“ - Meu cartão não está funcionando…
- Tu podes utilizar o meu.
- O teu não permite acesso aos lugares em que preciso ir”…
Consagrada pelo extraordinário drama feminista “O Acontecimento” (2021), a diretora francesa Audrey Diwan causou bastante rebuliço ao publicizar a sua vontade de adaptar, num contexto contemporâneo, o romance homônimo escrito por Emmanuelle Arsan – nome artístico da escritora tailandesa Marayat Bibidh [1932-2005] –, que deu origem a diversas produções eróticas, a maioria delas protagonizada pela deslumbrante Sylvia Kristel [1952-2012]. Por que esta diretora demonstrou interesse numa obra que, para muitos espectadores, objetifica o corpo feminino, bem como os seus anseios sensuais?
Em verdade, tal opinião tem mais a ver com algumas adaptações oportunistas da obra, e não com a sua gênese narrativa, afinal embasada no empoderamento desejoso de uma mulher riquíssima, que seduz homens e mulheres em paisagens exóticas da Ásia. Como se estivesse a criticar este reducionismo, a diretora (que roteiriza o filme ao lado da cineasta Rebecca Zlotowski) adota uma perspectiva anticlimática em sua versão da trama, cuja sensualidade é tolhida pela tristeza evidente e compulsiva da personagem-título, vivida por Noémie Merlant.
Responsável pela manutenção dos altos padrões qualitativos de hotéis de luxo, Emmanuelle é designada para visitar um estabelecimento em Hong Kong, gerenciado pela altiva Margot Parson (Naomi Watts), a fim de confirmar (ou negar) as suspeitas de que algumas atitudes dos empregados estão incomodando os hóspedes, sobremaneira exigentes. Em sua primeira noite, a jovem percebe que é observada, enquanto se banha, por um dos garçons, e, ao reclamar com Margot, suspeita que isso esteja associado a uma oferta inassumida de serviços de prostituição.
Graças aos serviços do prestativo “Olho” (Anthony Wong), o funcionário que se dedica à vigilância do hotel, Emmanuelle descobre que algumas pessoas se instalam nas áreas de lazer do hotel, com o intuito de seduzir quem está à beira da piscina. Uma dessas pessoas é Zelda (Chacha Huang), uma garota de programa por opção, que finge ler “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë, a fim de se aproximar de seus casos sexuais. Ela sabe que a sua atividade não é admitida no hotel, mas que, por algum motivo, isso é tolerado. Ao ser confrontada acerca da diferença entre uma e outra situação, é trazida à tona a potência excitante do risco: Zelda despe-se diante de Emmanuelle, e convida-a a masturbar-se ao seu lado, numa cabana cujo portão é de vidro…
Crédito de Imagens: Chantelouve, Rectangle Productions, Goodfellas, Pathé, 1º Festival de Cinema Europeu Imovision - Divulgação
A produção recebeu duas indicações a prêmios no San Sebastián International Film Festival - ''Melhor filme e RTVE -Otra Miranda Award''
Ainda que a protagonista não hesite em fazer sexo com desconhecidos (num avião, quando transa no banheiro com um passageiro que a observa, ou com um casal que encontra no balcão de um bar), Emmanuelle demonstra-se perenemente enfadada, com uma expressão de desdém que contrasta com aquilo que era esperado da predadora sensual associada à sua fama. Ao ser informada sobre os estranhos comportamentos de Kei Shinohara (Will Sharpe), um hóspede que aluga uma suíte caríssima, mas nunca dorme em seu cômodo, a protagonista começa a segui-lo no intuito de descobrir o porquê de ele ser tão misterioso. Será que eles farão sexo?
Contrariando as expectativas do público, a diretora impinge um ritmo lentíssimo ao seu enredo, permeado por longos diálogos sobre as funções empregatícias de Emmanuelle e culminando na assunção da impotência existencial de Kei, que afirma não fazer sexo há cerca de três anos. O que parecia luxuoso demonstra-se, afinal, tolhido pela corrupção e ameaçado pelas condições climáticas da região, progressivamente cataclísmicas. “Quando mais se aproxima o fim do mundo, mais precisam de mim”, reitera Kei, ao falar sobre o seu trabalho como construtor de represas, enquanto a protagonista faz com que ele consiga-lhe um parceiro sexual, numa estranhíssima seqüência de foda por procuração.
Trailer
Ficha Técnica
- Título Original e Ano:Emanuelle, 2024. Direção: Audrey Diwan. Roteiro: Audrey Diwan e Rebecca Zlotowski - baseado no livro de Emmanuelle Arsan. Elenco: Noémie Merlant, Naomi Watts, Will Sharpe, Jamie Campbel,, Chacha Huang, Anthony Chau-Sand Wong, Harrison Arevalo, Marguerite Dabrin, Adam Pak, Sofie Royer, Hu Kai. Gênero: Drama,Romance. Nacionalidade: França e EUA. Trilha Sonora Original: Evgueni Galperine e Sacha Galperine. Fotografia: Laurent Tangy. Edição: Pauline Gaillard. Design de Produção: Katia Wyszkop. Figurino: Jürgen Doering. Empresas produtoras: Chantelouve, Rectangle Productions, Godofellas, Pathé. Distribuição: Imovision. Duração: 01h47min.
Belamente fotografado por Laurent Tangy e magistralmente musicado pelos irmãos Evgueni e Sacha Galperine, este filme expõe uma perspectiva pessimista acerca de seus personagens, visto que os seus benefícios de classe não asseguram nenhuma satisfação duradoura. Pelo contrário, eles permanecem entediados e incomodados, vagando a esmo em busca de algum tipo de prazer. A espirituosa Zelda é uma exceção, mas ela é expulsa do hotel por Margot, após notar que Emmanuelle afeiçoou-se a ela. As cenas de nudez são exíguas e os intercursos sexuais parecem inconvenientes e perturbadores, ao invés de sensuais. Há algo de muito estranho permeando a atmosfera do filme, do início ao fim, o que decepciona por completo quem aguardava uma conexão lasciva com o clássico filme de 1974, dirigido por Just Jaeckin: seria este o intuito da realizadora, demonstrar o quão pernicioso é o erotismo de butique, ao romantizar o cotidiano dos milionários e converter as mulheres em bibelôs exibicionistas? Aparentemente, é o que acontece!
1º Festival de Cinema Europeu Imovision!
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