quarta-feira, 16 de abril de 2025

A Mais Preciosa das Cargas, de Michel Hazanavicius


Em cenários quase monocromáticos, com uma paleta mínima de cores escolhida para exacerbar a emoção do roteiro, a animação francesa ''A Mais Preciosa das Cargas'', de Michel Hazanavicius, é uma dolorosa fábula sobre o holocausto dos judeus na segunda guerra mundial. Adaptado do livro ''A Mercadoria Mais Preciosa: Uma Fábula'', de Jean-Claude Grumberg, o longa-metragem apresenta a saga de uma bebê judia, uma sem coração, que é jogada pelo pai de um trem que vai rumo a um campo de concentração.
 
Aparentemente sem chance nenhuma de sobrevivência, numa paisagem inóspita e nevada, seu choro de desalento atrai a atenção da esposa sem filhos de um rude lenhador. É uma oferenda do deus dos trens! Levando a menininha para sua cabana isolada na floresta, com a hostilidade do marido, que logo percebe que a menininha é uma sem coração, assassina de deus, um ser diabólico. A mulher não cede e por amor ao bebê resiste à brutalidade do marido.
 
Consegue com um vizinho, deformado e solitário sobrevivente da primeira guerra mundial, leite de cabra para saciar a fome da criança, que cresce saudável, até conseguir com seu encanto conquistar o coração do bruto lenhador. Esses pequenos gestos de amor vão se sucedendo, até que os outros colegas de trabalho do homem descobrem a pequena judia fugitiva dos campos de extermínio e resolvem entregá-la às autoridades. Por sua vez, ele resiste e numa escaramuça mata seus oponentes, mas acaba também falecendo.
 
Sua esposa foge e se refugia com o vizinho ex-combatente. Outra cabana solitária naquela paisagem rural, e a criança cresce segura, ano após ano. Enquanto isso, o destino de sua família de sangue é mostrado. Em tons sombrios, se sugere que tragicamente sua mãe e seu irmão são levados para as câmaras de gás assim que o trem chega. O pai da menina sobrevive como auxiliar dos nazistas, se torna carregador dos cadáveres de seus compatriotas. Mesmo como desenho animado, as imagens são dolorosas e comoventes, o extermínio de toda uma raça por ódio. Essas sequências são inesquecíveis por sua brutalidade e tristeza.
 
        Crédito de Imagens: Eh Nihilo, Les Compgnons du Cinema, StudioCanal, France 3 Cinéma - Paris Filmes /Divulgação
O primeiro filme de Michel Hazanavicius em formato animado passou pelo Festival de Cannes, em 2024, e participou da competição oficial. O evento não recebia uma animação entre os selecionados desde ''Valsa com Balshir'' (Ari Folman,2008).
 
Até que a guerra chega nos seus momentos finais. Entre os últimos combates, o gentil vizinho que acolheu a viúva do lenhador é assassinado. À mulher com a preciosa carga infantil só resta mais uma vez fugir e se refugiar numa cidade. O judeu cadavérico, após ser libertado pelas forças aliadas, vai ao local onde abandonou seu bebê; desmaia de fome e exaustão e também é levado para esta cidade, que acolhe os refugiados sobreviventes da guerra. O encontro de pai e filha se dá, ele a reconhece pela manta com que a abandonou. É um momento muito triste, o judeu é praticamente um cadáver ambulante e ao ver seu reflexo numa janela, se afasta aterrorizado. Mas sabe que sua filha encontrou um porto seguro, junto à bondosa mulher que a segura nos braços.
 
Muito anos depois, o sobrevivente dos campos de concentração se tornou um pediatra mundialmente famoso. Numa de suas viagens pelo mundo para palestras, reconhece sua filha, idêntica a mãe, numa capa de revista. Ela se tornou uma jovem determinada e de sucesso. O milagre do amor de um casal de lenhadores, de um vizinho deformado e de possíveis outras pessoas no meio do caminho a fizeram sobreviver. O amor venceu a guerra.
 
Trailer 


Ficha Técnica
  • Título Original e Ano: La Plus Précieuse Des Marchandises, 2024. Direção: Michel Hazanavicius. Roteiro: Michel Hazanavicius - adaptado do livro de Jean-Claude Grumberg. Cenário: Michel Hazanavicius - adaptado do livro de Jean-Claude Grumberg. Elenco: Dominique Blanc, Grégory Gadebois, Denis Podalydès, Serge Hazanavicius, Antonin Maurel, Adam Carage, Matej Hofmann, Laurent Bateau, Simon Volodine, Oleg Imbert, Jean-Louis Trintignant. Gênero: Animação, Drama, Tragédia. Nacionalidade: França e Bélgica. Trilha Sonora Original: Alexandre Desplat. Edição: Michel Hazanavicius e Laurent Pelé-Piovani. Diretor de arte: Julien Grande. Animador senior: Chloé Roux. Departamento de arte: Ava Dobrynine. Empresas Produtoras: Eh Nihilo, Les Compgnons du Cinema, StudioCanal, France 3 Cinéma. Distribuição: Paris Filmes. Duração: 01h21min.

Essa fábula franco-belga tristíssima aponta uma esperança. Ela indica que o amor ainda pode vencer. Nesses tempos de negação do holocausto, é importante relembrar o que aconteceu, seja através de documentários, de animações, de filmes de ficção, ou qualquer outra forma. O diretor francês Michel Hazanavicius deu sua contribuição. Responsável por outros grandes filmes como O Artista (2011), vencedor do Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Ator em 2012, O Formidável (2017) e outros. Sua principal qualidade está em comover o espectador com toques sóbrios, visto também através dos tons belíssimos de cores únicas nas cenas. Ademais, as poucas vezes em que utiliza canções judaicas, as palavras raras trocadas entre os personagens sem muita instrução. 
 
A estória comove por si só; é um lindo conto de sobrevivência, de como o amor consegue vencer até mesmo o ódio e a guerra. A esperança de um pai desesperado que joga um bebê do trem; o amor de uma mulher simples que acolhe a criança; a coragem de um lenhador que se sacrifica para salvar a criança; a generosidade do vizinho que acolhe a viúva e a criança; esses bons sentimentos é que comovem o espectador. Animação muito linda e necessária. 
 
Avaliação: Oito toneladas de trilhos a percorrer para não esquecer do Holocausto  (8/10).
 
17 DE ABRIL NOS CINEMAS

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