira guerra mundial, leite
de cabra para saciar a fome da criança, que cresce saudável, até conseguir com
seu encanto conquistar o coração do bruto lenhador. Esses pequenos gestos de
amor vão se sucedendo, até que os outros colegas de trabalho do homem descobrem a pequena judia
fugitiva dos campos de extermínio e resolvem entregá-la às autoridades. Por sua vez, ele resiste e numa escaramuça mata seus oponentes, mas acaba também
falecendo.
Sua esposa foge
e se refugia com o vizinho ex-combatente. Outra cabana solitária naquela
paisagem rural, e a criança cresce segura, ano após ano. Enquanto isso, o
destino de sua família de sangue é mostrado. Em tons sombrios, se sugere que tragicamente sua mãe e seu irmão são levados para as câmaras de gás
assim que o trem chega. O pai da menina sobrevive como auxiliar dos nazistas, se torna
carregador dos cadáveres de seus compatriotas. Mesmo como desenho animado, as imagens
são dolorosas e comoventes, o extermínio de toda uma raça por ódio. Essas
sequências são inesquecíveis por sua brutalidade e tristeza.
Crédito de Imagens: Eh Nihilo, Les Compgnons du Cinema, StudioCanal, France 3 Cinéma - Paris Filmes /Divulgação
O primeiro filme de Michel Hazanavicius em formato animado passou pelo Festival de Cannes, em 2024, e participou da competição oficial. O evento não recebia uma animação entre os selecionados desde ''Valsa com Balshir'' (Ari Folman,2008).
Até que a guerra
chega nos seus momentos finais. Entre os últimos combates, o gentil vizinho que
acolheu a viúva do lenhador é assassinado. À mulher com a preciosa carga
infantil só resta mais uma vez fugir e se refugiar numa cidade. O judeu
cadavérico, após ser libertado pelas forças aliadas, vai ao local onde
abandonou seu bebê; desmaia de fome e exaustão e também é levado para esta
cidade, que acolhe os refugiados sobreviventes da guerra. O encontro de pai e
filha se dá, ele a reconhece pela manta com que a abandonou. É um momento muito
triste, o judeu é praticamente um cadáver ambulante e ao ver seu reflexo numa
janela, se afasta aterrorizado. Mas sabe que sua filha encontrou um porto
seguro, junto à bondosa mulher que a segura nos braços.
Muito anos
depois, o sobrevivente dos campos de concentração se tornou um pediatra
mundialmente famoso. Numa de suas viagens pelo mundo para palestras, reconhece
sua filha, idêntica a mãe, numa capa de revista. Ela se tornou uma jovem
determinada e de sucesso. O milagre do amor de um casal de lenhadores, de um
vizinho deformado e de possíveis outras pessoas no meio do caminho a fizeram
sobreviver. O amor venceu a guerra.
Trailer
Ficha Técnica
- Título Original e Ano: La Plus Précieuse Des Marchandises, 2024. Direção: Michel Hazanavicius. Roteiro: Michel Hazanavicius - adaptado do livro de Jean-Claude Grumberg. Cenário: Michel Hazanavicius - adaptado do livro de Jean-Claude Grumberg. Elenco: Dominique Blanc, Grégory Gadebois, Denis Podalydès, Serge Hazanavicius, Antonin Maurel, Adam Carage, Matej Hofmann, Laurent Bateau, Simon Volodine, Oleg Imbert, Jean-Louis Trintignant. Gênero: Animação, Drama, Tragédia. Nacionalidade: França e Bélgica. Trilha Sonora Original: Alexandre Desplat. Edição: Michel Hazanavicius e Laurent Pelé-Piovani. Diretor de arte: Julien Grande. Animador senior: Chloé Roux. Departamento de arte: Ava Dobrynine. Empresas Produtoras: Eh Nihilo, Les Compgnons du Cinema, StudioCanal, France 3 Cinéma. Distribuição: Paris Filmes. Duração: 01h21min.
Essa fábula
franco-belga tristíssima aponta uma esperança. Ela indica que o amor ainda pode
vencer. Nesses tempos de negação do holocausto, é importante relembrar o que
aconteceu, seja através de documentários, de animações, de filmes de ficção, ou
qualquer outra forma. O diretor francês Michel Hazanavicius deu sua
contribuição. Responsável por outros grandes filmes como O Artista (2011),
vencedor do Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Ator em 2012, O
Formidável (2017) e outros. Sua principal qualidade está em comover o
espectador com toques sóbrios, visto também através dos tons belíssimos de cores únicas nas cenas. Ademais, as
poucas vezes em que utiliza canções judaicas, as palavras raras trocadas entre
os personagens sem muita instrução.
A estória comove
por si só; é um lindo conto de sobrevivência, de como o amor consegue vencer
até mesmo o ódio e a guerra. A esperança de um pai desesperado que joga um bebê
do trem; o amor de uma mulher simples que acolhe a criança; a coragem de um
lenhador que se sacrifica para salvar a criança; a generosidade do vizinho que
acolhe a viúva e a criança; esses bons sentimentos é que comovem o espectador.
Animação muito linda e necessária.
Avaliação: Oito toneladas de trilhos a percorrer para não esquecer do Holocausto (8/10).
17 DE ABRIL NOS CINEMAS
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